quinta-feira, novembro 19, 2009

A mão do Presidente

Em Televisão, Fotografia e Cinema, tal como aliás em todas as artes expressivas ou de representação, com os seus campos de signos escolhidos ou accionados e respectivos alcances semânticos, não há imagens neutras nem mensagens inocentes ou socialmente inócuas, a não ser eventualmente – e mesmo aí apenas em diferença de grau, que não de natureza – no caso da sua captação original ou produção sequencial resultar de momentos ou processos cujo carácter aleatório (ou mais ou menos espontâneo, inconsciente ou não-intencional) conseguir dotar essas imagens de uma espécie de feição mimética total dos seus objectos correlatos – um pouco como acontece no chamado grau zero da escrita, à margem e para além de aproveitamentos temporais, ou dos seus tratamentos estratégicos posteriores.

– Ora se isto é entendível no caso das mensagens e discursos visuais e verbais cuja feição é preponderantemente estética, muito mais deverá uma análise compreensiva das mesmas atender ao campo particular do Jornalismo e, dentro deste, ao das Reportagens, cujas intencionalidades, em princípio (pelo menos as daqueles sempre subsequentes aproveitamentos e tratamentos), são de facto o mais real e decisivo móbil configurador da elaboração manuseante das notícias, dos acontecimentos e da montagem final das respectivas peças.

Mas hoje vem isto a propósito de um pormenor da cobertura que o Canal 1 da TV estatal fez da cerimónia de tomada de posse do novo Governo liderado por José Sócrates, a saber da focagem – nitidamente intencional, até porque repetida, embora a partir de ângulos e com protagonistas diferentes – dos movimentos das mãos de alguns dos ministros empossados e, especialmente, das mãos do próprio Presidente da República…

– Acontece todavia que enquanto as filmagens das mãos dos governantes incidiram nos respectivos movimentos de assinatura, as focagens captadas das mãos de Cavaco Silva fixaram nitidamente a respectiva tremura, mais precisamente a da mão direita pousada na borda do parlatório, durante o discurso presidencial!

É claro que não é primeira vez que a captação de certo tipo de imagens é manuseada estrategicamente (todos nos lembraremos de uma, famosa, do mesmo antigo líder do PSD "apanhado" a mastigar e salpicar bolo…), mas nunca, que me lembre, semelhante incidência havia sido tão despudoradamente perpetrada com o que ela pode transportar de exposição indutiva, ou insinuante, de sugestão etiológica...

– E depois, como referia Roland Barthes, se é verdade que a Fotografia dá ou pode dar um pouco de verdade “desde que parcele o corpo”, também não é menos certo que nem toda a tremura institucional será necessariamente sinal de fraqueza de razão de Estado, ou sinónimo de decrepitude ética (que esta é muitíssimo pior, a todos os títulos!),  tal como, enfim, nem todos os torcidos sorrisinhos cínicos dos actores sociais conjunturalmente ascendentes lhes hão-de garantir perpétuo gozo de impunidade democrática e graça política, aos olhares frontais e aos dedos firmes das mãos do Povo.

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* Originalmente publicado em Jornal “A União”, em 29 de Outubro de 2009.