quinta-feira, novembro 19, 2009

A Propaganda Política
e a Participação Democrática

Daria tinta para muito papel uma análise alargada e detalhada dos discursos políticos desenvolvidos pelas diferentes forças partidárias ao longo das três últimas e estafantes campanhas eleitorais, tanto mais quanto se naquela categoria linguística e semiológica de discurso e respectivos textos integrantes inseríssemos – como em campo de estudo próprio – as mensagens e práticas sociais ali mediatizadas enquanto corpo retórico e publicitário de propaganda política, com as suas específicas mensagens em palavras, gestos e imagens … 



Ora lembro-me, a propósito da conjuntura actual – com seus cartazes, outdoors, prospectos, listas de distribuição postal, camisas, bonés, lapiseiras, etc., etc., conforme as posses, os financiamentos e os talentos das novas técnicas e meios de design & marketing dos capitais próprios e simbólicos em jogo… –, de ter, aí há uns bons vinte e sete anos (no “Jornal da Praia” de 04.11.1982), escrito um texto de análise muito crítica aos conteúdos do discurso publicitário e propagandístico de uma Exposição Itinerante (“Seis Anos de Autonomia”) do então Governo Regional dos Açores, aonde era bem notória a integração daqueles paradigmáticos géneros. 

– Embora na altura apresentada de forma pobrezinha e artesanal, e sob a inocente mas denunciada selecção de uma série de fotografias, desenhos e gráficos legendados, todos os elementos da dita mostra lá estavam a procurar dar conta das obras e investimentos da jovem administração social-democrata da época – que, na verdade e apesar de tudo, bastante pioneiramente começara a tentar arrancar o Arquipélago da triste condição insular e do adjacente subdesenvolvimento e subalternização em que as nossas ilhas viveram durante séculos –, apesar das clamorosas limitações várias (uma “morfologia de coisas banais – indícios de um imaginário paupérrimo”) e das profundas ambiguidades (“em negação daquilo que se proclamava assumido como esfera de luta virtuosa… contra o isolamento e a falta de unidade”), conforme o texto do jornal não deixava de incisivamente escalpelizar, aliás abrindo mesmo o artigo com a comprovada constatação (universalmente aplicável sempre tanto aos agentes e actores no Poder quanto às Oposições que os pretendem destronar!) de que “toda a habilidade da propaganda consiste em nos fazer acreditar que esse estadista, esse chefe de partido, esse Governo nos ‘representam’ e não só defendem os nossos interesses como também endossam as nossas paixões, os nossos cuidados, as nossas esperanças”… 

Mas para além disso, nesse texto – aliás bastante pautado, logo em epígrafe, pela citada reflexão de Jean-Marie Domenach (escritor francês, resistente antifascista, ensaísta católico, intelectual personalista e companheiro de Mounier, a quem sucedeu na direcção da notável revista Esprit entre 1957 e 1977) –, ficaria ainda e logo criticamente sugerido que a propaganda política, enquanto “tentativa de influenciar a opinião e a conduta da sociedade”, era um modelo de uso da linguagem destinada às massas, empregando “palavras ou outros símbolos veiculados” pela rádio, pela imprensa, pelo cinema e pela televisão, – nisto portanto confundindo-se com a publicidade, na medida mesma em que aquela procura “criar, transformar certas opiniões, empregando, em parte, meios que lhe pede emprestados”, ao mesmo tempo que desta se distingue “por não visar objectos comerciais e, sim, políticos: a publicidade suscita necessidades ou preferências visando determinado produto particular, enquanto a propaganda sugere ou impõe crenças e reflexos que, amiúde, modificam o comportamento, o psiquismo e até mesmo as convicções religiosas ou filosóficas”. 

Por outro lado, mas ainda muito pertinente para a análise do contexto temático que vimos abordando, em edição recente (Mais Anúncios à Lupa, 2008), Eduardo Cintra Torres – professor de Análise de Publicidade e de Análise e Crítica de Televisão na Universidade Católica, conhecido e talentoso articulista do “Público” e do “Jornal de Negócios” – reuniu em livro uma nova série de meia centena de textos críticos de publicidade anteriormente publicados na sua coluna jornalística “O Manto Diáfano”, naquela que constitui uma sugestiva linha analítica, ali sobretudo aplicada a imagens publicitárias, e cujas virtualidades várias, para aquilo que o próprio autor reconhece como sendo “a construção simbólica da sociedade”, foi bem recordado por Eduardo Prado Coelho no escrito que em apropriado jeito de prefácio foi ali também proveitosamente reeditado. 

De facto – tal como coincidentemente salientava Prado Coelho –, o livro de Cintra Torres “tem um pouco o mesmo efeito que sentíamos ao lermos, noutro âmbito e contexto, as Mitologias de Roland Barthes”…, pelo que essas (re)leituras vem mesmo também bem a propósito de revisitação nesta quadra político-partidariamente mercatizada e mercadejante em que vivemos e sufocamos, e aonde até as amostras do mais ou menos medíocre ou conseguido design gráfico e das respectivas poses e retóricas políticas partilham irmanados ou conflituais espaços urbanos e circuitos de circulação à volta das ilhas todas. 


– Porém agora, novamente e tal como Domenach então concluíra no seu estudo, “o público, dir-se-á, está cansado da propaganda, pelo menos nos países não ‘subdesenvolvidos’. Precisamente, contudo, pelo desgosto nascido dos excessos dessa propaganda, há um apego mais espontâneo aos factos, e são eles que, antes de tudo, se torna necessário expor e interpretar. Novo estilo de propaganda está [assim] em vias de nascer da aversão pelas mistificações e pelos exageros. 

“ (…) Contudo, por mais inteligente, por mais concreta que seja essa propaganda informativa de estilo novo, ela, a nosso ver, é insuficiente. Uma verdadeira democracia vive da participação do povo e não apenas de o manter informado”… 

 
     
– Verdadeiro juízo cívico e bem prudente e esclarecida prevenção democrática essa de tão avisado e coerente pensador, ou não fossem o seu pensamento crítico, o seu testemunho ético de vida, o seu empenhamento intelectual e o seu compromisso com a verdade e a justiça tão válidos hoje como na também difícil, fracturante e perigosa era em que viveu!
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(*) Originalmente publicado em 07 de Outubro de 2009, em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=1914&tipo=col