quarta-feira, dezembro 16, 2009

Caudais de Risco e Ribeiras de Desgraça


Ribeira da Agualva e velha Ponte de Madeira destruída pela mortífera Enxurrada de 8 de Dezembro de 1962 (Foto da época).


A freguesia da Agualva, situada na zona norte da ilha Terceira, em conjunto com outras localidades do Concelho da Praia da Vitória, foi novamente atingida este inverno por fortes chuvadas que provocaram enxurradas de grande caudal e imparável violência destrutiva sobre moradias, estradas e redes públicas de abastecimento de água e saneamento básico, – tendo o cenário físico das devastações provocadas já sido, com propriedade, adjectivado de dantesco e diluviano.

– Porém, ao contrário do que sucedeu em outras trágicas ocasiões e eventos catastróficos ocorridos e bem lembrados nos Açores, agora e felizmente, não há vítimas humanas mortais a lamentar, muito embora sejam perceptíveis dolorosas marcas traumáticas pessoais e familiares, e notoriamente avultados os prejuízos materiais apurados em bens particulares, infra-estruturas essenciais e equipamentos colectivos, – sendo que aqui e para a urgente, rápida e competente reposição mais segura e precaucional dos mesmos é de esperar uma absolutamente necessária, devida e determinante articulação reforçada, solidária e supletiva de meios financeiros e técnicos, e de confluentes programas específicos entre a Câmara Municipal da Praia da Vitória, o Governo Regional, as Juntas de Freguesia, os habitantes das zonas sinistradas e as diferentes entidades privadas e público-privadas directa ou indirectamente envolvidas e interessadas numa responsável e responsabilizante resposta a tão momentosa e capital calamidade!

Por outro lado, embora ainda muito em cima dos primeiros e dramáticos momentos e espaços deste sinistro – onde não faltaram as devidas presenças testemunhais e simbólicas de Carlos César e de José Contente –, e também já com uma devida nota de apreço pela capacidade e esforço de intervenção demonstrados pelas autoridades, serviços públicos e associações socioprofissionais e assistenciais mobilizados, a par da histórica e quase heróica dimensão da resiliência novamente avivada na alma do Povo desta terra, – mas exactamente por isso mesmo! –, é que é preciso que, atendendo às ocorrências secularmente conhecidas de alguns (nomeadamente a de Setembro de 1813) ou contemporaneamente preservadas na memória de muitos (especialmente a de 8 de Dezembro de 1962), não se deixe que da cura possível das feridas humanas e da limpeza radical das lamas residuais se passe a um branqueamento estratégico das águas ou ao desvio, apenas errático, perigoso e contraproducente, daquilo que, por adiamento ou interesse de conjuntura, apenas canalizará renascentes caudais de risco e de sofrimento para as ribeiras da próxima desgraça...

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(*) Publicado em "A União", "Diário dos Açores" e "Azores Digital".