segunda-feira, outubro 18, 2010

A SETE PASSOS DE TI

APRESENTAÇÃO DO LIVRO
A SETE PASSOS DE TI
DE MARIA ARMANDA SANTOS

É sob evocação e para Lançamento da obra A sete passos de ti que intencionalmente começamos e nos encontramos hoje aqui, neste espaço bem simbólico e num envolvimento humano muito significativo, certamente, para todos nós – o que, nesta ocasião, me permito salientar –, porquanto eles, de certo modo, se prendem à vida e às heranças e envolvimentos da nossa jovem autora, Maria Armanda Santos.

Já conhecido o seu perfil biográfico e sinalizadas algumas pistas de leitura no Prefácio que tive o gosto de colocar no pórtico desta edição – e deixando portanto, neste ensejo, para Rodrigo Leal de Carvalho o abalizado desempenho formal de uma Apresentação propriamente dita ao livro cujo vinda a público celebramos, e bem assim endossando à Judite Parreira a sugestiva recitação expressiva de alguns dos seus seleccionados excertos –, limitar-me-ei pois e apenas a pontuar umas breves notas de abertura e mais ou menos de rodapé, mas confluentes, sobre a nossa novelista, a sua obra e os universos da escrita que nelas, ou a propósito delas, me foram suscitados.

Começo por reafirmar que não me foi nada difícil encarar com simpatia e responder positivamente ao gentil pedido que me foi feito para que prefaciasse esta obra:

– De facto, tantos e tais são os factos e as vivências próximas que me ligam à família da Maria Armanda que, ao vê-la, com 18 anos personificando figura de escritora, logo me lembrei que, no seu caso, de comprovado modo, bem se podia justificadamente repetir, como diz o ditado popular, que “quem sai aos seus não degenera”…

Desses seus, familiares relativamente chegados, bem me inclinei logo a lembrar dois (para já nem referir, evidentemente, ainda o nosso Apresentador desta noite, cuja vasta obra romanesca também tive anterior oportunidade de apreciar).

Porém – dizia – desses seus familiares relembro e invoco hoje especialmente Vitorino Nemésio (seu primo, de genealogia mais distante mas firmada) e Armando Santos (seu tio-avô), sob cujos auspícios propiciatórios, digamos assim, desejo precisamente colocar esta promissora estreia literária aqui neste nosso comum berço praiense!

Ora se do primeiro muito se tem dito, feito e escrito (embora menos se tenha efectivamente lido e mais merecidamente estudado, e ainda bastante menos, com razoabilidade e sem saturação contraproducente, se tenha dele e a fundo congeminado outras e desejáveis torres de alguns e melhores emblemas histórico-culturais…), já do segundo, como de muitos outros filhos e valores da terra, o proverbial desconhecimento público por estas bandas será generalizado e quase total…

– Mas quanto a Armando Santos – “primo e poeta” de rasgo (amigo e vizinho e companheiro de poesias, saudades, músicas, teatros e outras fitas), como o reconheceu e nomeou o mesmo Nemésio da "Casa das Tias", suas e comuns (e assim, também ainda, as da Maria Armanda), – ainda estou a vê-lo, tal como o descrevi nas Heranças da Terra, “também ele revolto no sonho (ou quase delírio…) das ilhas, naquele distante e sombrio bairro labiríntico de Lisboa, de pé no banco baixo da sua sala, como que visionário e no mais perfeito virtuosismo praiano: “Ó meu amigo Eduardo, Ó Ferraz da cambitola”, etc., etc., por aí fora, e até aqui, a esta Praia de antigamente, de agora e talvez de sempre…

É claro que falo de escritas, textos, poesias, novelas, contos e casos, mas poderia falar hoje também daquele, digo deste mesmo espaço que acolhe o Lançamento de A sete passos de ti, aqui neste paradigmático enclave conventual da ilustre e notável ex-Vila e do velho Salão Teatro Praiense e da Filarmónica União Praiense que, por via também de muitos empenhos cívicos, societária e culturalmente consequentes de alguns nossos concidadãos, parentes e amigos da Cultura, das Artes (Música e Teatro, nomeadamente) e das Letras de há quatro gerações já, se não me engano, nos une e reúne ainda na nossa Praia!

– E digo nossa, com plena noção socio-histórica e ainda institucional daquilo que este pronome realmente traduz de consciencializada e assumida pertença, velho e quase esquecido ou desprezado capital simbólico de herança e prospectiva, isto é, como resultado das obra dos nossos antepassados e, simultaneamente, como responsabilidade, ainda também nossa, no tempo presente!

– Mas que terá isto tudo a ver com a comemoração, digamos assim, do nascimento e do baptismo do livro da Maria Armanda Santos?, – interrogar-se-ão os amigos e convidados que em tão grande número, e sintomaticamente, aqui acorreram.

– Pois tem tudo!, digo eu, porquanto um Escritor e, por maioria de razão, uma jovem Escritora, também é isto mesmo que neles se reincarna e perpetua: uma memória, uma inteligência, uma vocação e uma vontade de linguagens, afectos, imaginários e valores sempre criativamente renováveis e transmutáveis à luz daquilo que vai sendo inspirado pelo mundo subjectivo, pelas aprendizagens, pelas afinidades liminarmente conscientes ou subconscientes, e depois também pelos mundos colectivos, pelos sonhos e pelos mitos que a todos e a cada um é dado intersubjectivamente viver e narrar…

E posto isto, com que termino, vamos continuar o nosso serão cultural, novamente com A sete passos de ti e com a expressividade das suas figuras e construções literárias, também elas reveladoras – na exemplaridade feliz, e na nova e autónoma existência que todas as obras, discursos e textos sempre ganham relativamente a nós, ou a quem os produz, ao serem lidos, ou dados ao convite da leitura por outros, – e todos, afinal, a seus modos e géneros e destinos diversos, análogos ao risco a às promessas e às esperanças do Amor, esse único e maior sentimento que supera a finitude de tudo e todas as nossas humanas limitações, – tal como a Maria Armanda, tão bela e felizmente intuiu e ficcionalmente lhes deu forma textual e voz genuína nesta sua esmerada primeira novela, conforme tão poeticamente as suas Cartas mais ainda acentuam, para que sigamos, vacilantes ou seguros, confiantes e ressurgidos, os seus próprios passos, pela mão de Alice…

Academia da Juventude da Ilha Terceira, Praia da Vitória, 3 de Setembro de 2010

quarta-feira, setembro 29, 2010

Unidade, Historicidade e Consciência Regional

1. No horizonte da Autonomia Regional Açoriana, se há questões recorrentemente debatidas – diversamente configuradas e respondidas mas permanentemente vigentes, e assim até criticamente constituintes e estruturantes dos diferentes ideários, imaginários e concretizações político-administrativas, jurídico-políticas, socioeconómicas e culturais dos projectos e modelos aqui historicamente arquitectados (pensados ou apenas sonhados, conquistados ou somente outorgados…) –, uma dessas é, com toda a certeza, a problemática da unidade regional entre as nove ilhas do Arquipélago.

– Por outro lado, como é facilmente constatável, a inteira questão da unidade, que não é exactamente sobreponível à outra e fundamental problemática da consciência regional – tal como não é subsumível à vulgar gestão, mais ou menos táctica e tácita, das retóricas ideológicas e dos sofismas político-partidários com incidência e materialização nos distorcidos esquemas, meios, querelas e fins de muita da governação e do parlamentarismo que ainda vemos hasteados entre nós… –, não deixa todavia de ser-lhe conatural, pese embora a sua indisfarçável disparidade de conteúdos e dimensões a nível da opinião pública mediatizada (ou silenciada!), da prática comentarista (mais ou menos inócua e unidimensionalmente anestesiante) ou até das prédicas e falas do senso comum e das suas impressivas narrativas, fábulas e mitos (às vezes proverbiais e precaucionais, porquanto marcados por décadas e acumuladas lições de experiência feita e conhecimento de causa…).

2. Embora só no Século XX tenha a reflexão sobre a especificidade identitária dos Açores e dos Açorianos atingido um mais relevante e incisivo corpus teórico-prático institucionalmente materializável – dele constando núcleos accionais e críticos sobre o atraso, o progresso e o desenvolvimento insular, o fomento de uma administração capaz e capacitada, e sobre a unidade regional e os factores mais representativos, reais ou fictivos, de uma legitimação historicizada da Autonomia (enquanto modalidade possível de auto-governo ou livre administração do Arquipélago, no contexto nacional português e no crucial horizonte euro-americano…) –, só depois da Revolução de 74 e à bolina de derivas separatistas e de avanços, recuos, lutas, repressões e conquistas democráticas insulares e portuguesas (todas com fenómenos de dissensão, conversão e reconversão doutrinária, estratégica e sociológica que não vem a caso e medida retomar aqui), é que ficou, finalmente, consagrado um substancial e merecido estatuto constitucional autonómico.

– E isto apesar de, em verdade, desde bem cedo na História, na Historicidade, na Historiografia e em múltiplos outros domínios, acontecimentos e registos temporais, narrativos, geo-antropológicos, simbólicos e psico-existenciais açorianos ter sido possível detectar, ou ter relevado, presenças ou marcas daquilo a que José Enes chamou de pensamento de uma sociedade sobre si mesma e do que ela forma através da sua experiência histórica

3. É no campo do devir e do acontecer histórico, filosófico, político e societário das nossas ilhas que tem sido assim detectados, ou apenas propostos ou sugeridos, vários índices sinalizadores ou modeladores de uma espécie de potencial ou latente intencionalidade de fundo ciclicamente emergente e afirmativa da Açorianidade, ou seja, de uma ontologia regional tornada cônscia como identidade e como consciência insular açoriana propriamente ditas (conquanto só depois formalmente plasmadas na ordem jurídico-política objectiva enquanto e como Autonomia), mas sendo precisamente que, a par destas categorias e com elas, sempre aí esteve pressuposto um determinado conceito crítico da existência ou da construção da nossa debatida unidade regional!

Depois, é por isso mesmo que – tendo presente toda uma possível, embora não unidireccional nem unívoca fenomenologia do espírito da Açorianidade (tematizável ainda dialéctica mas praticamente desde os primórdios do Povoamento até hoje, em perspectiva trans-histórica, multidisciplinar e multissectorial) –, uma reflexão aprofundada e livre sobre estas afins e confluentes problemáticas e paradigmas se torna novamente muito urgente, perante uma realidade global em profunda mutação e acelerada reconfiguração nacional, pós-imperial e pós-colonial, aonde a solidez dos afectos das gerações, as solidariedades comunitárias (mais ou menos imaginadas, como as classifica Benedict Anderson, mas à escala continental, regional, étnica, religiosa ou até neo-tribal…) e as irmandades destinais de outrora perderam muito do seu perfil tradicional e do seu significado consensual, substituídas que estão sendo pelo primado do efémero, do provisório, do pensamento mole ou movediço, da liquefacção ou da fragmentação de duplo sentido das fronteiras éticas, cívicas e psico-comportamentais (como propõe Bauman), do mercado unidimensional das mensagens, dos projectos virtuais, das linguagens discriminatórias, dos hábitos dúplices e predadores, e da disseminada violentação biopolítica da Humanidade, da Natureza e dos seres vivos e sencientes, – como se já nada pudesse ou valesse a pena ser preservado, com bondade e boa-vontade, em nome de uma verdadeira, autêntica e justa grande unidade de Espírito e de Ser, de coração, de utopia ou de esperança…

– De resto, exemplares momentos reveladores destas complexas e multimodais problemáticas universais (e da sua epidérmica recepção provincial…) entre nós, sempre natural e temporalmente situados na historicidade das ilhas e nas diversas configurações epocais da sua conscientizada assumpção prática, têm sido e mais poderiam ser ressaltados nas obras clássicas dos Cronistas Açorianos; na arquivística documental e no memorialismo; na conceptualização geopsíquica, filosófica e antropológico-cultural; na produção estética, plástica, musical, etnográfica, folclórica e iconográfica; no discurso jurídico-administrativo das sucessivas tendências e movimentos autonomistas; na criação literária (poética, contista, romanesca e teatral); nos valores, cosmovisões e ritualidades da religião cristã e da religiosidade popular; no capital simbólico e comunicacional pan-insular; nas migrações, mobilidades e diásporas internas e externas, – enfim –, na convivencialidade e intercâmbios académicos, científicos, associativos e grupais ilhéus…

4. Ora assim e só assim sendo, a questão da unidade real das nossas ilhas – discutida às vezes apenas e cinicamente a partir de referências menores e de interesses exclusivistas, ou de medíocres e inconsequentes artifícios e malabarismos político-partidários (que já nem prestariam sequer, como outrora, inter-distritalmente, inter-ilhas, inter-concelhiamente e por aí abaixo, para “inocentes remoques de vizinho”, como escrevia Vitorino Nemésio, nem mais servirão para improdutivamente entretermos “a nossa humaníssima concorrência nos penhascos”…) –, talvez encontrasse, alternativamente então, um fértil, construtivo, digno e unificado campo para uma regeneração cada vez mais urgente de ideais, práticas e discursos açorianos (insulares, mas racionais e generosos!), e para uma reflexão renovada, séria e prospectiva sobre o género de vida e o modelo de sociedade e de valores que queremos construir e legar aos nossos vindouros, nesta terra comum e com as nossas existências partilhadas.

Ilha Terceira, Setembro de 2010
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* Publicado na Edição Especial, subordinada ao tema Açores Unidos, do Semanário "Expresso das Nove" (Ponta Delgada, 23.09.2010) e reproduzido em "A União" (Angra do Heroísmo, 29.09.2010):


domingo, junho 20, 2010

Augusto Gomes: Uma Evocação de Memória à Porta da sua Casa

Em boa hora deliberou a Junta de Freguesia de Santa Luzia concretizar esta justa Homenagem a Augusto Gomes, inserindo-a – e bem! – numa série de outras iniciativas conhecidas, já programadas e anunciadas, e visando, todas elas, assinalar a vida e a obra de pessoas e instituições cuja existência esteve, ou está, de múltiplos, honrosos e exemplares modos, ligada a esta parcela da cidade de Angra do Heroísmo e aos seus patrimónios humanos, histórico-culturais e cívicos.

Deste unânime reconhecimento dá pois hoje sinal esta empenhada Junta de Freguesia, fazendo colocar uma Placa em sua Memória e Evocação, na presença associada – que também saúdo nesta cerimónia e nas que se vão seguir –, dos representantes das nossas principais autoridades camarárias e concelhias (Presidente da Assembleia Municipal, Dr. Ricardo Barros, e Presidente da Edilidade, Dr.ª Andreia Cardoso), do Rev. Mons. José de Lima, de parentes, amigos, vizinhos e demais amigos e companheiros presentes do homenageado.

A figura que hoje evocamos aqui – mesmo à porta da casa que durante tantos e tantos anos habitou, e que a muitos de nós também hospitaleiramente se abriu para amena cavaqueira, em tertúlia de Cultura e Gastronomia, ou apenas para múltipla e diversificada rememoração de outros tempos, linguagens e modos de viver da nossa terra e das suas gentes –, foi um honrado cidadão, um militar louvado e um exemplar e genuíno amigo da nossa Ilha Terceira e dos Açores:

– Comendador da Ordem de Mérito, Medalha de Mérito Militar, Medalha de Comportamento Exemplar (Grau Ouro), Medalha das Expedições e Medalha das Campanhas de África, Augusto Gomes, nascido em Angra do Heroísmo a 6 de Maio de 1921 e aqui falecido a 21 de Novembro de 2003, deixou-nos preciosos e incansáveis trabalhos de recolha, quase arqueológica, de comunitárias vivências e marcas socio-históricas constantes de uma produção de escrita vasta e variada, mormente em Conto, Teatro, Jornalismo, Crónica e Poesia, para além de uma significativa investigação de referência na área dos Estudos Etnográficos, culturais e populares açorianos, que hoje, bem a propósito e mais uma vez, merece ser recordada com carinho e adequado louvor.

Excepcional contista e apaixonante contador de pequenas grandes histórias do nosso passado – como anteriormente já tive oportunidade de referir –, com rostos, gestos, trejeitos, falas, cantos, olhares, indumentárias, crenças arcaicas e casticismos locais – tudo num paradigmático repositório societário de realidades, personagens individuais e actores institucionais que povoaram os nossos espaços públicos e os confinamentos reais dos nossos quotidianos e dos nossos imaginários mais ou menos circunscritos e privados –, Augusto Gomes dedicou-se também ao Teatro, como não podia deixar de ser em tão animada personalidade…

– E foi assim que ele próprio, homem de palcos e de viagens (com armas, binóculos, bagagens e lentes, por esse mundo de Deus fora e por essas paragens que foram de Portugal…), escreveu, encenou, ensaiou, dirigiu e representou as suas próprias Revistas (Em mangas de camisa, Alagado pingando, Talvez te enganes e Faz-me cócegas), noutras participando como actor (como em De vento em popa, Sabe-se lá e Fatias douradas, de Eduardo Melo), na peça Ao mar (de Manuel Coelho de Sousa), na opereta Glória ao Divino (de Frederico Lopes), ou ainda no seu próprio tentâmen operático regionalista de Amor campestre

Diligente estudioso das tradições e figuras da nossa memória colectiva, de manifestações teatrais, artísticas e gastronómicas populares, e da cultura oral e prática das nossas ilhas e das suas gentes, a tanto emprestou assim Augusto Gomes os seus talentos, verves literárias e ficções narrativas, servidos todos por uma grande capacidade de observação, fixação, reprodução e recriação de muitas das nossas raízes e heranças!

Jornalista de imprensa, membro da Gávea e colaborador da rádio (aqui manteve um rubrica, “À laia de conversa”, no programa Panorama do Rádio Clube de Angra), Augusto Gomes colaborou em quase toda a Comunicação Social açoriana, tendo sido Director do jornal “O Búzio” (órgão da Comissão de Apoio e Dinamização das Colectividades Culturais e Recreativas da Ilha Terceira), Chefe-de-Redacção da revista Ilha Terceira e do jornal “Kit-Bag” (na Beira, em Moçambique), e correspondente do “Correio dos Açores” (nos anos 50) e da revista Cooperação (anos 60). E por mim quero também recordar, com saudade nesta ocasião, a sua amável anuência ao convite que lhe fiz para participar no “Jornal da Praia” e em Diálogos, Suplemento de Cultura, Arte e Ciência que tive o gosto de dirigir no jornal “A União”.

– Em 1966, quando colaborava no jornal angolano “A Província”, foi o nosso escritor premiado (por um conto, depois publicado pela revista Mais Alto) nos Jogos Florais Castrenses de Luanda. Mas já em 1958, nas Comemorações Faialenses do Centenário de Florêncio Terra, havia ganho, com o conto “Perdoe pelo amor de Deus”, um Prémio no Concurso para Conto Regional, tendo sido distinguido, logo a seguir, na Ilha Terceira, com primeiros lugares nos lembrados Jogos Florais das Festas Sanjoaninas de Angra do Heroísmo, com os contos O Silêncio do Amor (1958), Ciúme (1959) e Mulheres (1960) …

A sua obra em livro, variada e muita sugestiva, continua a suscitar interesse e procura, dela constando os seguintes títulos:

Perdoe pelo Amor de Deus (com Prefácio de Manuel Coelho de Sousa), 1981; Cozinha Tradicional de S. Miguel (com Prefácio de Silveira Paiva), 1988 e 1997; A Alma da nossa Gente (com Prefácio de Jorge Forjaz), 1993; Teatro Angrense, Elementos para a sua História (com Prefácio de Joaquim Ponte), 1993; Cozinha Tradicional de Santa Maria (com Prefácio de Maria da Conceição Bettencourt Medeiros), 1998; Cozinha Tradicional da Ilha Terceira, com 5 edições até 2002 (com Prefácios de Jorge Forjaz, Manuel Lamas e Maria da Graça Vaz Cardoso); Filósofos da Rua, com 4 edições até 1999 (a primeira com Prefácio de Emanuel Félix e a última com Introdução de Sérgio Rocha de Ávila e Prefácio de Luísa Flores Brasil); O Peixe na Cozinha Açoriana (com Prefácio de João Gomes Vieira), 2001, e Danças de Entrudo nos Açores (com Prefácio de Eduardo Ferraz da Rosa), 1999.

Ora, se em Filósofos da Rua bem diversificada e exemplarmente revelou Augusto Gomes o seu pendor evocativo de contista e cronista do quotidiano e da convivencialidade de tantas figuras emblemáticas do nosso pequeno burgo, já em A Alma da nossa Gente os usos, costumes, festas, ritos, utensílios, artefactos, devoções e valores e contra-valores do Povo da Terceira reaparecem à evidência possível na sua arte de rememorar e numa visão maravilhada e enternecida dos cenários e dos protagonistas psicossociais, políticos, éticos e existenciais que marcaram e reflectem uma época, uma linguagem, uma plástica geracional e uma paisagem social e poética internamente muito coerentes.

Também por isso – ou melhor, por tudo isso mesmo –, pelo conjunto articulado e pelo respectivo e complementar labor de criação, investigação e conteúdo de arquivo patrimonial antropológico é que as obras deste terceirense de gema deixam palpitar e entretecer, ainda hoje, muito do perfil signitivo mais genuíno e crítico, simultaneamente condicionado e potencial, da alma da chamada Pátria Açoriana.

– E é ainda por isso que esta Homenagem da actual Junta de Freguesia de Santa Luzia ao nosso saudoso Augusto Gomes, tendo sido perfeitamente idealizada mas apenas humildemente concretizada nestas minhas breves palavras, nem por isso deixa de suscitar-nos, com o que gratamente finalizo, o mais sentido aplauso e a mais sincera solidariedade!

Angra do Heroísmo, 13 de Junho de 2010

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(*) -Texto da Intervenção proferida na Cerimónia de Homenagem a Augusto Gomes, em Santa Luzia (Angra do Heroísmo), no dia 13 de Junho de 2010. Publicado na íntegra no Portal "Azores digital" e nos jornais "A União" (Angra do Heroísmo) e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada). Notícia e Fotos em

sexta-feira, maio 21, 2010

Prémio SHIP da Imprensa Regional


A Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), com sede em Lisboa, acaba de atribuir o Prémio Anual de Imprensa Regional de 2010 ao Escritor, Ensaísta e Professor Universitário açoriano Eduardo Ferraz da Rosa, conforme deliberação do respectivo Júri Nacional constituído pelo Prof. Dr. Carlos da Silva Gonçalves (Presidente), Dr.ª Joana Ramada Curto (Secretária-geral da Associação Portuguesa de Imprensa), D. João de Castro de Mendia (Conde de Resende), Dr.ª Maria Noémia Leitão e Hélder Sobral de Mendonça.

O Prémio agora atribuído será entregue durante a Sessão Solene Comemorativa do 149º Aniversário da Sociedade Histórica de Portugal, a decorrer no próximo dia 24 de Maio, no Palácio da Independência, sede da Instituição, em Lisboa – fazendo-se o Premiado pessoalmente representar pelo Prof. Doutor Mendo Castro Henriques, Presidente do IDP –, e foi concedido, conforme deliberação do Júri, ao Dr. Eduardo Ferraz da Rosa pelo conjunto de Artigos e outros Textos publicados nos Jornais açorianos “Diário Insular”, “A União”, “Açoriano Oriental”, “Diário dos Açores” e “Correio dos Açores”, durante o ano de 2009.

Instituído em 1987 por esta Sociedade Histórica portuguesa (http://www.ship.pt/), o distinto Galardão (que inclui um Troféu, um Diploma de Honra e um Prémio Monetário), destina-se a “galardoar, anualmente, artigos publicados na Imprensa Regional do ano anterior à atribuição do Prémio e que salientem fundamentalmente os valores que contribuem para a definição da Independência de Portugal e da Identidade do País, nos seus aspectos culturais, políticos e económicos”.

Ex-Conselheiro Nacional de Educação em representação da Região Autónoma dos Açores (1991-92), Eduardo Ferraz da Rosa nasceu na Praia da Vitória (Ilha Terceira), a 2 de Outubro de 1954.

Fez Estudos Secundários em Angra do Heroísmo e nos EUA, é Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa (Lisboa), e Doutorando em Ciências Biomédicas no Departamento de Ciências do Comportamento do ICBAS (Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Universidade do Porto).

Professor Assistente no Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores (1988-1999), leccionou na Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo e foi Director da Biblioteca Geral do Hospital de Angra do Heroísmo. É Investigador Associado do SEEBMO (Serviço Especializado de Epidemiologia e Biologia Molecular) e Consultor do Governo dos Açores (SRPCBA).

Antigo Assessor Cultural das Câmaras Municipais de Angra do Heroísmo e da Praia da Vitória, o Dr. Eduardo Ferraz da Rosa é Sócio Efectivo do Instituto Cultural de Ponta Delgada, da Academia Mariana da Horta, do Instituto D. João de Castro, da SHIP e do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira.

Com vasta produção bibliográfica em Livros, Revistas e Jornais, tendo ainda publicado Estudos e Ensaios académicos na revista Portugueses, Revista Portuguesa de Filosofia, Arquipélago, Boletim do IHIT, Atlântida e Insulana, Eduardo Ferraz da Rosa colaborou e colabora em todos os OCS dos Açores (Jornais, Revistas, Rádio, TV e Portais Digitais, sendo Colunista residente em “Azores Digital”), tendo também dirigido diversos Suplementos de Cultura, Arte e Ciência nos Jornais “A União”, “Diário Insular” e “Jornal da Praia” (Quinzenário de que foi Membro Fundador e seu primeiro Chefe-de-Redacção),

A Sociedade Histórica de Portugal é um instituto de Cultura e de Educação que visa a defesa da Identidade e da Independência de Portugal. Fundada em 1861, a SHIP é Pessoa Colectiva de Utilidade Pública (desde 1987), Grande Oficial da Ordem Militar de Cristo, Medalha de Mérito Municipal (Grau Ouro) da Câmara de Lisboa e Membro Honorário da Ordem do Infante.






quinta-feira, abril 22, 2010

Entrevista ao Jornal "Correio dos Açores"

1.ª - Nome, naturalidade, cidade e país onde reside?
– Eduardo [Manuel] Ferraz da Rosa.
Nasci na Ilha Terceira (Praia da Vitória), no dia 2 de Outubro de 1954.
A minha Mãe era terceirense e o meu Pai do Faial.
Moro agora em S. Mateus (Angra do Heroísmo).

2ª - O primeiro livro que leu?
– Não me recordo de qual terá sido essa primeira obra, para além daquelas publicações, muitas, que integraram as minhas leituras escolares, infantis e juvenis, porquanto nasci e cresci sempre rodeado de centenas de livros (especialmente de Literatura, Contos, Filosofia, Ciência, Arte e Religião).
Mas sei bem que comecei a ver e a ouvir ler, contar e recitar pela mão e pela voz de minha Mãe, desde muito pequeno...

3ª - Quando sentiu o chamamento para a escrita?
– Talvez tudo tenha começado familiarmente a partir daquelas primeiras lições de iniciação poética, expressiva, comunicacional e profética da Palavra…, logo seguidas de irreverentes intervenções socio-políticas e jornalísticas, de experimentações poéticas e teatrais, e depois progressivamente com a aprofundada percepção comovida e a assumpção voluntariosa das virtudes, das limitações e dos recursos da Linguagem, do Discurso da Razão e do Pensamento Crítico face às coisas, aos rostos e ao Mundo que me rodeavam e que se me afiguravam como precisando de ser olhados com o coração e reflectidos com ternura, amados com Alegria, transformados pelo Perdão e unicamente salvos pela Justiça e pela Graça…

4ª - Qual é o seu género literário?
– Tenho produzido Estudos, Ensaios e Trabalhos Académicos nas minhas áreas de especialidade e de docência na Universidade, de trabalho institucional e de investigação histórica, sociológica e científica, a par de Crónicas, intervenção sociopolítica e jornalística, Crítica Literária e Poesia.

5ª - Na Escola Primária era habitual ter boas classificações nas redacções?
– Sim, e na oratória, na leitura poética e na expressão verbal, expositiva e argumentativa também…

6.ª – Há algum livro dos seus que gostaria de reescrever?
– Obra propriamente já escrita, não! Porém, a poesia de O Mar este Silêncio deverá ser retomada lá mesmo onde ficou guardada ou suspensa…

7.ª – Quais os livros que publicou e o mais recente?
– Sem contar com as obras em conjunto, ou por mim editorialmente organizadas, os títulos, em edição autónoma ou publicados em separata, são principalmente os seguintes:
E o Mar este Silêncio (Poesia), com Carta-Prefácio de Vitorino Nemésio, 1980; Vitorino Nemésio: As Metamorfoses do Homem Interior, 1988; Vitorino Nemésio, Uma Poética da Memória, Prefácio de José Enes, 1989; Açorianidade e Autonomia, 1989; Esboço do Percurso do Método da Análise Expectante - Linguagem e Ser em José Enes, 1990; Uma Hermenêutica Trágica da Experiência do Mistério: Finitude e Esperança em Antero de Quental, 1991/93; Luís Bernardo Leite de Athaíde: Uma Estética da Açorianidade, 1991; Maria e a Ternura de Deus em Antero de Quental, 1992; Almeida Garrett, os Açores e a Praia da Vitória: Duas Memórias Garrettianas da Praia no Bicentenário do seu Nascimento, 1999; Memória Biobibliográfica Vieiriana, 2000; Heranças da Terra, 2000; De Vitorino Nemésio a António Cordeiro: A Restauração de Portugal como Ideal Histórico Açoriano, 2001; Memorial da Praia da Vitória, 2002; Nemésio, o Brasil e os Descobrimentos, 2002; Poder, Tradição e Utopia: Nemésio e a Autonomia dos Açores, 2004; O Risco das Vozes, Prefácio de Carlos Reis, 2006, e Sombras – Fotomemória e Antologia Musical, 2008.

8.ª – Indique-me um livro de um escritor açoriano de que gostaria de ter sido o autor.
As Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso; mas também O Pão e a Culpa, de Vitorino Nemésio…

9ª - Como se relaciona com outros escritores?
– Regularmente bem, com sentido crítico, solidariedade partilhada, estima mútua e amizade.
Procurei sempre dialogar com todos, da minha e de outras gerações, lê-los e estudá-los, na medida em que isso me foi possível em tempo, temáticas, estilo e gramáticas de compreensão de ideias, práticas, símbolos e valores…

10.ª – Pensa enriquecer como escritor?
– Esta é uma pergunta para sorrir… Não, claro que não!
De resto, sempre vivi do meu trabalho, embora tenha tido a sorte de nascer numa Família que pôde dispensar-me os meios para estudar, comprar livros e música, viajar, conhecer o Mundo, frequentar excelentes Escolas e Universidades, sem nunca ter sentido muitas das carências e das dificuldades a que outros, infelizmente, estiveram (e estão!) sujeitos.
Mas comecei a trabalhar, dando aulas, ainda com 20 anos…

11ª – Que livro nunca recomendaria a um amigo?
– Nunca recomendaria um livro tosco, pontuado com banalidades e mal escrito, ou que semeasse apenas o obscurantismo, a degradação das vozes e da linguagem humanas, a alienação afectiva, a cobardia e o rebaixamento intelectual, o vazio ou a subjugação espiritual!
Mas, em todo o caso, recomendaria sempre, como Nietzsche, qualquer obra aprumada e altiva, que constituísse um aberto desafio à inteligência e um firme apelo à coragem da procura do sentido, de modo criativo, livre e nobre, como quem oferece não a rédea mas o estribo, ou o selim, para o corcel da viagem…

12ª - Que livro gostaria de deixar e que ainda não escreveu?
– Um livro que revelasse as dimensões humanas, profundas e densas da memória, do imaginário e da esperança, a partir dos tempos, dos lugares e dos seres que incarnaram na minha vida, a partir da Praia da Vitória, e onde tudo o que aprendi existencialmente e estudei se fundisse com os signos universais e as permanentes cifras do Mistério do Futuro…

(Entrevista conduzida por Afonso Quental, para o Jornal "Correio dos Açores. 
Ponta Delgada, 22 de Abril de 2010)

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Políticas de Integração Curricular
e Desintegração de Competências



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Mal sabia eu ao escrever aqui mesmo nesta coluna do “Azores Digital” na semana passada, a propósito de um empeçado projecto de ensino de Filosofia para Crianças, que as apressadas sentenças de abusiva colagem capitalizadora de uma suposta folha de serviços da SREF não tinha “a mais leve correspondência ao que se passa na verdade das políticas institucionalmente lideradas, tuteladas ou sofridas no quotidiano escolar açoriano…” –, quando, logo agora, uma semana depois, foram a opinião pública e os observadores políticos mais uma vez tristemente confrontados com novas e ainda mais convencidamente expeditas declarações governamentais (também em nome do PS?), desta vez pela própria secretária regional “socialista”, sobre uma proposta do PPM (que aqui passo por alto), de introdução do Ensino de História dos Açores nos currículos regionais do nosso Arquipélago e Região Autónoma.

– Dizendo discordar “completamente” de tal ideia, porquanto, em seu abalizado entendimento científico, pedagógico, académico e político, tal abstrusa inserção fugiria “à lógica que nós entendemos que deverá ser da integração do saber e não da segmentação”, no almejado quadro de “um currículo de educação básica abrangente, um currículo integrador” (sic), – ao que ainda consta, a dita e feita primeira executora da política educativa e formativa do Governo presidido por Carlos César, mais parece ter até conseguido reunir alguns supostos ou simulados (mas talvez apenas ligeiros e afinal contraditórios e pouco aprofundados) consensos ou concordâncias de Sindicatos de Professores, de um ou outro dos curiosos e exteriormente silenciados Deputados presentes na então decorrida reunião da Comissão Parlamentar dos Assuntos Sociais da Assembleia Legislativa regional, onde também parece ter estado presente o reempossado mas novel director regional da Cultura (não se percebe bem, da peça televisiva, se este também lá figurava para secundar as profundas teses da sua hierarquicamente relevada correligionária, se para dar algum prestabilíssimo aval político-cultural ao mesmo sentenciado assunto, ou se apenas para dar, de palanque, outras contas do seu rosário regulamentador de espectáculos tauromáquicos de natureza artística…).

Sem entrarmos aqui e hoje em mais detalhes de análise a este apaixonante tema e relevante problema do Currículo Regional (no âmbito específico da letra e do espírito da Lei de Bases do Ensino em Portugal e de uma também daí devida e co-implicada reflexão técnica e jurídico-programática, da territorialização processual e da gestão dos currículos, dos equilíbrios, na verdade a acautelar sempre, entre a autonomização do currículo e a das escolas, e depois sobre a então sistémica e consistentemente chamada integração curricular…) – questão que se arrasta, sem frutos reais, há anos sem fim nas acumuladas inoperâncias das sucessivas SRECs sociais-democratas e do PS até hoje, nesta vertente, e com a qual aliás se prende não só aquela discussão sobre a Filosofia e a História, mas também a Geografia, a Literatura, a Antropologia Cultural, a Sociologia, a História da Ciência, a Cidadania, o Direito e a Política, etc., e todas estas e outras Disciplinas aqui e ali indeclinavelmente perspectivadas por relação estruturante, efectiva e fundamental com as conhecidas, competentemente já pensadas ou diligentemente repensáveis abordagens e estratégias dos conteúdos e dos modelos curriculares da Escola (isto é, do Ensino, da Educação e da Cultura) –, quero apenas recordar o que se escreveu, subscreveu e ainda pode ser lido e posto em prática por quem, se calhar à margem ou na ignorância expedita dos ideais e das práticas perfilhados no Documento do Fórum 2013 (Açores – Ilhas de Futuro, 2008) e do que sobre esta problemática consta.

Efectivamente, ali, no Capítulo III.3, a páginas tantas (102-110), consta o seguinte, que – sem prejuízo de voltarmos ao assunto, noutro inciso de merecido tratamento –, fica hoje apenas à reconsideração de quem mais aprouver.

– Assim, embora dando por provado (o que não corresponde à realidade!) que a política educativa passada se tenha concretizado em todos os elencados pontos, é ali justamente reconhecido, afirmado e assumido que é preciso Continuar e aprofundar o desenvolvimento e a operacionalização do currículo regional, de modo a incluir no sistema educativo conteúdos que promovam e valorizem, em simultâneo, a diversidade e a unidade dos valores identitários de “ilha”, de “região” e de “país”, sendo que “o desenvolvimento de um currículo escolar regional, complementar do currículo nacional, [é] um passo estruturante para a afirmação das competências regionais na política educativa, sem esquecer, antes valorizando, as condições de competição dos jovens açorianos no contexto nacional”, pelo que, das medidas propostas, constam as adiante bem explicitadas no Objectivo 2, que abaixo seguem ipsis verbis, sem mais comentários, por ora:

1. Identificar os conteúdos identitários açorianos que, podendo integrar os currículos escolares do sistema regional de educação, enriqueçam os alunos açorianos no seu confronto com os seus colegas nacionais.


2. Incentivar o desenvolvimento, por cada escola ou agrupamento de escolas, de programas pedagógicos próprios que espelhem a realidade local, mas sempre perspectivada no contexto da ilha, da região e do país.


3. Promover o conceito de escola como centro da comunidade em que se insere e das comunidades de origem dos seus alunos.

– Ficamos entendidos?

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Publicado em "Diário Insular", "A União", "Diário dos Açores" e "Azores Digital"

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ENTREVISTA AO “DI”
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Sobre a Filosofia para crianças:
Um projecto promissor mas complexo

“Diário Insular” (DI) – Como Docente universitário de Filosofia, com responsabilidades que também assumiu de direcção no Curso de Formação de Professores (CIFOP-Terceira) e como antigo Orientador de Estágios de Professores dessa Disciplina no Ensino Secundário, como encara o projecto de Ensino de Filosofia para Crianças?


Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – Tanto quanto pude observar e avaliar minimamente – também pelas explanações do meu amigo Mário Cabral e por outros testemunhos de alguns docentes de Filosofia e de outras áreas disciplinares que não poderiam ficar à margem de um exigível envolvimento crítico nesse interessante projecto –, parece-me tratar-se de uma iniciativa em si e idealmente promissora, louvável e positiva, muito embora revestindo-se de uma evidente complexidade temática (científica, didáctica, pedagógica e curricular, ou seja teórico-crítica, epistemológica e metodológica), que não poderá deixar de ser integradamente equacionada, com rigor e sistematicidade pluridisciplinar.

DI – Parece-lhe possível e útil ensinar Filosofia a crianças?

EFR – Depende daquilo que se entender por Ensinar, por Filosofia e por Infância
– É por isso que sem uma reflexão prévia e aprofundada sobre as múltiplas e correlativas dimensões destes conceitos, categorias e valores, corre-se o tremendo e contraproducente risco de baratear aquilo mesmo que se pretende redimir ou semear…
De resto, para já não remontarmos à antiquíssima e sempre nova questão dialéctica do ensino-aprendizagem, bastará atender às conhecidas teses de Matthew Lipman (anos 70) e à posteridade das suas experiências e experimentalismos (especialmente nos Estados Unidos e na América Latina, em geografias mentais e até ideológicas muito díspares…), para compreendermos a fundo o que está aqui pressuposto e accionado!
– E depois, Lipman, como, mais tarde, e um pouco em algumas das suas linhas, Allan Bloom…, nem sempre serão lá muito conciliáveis por exemplo com Jean Piaget ou Paulo Freire, ou com clássicos filósofos das tradições naturalistas, iluministas, personalistas, etc., etc.

DI – O seu actual trabalho de Doutoramento (Ciências Biomédicas) pressupõe uma interface muito grande com a Ciência. Vê essa ligação presente no referido projecto de Filosofia para crianças?

EFR – No quadro histórico e sociológico da génese e das sucessivas mudanças de paradigma noético, epistemológico e ético nos saberes, nas artes e nas ciências, nunca o horizonte fundamental da reflexão filosófica esteve distante do mundo fenoménico e técnico-tecnológico da Ciência, sendo até que foi à Filosofia que sempre coube pensar e fornecer o quadro transcendental para o possível (conquanto limitado…) conhecimento do real.
– No projecto aqui em atenção vejo aliás ressaltada uma vertente de co-implicação lógico-matemática (material e formal), mais discutivelmente vista ou dita como lógico-dedutiva, quando me parece que a mesma podia e devia antes ser mais explícita e implicitamente de teor hermenêutico, compreensivo do sentido das coisas e dos seres, por via de uma especial atenção aos universos mais originários da Linguagem e da Narrativa, da Arte, da Afectividade, da Busca e da Revelação do Mistério, da Expressão da Beleza e da Bondade, da Cosmologia Ecológica, etc., e então por aí até às estruturações racionais da ordem e da finalidade…

DI – A Secretaria Regional da Educação e Formação classificou este projecto como “mais um exemplo da dinâmica e empenho das escolas açorianas em proporcionar (...) um ensino de excelência centrado na formação integral das crianças e jovens açorianos”. Quer comentar?

EFR – Prefiro não comentar com delongas, já que essa quase abusiva colagem ao projecto de Mário Cabral não tem a mais leve correspondência ao que se passa na verdade das políticas institucionalmente lideradas, tuteladas ou sofridas no quotidiano escolar açoriano…
– E tal não será certamente por culpa principal ou demissão dos professores; assim e antes, ao contrário, lhes fossem dados e respeitados os tempos, os meios, os devidos apreços e os reconhecidos méritos próprios!

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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo) e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada)

sábado, janeiro 09, 2010

BALANÇAS DO TEMPO


Especialmente ao terminar cada ano civil – mas às vezes também com incidência sobre outros períodos convencionais variáveis ou padronizados (como décadas, séculos, legislaturas, mandatos, regimes, ciclos de festança, etc.) e cuja percepção de duração se afigura significativa… –, é costume já estabelecido, mormente nos OCS, fazer-se uma espécie de inventário mais ou menos crítico dos doze meses passados, assim a modos de um exercício de reavaliação retrospectiva e global dos principais acontecimentos, factores, agentes e actores que marcaram a vida, a história e os discursos do mundo, dos cidadãos ou de uma determinada sociedade durante aquele mesmo período de tempo.


– Ora, como é evidente, as leituras daquele dito inventário – às vezes também denunciadamente feito segundo parâmetros mais próprios de certos balanços político-comerciais, de balancetes de créditos e de existências malparadas, ou para ajuste de velhas contas pessoais em véspera de saldos… –, que nem por nunca poderem ser totalmente neutros nem incondicionalmente objectivos – e até exactamente por isso… – não deixam lá por isso de traduzir mesmo, ou de insinuar em parte, muitas das linhas de inércia ou de força que, recebidas do passado, vão já regendo o quotidiano e perspectivando os futuros próximos.


Contudo – e tal como se costuma dizer que “a cada cabeça sua sentença”, também aqui, à paralela medida em que vão sendo seleccionados, pesados e medidos os dados do aludido inventário de 2009, sempre conforme os pesos e as medidas que tiverem sido usados na balança das análises e nas contas e pautas dos diferentes observadores e contextos em presença – muitas vezes, mais interessante do que desfiar o rol das escolhas seria analisar a relação entre elas e os seus analistas jurados (júris de selecção ou juízes de opinião…).

No caso provincial da vida portuguesa e das suas periferias, semi-periferias e ultra-periferias – que a tal graduação se chegará facilmente nestes inícios da segunda década do Século XXI e nos alvores comemorativos da primeira centúria daquela indistintamente encomiástica ética republicana que até ao nosso encabulado PR fez subir o tom de um discurso inocuamente moralista e destituído da mínima dimensão historicamente crítica…, – que mais se há-de acrescentar ao que já foi escrito?

– Nada, porventura, que as balanças do tempo não dão para mais e falarão por si à consciência espiritual profunda de cada um, pontual e institucionalmente talvez apenas a par e passo com algumas das vozes mais lúcidas da Igreja, face aos desafios inauditos e aos ventos perigosos que aí estão a fustigar a sociedade portuguesa e a parasitar a deformada alma de um País abúlico, condenado de novo aos expedientes de um medíocre marasmo fatalista e rasteiro, que só tem servido afinal a quem o domina, despreza e explora, com impiedade cruel e proveito garantido…

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In "Diário Insular" e Azores Digital (09.01.2009