domingo, junho 20, 2010

Augusto Gomes: Uma Evocação de Memória à Porta da sua Casa

Em boa hora deliberou a Junta de Freguesia de Santa Luzia concretizar esta justa Homenagem a Augusto Gomes, inserindo-a – e bem! – numa série de outras iniciativas conhecidas, já programadas e anunciadas, e visando, todas elas, assinalar a vida e a obra de pessoas e instituições cuja existência esteve, ou está, de múltiplos, honrosos e exemplares modos, ligada a esta parcela da cidade de Angra do Heroísmo e aos seus patrimónios humanos, histórico-culturais e cívicos.

Deste unânime reconhecimento dá pois hoje sinal esta empenhada Junta de Freguesia, fazendo colocar uma Placa em sua Memória e Evocação, na presença associada – que também saúdo nesta cerimónia e nas que se vão seguir –, dos representantes das nossas principais autoridades camarárias e concelhias (Presidente da Assembleia Municipal, Dr. Ricardo Barros, e Presidente da Edilidade, Dr.ª Andreia Cardoso), do Rev. Mons. José de Lima, de parentes, amigos, vizinhos e demais amigos e companheiros presentes do homenageado.

A figura que hoje evocamos aqui – mesmo à porta da casa que durante tantos e tantos anos habitou, e que a muitos de nós também hospitaleiramente se abriu para amena cavaqueira, em tertúlia de Cultura e Gastronomia, ou apenas para múltipla e diversificada rememoração de outros tempos, linguagens e modos de viver da nossa terra e das suas gentes –, foi um honrado cidadão, um militar louvado e um exemplar e genuíno amigo da nossa Ilha Terceira e dos Açores:

– Comendador da Ordem de Mérito, Medalha de Mérito Militar, Medalha de Comportamento Exemplar (Grau Ouro), Medalha das Expedições e Medalha das Campanhas de África, Augusto Gomes, nascido em Angra do Heroísmo a 6 de Maio de 1921 e aqui falecido a 21 de Novembro de 2003, deixou-nos preciosos e incansáveis trabalhos de recolha, quase arqueológica, de comunitárias vivências e marcas socio-históricas constantes de uma produção de escrita vasta e variada, mormente em Conto, Teatro, Jornalismo, Crónica e Poesia, para além de uma significativa investigação de referência na área dos Estudos Etnográficos, culturais e populares açorianos, que hoje, bem a propósito e mais uma vez, merece ser recordada com carinho e adequado louvor.

Excepcional contista e apaixonante contador de pequenas grandes histórias do nosso passado – como anteriormente já tive oportunidade de referir –, com rostos, gestos, trejeitos, falas, cantos, olhares, indumentárias, crenças arcaicas e casticismos locais – tudo num paradigmático repositório societário de realidades, personagens individuais e actores institucionais que povoaram os nossos espaços públicos e os confinamentos reais dos nossos quotidianos e dos nossos imaginários mais ou menos circunscritos e privados –, Augusto Gomes dedicou-se também ao Teatro, como não podia deixar de ser em tão animada personalidade…

– E foi assim que ele próprio, homem de palcos e de viagens (com armas, binóculos, bagagens e lentes, por esse mundo de Deus fora e por essas paragens que foram de Portugal…), escreveu, encenou, ensaiou, dirigiu e representou as suas próprias Revistas (Em mangas de camisa, Alagado pingando, Talvez te enganes e Faz-me cócegas), noutras participando como actor (como em De vento em popa, Sabe-se lá e Fatias douradas, de Eduardo Melo), na peça Ao mar (de Manuel Coelho de Sousa), na opereta Glória ao Divino (de Frederico Lopes), ou ainda no seu próprio tentâmen operático regionalista de Amor campestre

Diligente estudioso das tradições e figuras da nossa memória colectiva, de manifestações teatrais, artísticas e gastronómicas populares, e da cultura oral e prática das nossas ilhas e das suas gentes, a tanto emprestou assim Augusto Gomes os seus talentos, verves literárias e ficções narrativas, servidos todos por uma grande capacidade de observação, fixação, reprodução e recriação de muitas das nossas raízes e heranças!

Jornalista de imprensa, membro da Gávea e colaborador da rádio (aqui manteve um rubrica, “À laia de conversa”, no programa Panorama do Rádio Clube de Angra), Augusto Gomes colaborou em quase toda a Comunicação Social açoriana, tendo sido Director do jornal “O Búzio” (órgão da Comissão de Apoio e Dinamização das Colectividades Culturais e Recreativas da Ilha Terceira), Chefe-de-Redacção da revista Ilha Terceira e do jornal “Kit-Bag” (na Beira, em Moçambique), e correspondente do “Correio dos Açores” (nos anos 50) e da revista Cooperação (anos 60). E por mim quero também recordar, com saudade nesta ocasião, a sua amável anuência ao convite que lhe fiz para participar no “Jornal da Praia” e em Diálogos, Suplemento de Cultura, Arte e Ciência que tive o gosto de dirigir no jornal “A União”.

– Em 1966, quando colaborava no jornal angolano “A Província”, foi o nosso escritor premiado (por um conto, depois publicado pela revista Mais Alto) nos Jogos Florais Castrenses de Luanda. Mas já em 1958, nas Comemorações Faialenses do Centenário de Florêncio Terra, havia ganho, com o conto “Perdoe pelo amor de Deus”, um Prémio no Concurso para Conto Regional, tendo sido distinguido, logo a seguir, na Ilha Terceira, com primeiros lugares nos lembrados Jogos Florais das Festas Sanjoaninas de Angra do Heroísmo, com os contos O Silêncio do Amor (1958), Ciúme (1959) e Mulheres (1960) …

A sua obra em livro, variada e muita sugestiva, continua a suscitar interesse e procura, dela constando os seguintes títulos:

Perdoe pelo Amor de Deus (com Prefácio de Manuel Coelho de Sousa), 1981; Cozinha Tradicional de S. Miguel (com Prefácio de Silveira Paiva), 1988 e 1997; A Alma da nossa Gente (com Prefácio de Jorge Forjaz), 1993; Teatro Angrense, Elementos para a sua História (com Prefácio de Joaquim Ponte), 1993; Cozinha Tradicional de Santa Maria (com Prefácio de Maria da Conceição Bettencourt Medeiros), 1998; Cozinha Tradicional da Ilha Terceira, com 5 edições até 2002 (com Prefácios de Jorge Forjaz, Manuel Lamas e Maria da Graça Vaz Cardoso); Filósofos da Rua, com 4 edições até 1999 (a primeira com Prefácio de Emanuel Félix e a última com Introdução de Sérgio Rocha de Ávila e Prefácio de Luísa Flores Brasil); O Peixe na Cozinha Açoriana (com Prefácio de João Gomes Vieira), 2001, e Danças de Entrudo nos Açores (com Prefácio de Eduardo Ferraz da Rosa), 1999.

Ora, se em Filósofos da Rua bem diversificada e exemplarmente revelou Augusto Gomes o seu pendor evocativo de contista e cronista do quotidiano e da convivencialidade de tantas figuras emblemáticas do nosso pequeno burgo, já em A Alma da nossa Gente os usos, costumes, festas, ritos, utensílios, artefactos, devoções e valores e contra-valores do Povo da Terceira reaparecem à evidência possível na sua arte de rememorar e numa visão maravilhada e enternecida dos cenários e dos protagonistas psicossociais, políticos, éticos e existenciais que marcaram e reflectem uma época, uma linguagem, uma plástica geracional e uma paisagem social e poética internamente muito coerentes.

Também por isso – ou melhor, por tudo isso mesmo –, pelo conjunto articulado e pelo respectivo e complementar labor de criação, investigação e conteúdo de arquivo patrimonial antropológico é que as obras deste terceirense de gema deixam palpitar e entretecer, ainda hoje, muito do perfil signitivo mais genuíno e crítico, simultaneamente condicionado e potencial, da alma da chamada Pátria Açoriana.

– E é ainda por isso que esta Homenagem da actual Junta de Freguesia de Santa Luzia ao nosso saudoso Augusto Gomes, tendo sido perfeitamente idealizada mas apenas humildemente concretizada nestas minhas breves palavras, nem por isso deixa de suscitar-nos, com o que gratamente finalizo, o mais sentido aplauso e a mais sincera solidariedade!

Angra do Heroísmo, 13 de Junho de 2010

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(*) -Texto da Intervenção proferida na Cerimónia de Homenagem a Augusto Gomes, em Santa Luzia (Angra do Heroísmo), no dia 13 de Junho de 2010. Publicado na íntegra no Portal "Azores digital" e nos jornais "A União" (Angra do Heroísmo) e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada). Notícia e Fotos em