sábado, setembro 24, 2011

As Qualificações Presidenciais


A visita do Presidente da República aos Açores provocou os mais díspares, antagónicos e contraditórios comentários, avaliações e juízos de valor e intenção, vindos de quase todos os quadrantes, agentes e actores políticos açorianos e continentais, – sendo que isto mesmo pode ser constatado tanto nos OCS regionais e nacionais quanto nas redes sociais que, constituindo também já um relativo indicador societário e ideográfico, cada vez mais desempenham um papel decisivo na formação da opinião pública, na mobilização cívica e na partilha da informação.

– Ora no meio de toda aquela significativa série de pronunciamentos, análises banais, propostas pertinentes (por exemplo as do PCP) ou meros balbucios de júbilo ou afrontamento, merece justamente destaque, registo e aplauso o responsável desempenho institucional e a postura sensata, estratégica e diplomática do presidente do Governo Regional dos Açores, especialmente por relação a alguns dos seus paradigmáticos antípodas (plasmados nomeadamente no segmento de azedume e gaiatice que pautou, como infelizmente já é usual, as sentenças radiofónicas de um controverso deputado do PS à Assembleia da República).

De facto, sendo embora conhecidas e resistentes (e até, uma ou outra vez, escusadamente colidentes) as opiniões e as posturas de Carlos César em relação às ideias, visões e práticas de Cavaco Silva (v.g. no que às Autonomias Insulares concerne), bem argutos, prudentes e pertinentes foram especialmente as suas reflectidas e legítimas destrinças críticas sobre a diferenciação (a propósito dos défices e abismos madeirenses) entre a “estrutura genética”, o bom senso comum e os imperativos éticos e técnicos dos governantes e decisores públicos, – considerandos depois seguidos, na ilha Graciosa, por um delineamento adequado da nova e exigente contratualização constitucional e financeira com o Estado (no quadro das obrigações decorrentes do programa de ajuda financeira a Portugal) e com o actual Executivo central (porquanto, como lucidamente afirmou há poucos dias António Costa numa assinalável entrevista ao DN, “mesmo discordando deste Governo, é preciso trabalhar com ele”).

Porém e ao contrário do talentoso líder do PS-Açores, lá ouvimos, outra vez insolitamente, o dito e mediático orador de fita, desta feita para tecer gaio endosso de  outro destino ao PR (mandando-o preferencial e alternativamente bailar na Madeira!), numa perfeitamente gratuita, míope e tosca avaliação dos contornos e potenciais (e já agora comprovadamente reais!) ganhos açorianos e autonómicos da última peregrinação insular do PR.

Todavia tais declarações tiveram ao menos uma utilidade, nesta altura em que se acentua uma desejável perspectivação da(s) (re)candidatura(s) de Carlos César, e em que, na lista dos putativos seus improváveis sucessores, alguns teimam em fazer deslizar o nome do redito e asseado tribuno:

– É que, de entre o elenco dos compulsivos patinadores no chão encerado dos nossos escorregadios palcos, palácios e bastidores político-partidários, alguns já vão mesmo a caminho de bem merecida desqualificação estadística, de passagem à sala de arrumos da casa, ou de uma bem merecida e aparatosa queda … artística!

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Publicado em:  Azores Digital (http://www.azoresdigital.com/) e "Diário dos Açores" (25.09.2011). 
Outra versão em: "Diário Insular" (24.09.2011).

sábado, setembro 17, 2011

As Teias do Sincretismo


À primeira vista, as caminhadas e peregrinações que por esta altura se realizam na ilha Terceira a Nossa Senhora dos Milagres da Serreta, e o discurso de Carlos César no último Congresso do PS em Braga nada terão em comum; e todavia…

Nos seus estudos sobre as novas configurações dos sistemas, geografias, práticas, crenças e pertenças religiosas contemporâneas – nomeadamente a partir de uma sugestiva proposta de análise das categorias-tipo do convertido e do peregrino –, Danièle Hervieu-Léger salientou a profunda ligação existente entre os processos de construção existencial e simbólica das identidades individuais e colectivas, e as modernas (des)regulações sociais, institucionais e de poder ideológico e espiritual, nomeadamente aquelas que se exprimem sob a forma de um grande sincretismo flutuante e de bricolage.

– E entre nós também assim acontece, pelo que é urgente comparar este fenómeno com outras manifestações formais mas de tangência conflitual no mesmo campo societário, que aqui e ali vão convergindo, tanto mais quanto a mera participação observante nas “idas à Serreta” e seus crescentes e proliferantes catalisadores e adjacências bem o reclama e sinaliza…

Entretanto e por outro lado – citando António Brotas quando escreve que “o PS não volta ao poder, ou pelo menos não volta trazendo um benefício para o País, sem uma grande transformação interna” –, José Medeiros Ferreira, com a habitual intuição, competência, experiência e visão da realidade sociohistórica portuguesa, num depoimento sobre o referido Congresso do PS, com justeza salientou que, sobretudo agora, deverá o partido “manter-se firme na representação política dos mais desprotegidos e de uma classe média largamente ameaçada”, enquanto que um seu novo ciclo implicaria mesmo uma profunda e necessária reflexão crítica, tanto mais quanto os “erros que se podem perpetuar devem ter prioridade no balanço crítico”, com “renovação das estruturas, mas com uma boa mistura de juventude e experiência”, porquanto o “mero critério geracional e a enorme teia de apoios recebidos podem ser o caminho mais curto para o congelamento de uma refundação”.

– Ora de refundação e de outras coisas igualmente responsabilizantes, importantes e a merecer atenção também falou Carlos César na sua assinalável intervenção naquele recente Congresso socialista, conforme está disponível e pode ser revisto em http://www.ps.pt/ps-tv/pstv/discurso-carlos-cesar/itemid-100003.

Porém, para quem conhece os métodos e teias das estruturas típicas de todos os poderes institucionalizados ou simbólicos, o sincretismo das palavras e das acções tanto pode significar um prenúncio refundador de identidades coerentes e de fidelidade a reais valores, quanto também, pelo contrário e infelizmente, poderá não ser mais do que uma mera deambulação retórica, ainda talvez “peregrina”, mas já apenas de “bricolage” ou para inconsequente estratégia de ritualização cíclica…

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Publicado em "Diário dos Açores" (18.09.2011), "Azores  Digital" (http://www.azoresdigital.com/) e ""Diário Insular" (17.09.2011).

sábado, setembro 10, 2011

Diplomacias e Ingerências


Mal sabia eu ao escrever no “Diário Insular” (DI) de 10.05.2008 que um seu Jornalista estaria novamente hoje a ilustrar alguns dos mais mediáticos sítios da nooesfera informativa e política…

– Porém, digo somente alguns, apesar desta retomada distinção muito mais e acrescida ponderação justificar sobre os respectivos conteúdos, significados e alcances!

Ora, na discutida rede WikiLeaks e seus mirrors acaba de ser vertido um Relatório – algo duvidoso na datação (30.01.2009) mas assinado pela então Vice-cônsul dos EUA nos Açores – aonde, visando-se o DI e o mesmo Jornalista, entre outros relevantes factos e dados geoestratégicos, diplomáticos, logísticos, laborais, económicos e deonto-lógicos, é feita uma interpretação do tema da Contaminação do Solo e Recursos Hídricos na Praia da Vitória.

– Todavia, se e quanto a isso parecem agora finalmente reunidos instrumentos político-jurídicos (executivos e parlamentares) potencialmente capazes para a viabilização de uma “ampla avaliação técnica do estado ambiental” das zonas poluídas e dos locais “presumivelmente contaminados por parte das entidades norte-americanas”, após concluído o pendente “processo de descontaminação e reabilitação” – conforme firme Resolução (Proposta do PS), aprovada pela ALRAA em 19.05.2011 e publicada no DR (1.ª série-N.º114-15.06.2011) –, já uma análise atenta das outras partes do dito documento (sobre “A presença militar dos Estados Unidos nos Açores”) poderá e deverá certamente vir a ser exercida pelo que revela, comprova ou desmente.

E isto para não acentuarmos já algumas das distorcidas leituras da realidade regional, das relações bilaterais e das negociações entre os nossos Países, que são ali urdidas contra a melhor e trustful tradição da grande Nação nossa amiga e aliada, à revelia da proclamada nova diplomacia de Solidariedade e rule of Law (que deve fundamentar a única filosofia e prática do Direito e das Relações Internacionais moralmen-te legítimas e soberanamente exigíveis), desde os mais credenciados departamentos dos Estados e das Regiões até ao nível dos pretensamente elucidativos cables de funcionários ou snipers menores (decalcados dos modelos e armas de ingerência das velhas agências consulares coloniais ou terceiro-mundistas, com ou sem real intelligence…).

EDUARDO FERRAZ DA ROSA
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In "Diário dos Açores" (11.09.2011); "Diário Insular" (09.09.2011) e "Azores Digital".