sexta-feira, dezembro 30, 2011

Heterodoxia e Réveillons



O ano que agora finda termina com uma série de complexas e difíceis situações do persistente estado de crise que, tanto à escala mundial como a nível local – passando pela situação na Europa e em Portugal no seu todo (aí incluídos, evidentemente, os Açores e a Madeira) –, marcou 2011 com um paradigmático conjunto de problemas, impasses e dificuldades societárias, civilizacionais, culturais e espirituais que a ninguém – nos respectivos e diferenciados locais e tempos de existência, e nas mesmas desiguais classes e formações – deixou indiferente, porquanto a todos profundamente atingiu de um ou de outro modo e que mais ainda veremos reflectir-se e propagar-se, conforme os mesmos bastas vezes conflituais e opostos interesses, e como outros tantos desafios para as exigentes décadas que temos já pela frente, enquanto comunidades nacionais e regionais, e como cidadãos do mundo.


Não valendo a pena retomar hoje tudo aquilo que de mais significativo caracterizou os últimos doze meses, retenho porém, a título de sinal destes tempos e do quadro referencial e crítico aonde nos situamos, apenas dois motivos e projectos de leitura, cujas lógicas de conteúdo real e simbólico me parecem bem sugestivas e merecedoras de meditação:

O primeiro é a leitura integral do texto da Carta de Intenções do Governo da Madeira solicitando “assistência financeira por parte da República Portuguesa” e reconhecendo que “a violação dos limites ao [seu] endividamento (…), tal como estabelecido na Lei de Finanças das Regiões Autónomas, e a consequente deterioração da [mesma] situação financeira (…) impossibilita o pagamento de compromissos no curto e médio prazos”.

– Este fabuloso documento, que deve ser analisado por todas as instituições autonómicas e nacionais portuguesas e seus agentes e actores, está disponível no site oficial do GRM, cuja home page ostenta, em luminoso e festivo cabeçalho, uma bela panorâmica da baía do Funchal em noite (já antiga) de réveillon e fogos de artifício…

O segundo é uma renovada leitura, ou o retorno à contumaz e serena reflexão, sempre apaixonante e proveitosa, da(s) obra(s) de Eduardo Lourenço (Prémio Pessoa 2011), agora em feliz impulso de edição completa, tanto mais quanto nele e nela confluem heterodoxia e liberdade de pensamento e de acção (de e sobre Portugal e nós próprios!), desde os primórdios da Pátria até à contemporaneidade tumular em que jazemos...

– Num e noutro desses discursos, em balanço simultaneamente realista, melancólico e esperançoso, talvez residam algumas das mais essenciais perguntas e pistas para as respostas sólidas que o futuro exige de nós!
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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 31.12.2011), "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 1.1.2012) e   http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2182&tipo=col

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Redenção, Pobreza e Indigência



As recentes declarações do novato primeiro-ministro do Governo de Lisboa, com arzinho de yuppie neoliberal, a propósito de partidas para a Estranja – qual desajeitado gajeiro aliviando carga em barco a meter água na casa das máquinas e nos circuitos da sensatez discursiva, ou qual abussolado piloto sem prudencial apuro nos rodopios do leme – ao sugerir e recomendar que, neste dramático contexto de crise, como lhe ditaram brisas conceptuais de fraco estadista, levas de Emigração portuguesa fossem exportadas para destino europeu e sul-americano, ou para vazadoiros de mercado de trabalho nas nossas auríferas antigas colónias africanas, – e que assim jovens Professores e quadros técnicos supostamente excedentários no nosso pobre Ensino (na Educação, na Cultura, na Investigação e na Ciência, áreas desde sempre interligadas) para ali fossem de trouxa e PC portátil às costas –, causou, como se viu, na sociedade portuguesa, na opinião pública, nos OCS, nas redes sociais e de uma ponta a outra do espectro político e partidário, embora com esteios e objetivos distintos, a mais profunda estupefação e a mais legítima indignação!

– Ora depois dos cabotinismos “académicos” e irresponsáveis idiotias da pseudo-filosofia económica de um atrevido e ignorante caloiro universitário na Gália – persistente e reincidente nódoa na inteligência e na honra de Portugal, na ainda impune hipoteca imposta ao nosso Povo e no que resta da histórica honorabilidade do PS! –, só nos faltava esta pérola de governança!

Mas, como se tal não bastasse, outra luminária do PSD (esse partido tão nobremente fundado por Francisco Sá Carneiro, porém que presentemente já nem o seu antigo dirigente e dileto atual Presidente da República poupa!), arribada lá dos fofos e rotundos cadeirões europeus, logo veio ofertar grácil conserto e concerto terceiro-mundista para tão desalmada inspiração, propondo a queirosiana criação de um órgão (quem sabe, um “ministério”!?), para batucar a dita sangria e as boutades do seu primeiro…

– Realmente, nesta quadra de Natal, enquanto a Pobreza cresce e brada aos Céus, há mesmo maiores e descaradas indigências, sem Redenção possível, neste degradante regime e sistema de exploração e alienação do Homem!
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Em: http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2177&tipo=col, “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 24.12.2011) e “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 27.12.2011).

sábado, dezembro 17, 2011

Do Fascínio dos Arquivos Secretos do Vaticano


para o Conhecimento da História dos Açores


Recentemente publicada pela Esfera do Caos Editores (Lisboa, Junho de 2011) e ainda felizmente disponível em Angra do Heroísmo na Livraria In Folio, onde pudemos apreciá-la, a obra Arquivo Secreto do Vaticano, Expansão Portuguesa – Documentação, como o seu título propriamente indica, reúne documentação, inventariada, descrita e sumariada, do Fundo da Nunciatura de Lisboa patente no Arquivo Secreto do Vaticano e relativa ao período da Expansão Portuguesa – que promoveu, como se escreve na Introdução ao primeiro dos três volumes que integram esta bela edição encadernada e guardada em caixa-arquivo – “aquela que podemos chamar a primeira globalização do Cristianismo na sua forma confessional católica desde a modernidade”.

Prefaciada por Roberto Carneiro (Presidente do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa Universidade Católica Portuguesa) – que no seu texto explica em pormenor os diferentes faseamentos e as sucessivas fases de trabalho, financiamento e coordenação da obra finalmente agora organizada e editada sob a Coordenação Geral de José Eduardo Franco – este excepcional Repertório documental constitui já e mais constituirá doravante um indispensável instrumento-guia de trabalho para quem queira estudar o Catolicismo em Portugal e no Mundo, enquanto e como “experiência de implantação e afirmação da Fé Cristã confessionalizada numa estrutura modeladora com uma história que não é desligável da história dos países, das culturas e das derivas internacionais da religião e da política.

“Ler estas fontes documentais – salienta precisamente José Eduardo Franco – é encetar, de facto, uma aventura de compreensão que deve ser, em primeiro lugar, a missão da construção da história como revisitação do passado, guiada por uma insistente interrogação”.

O Plano dos 3 Volumes está organizado por relação aos referenciais espaços geográficos da Costa Ocidental de África e Ilhas Atlânticas (Tomo I, com coordenação científica de Arnaldo do Espírito Santo e Manuel Saturino Gomes), do Oriente (Tomo II, com coordenação científica de João Francisco Marques e José Carlos Lopes de Miranda), e do Brasil (III Tomo, com coordenação científica Luís Machado de Abreu e José Carlos Lopes de Miranda), sendo que a primeira fase de elaboração do respectivo propósito iniciou-se, sob a coordenação do Professor Doutor Artur Teodoro de Matos, em 1998, com um projecto então financiado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (CNCDP) sob o título Inventariação da Documentação relativa a Portugal existente nos Arquivos do Vaticano, ao qual se seguiram uma segunda (2005) e terceira (2008) fases, mas sendo porém que, ao final, “o seu Investigador Responsável, o Doutor José Eduardo Franco, entendeu por bem reunir os intervenientes das equipas de ambas as fases do projecto que se disponibilizaram para o efeito. Devido à sua dimensão ainda era necessário muito trabalho adicional para tornar o resultado capaz de publicação com coerência e rigor de critérios, pelo que os membros das referidas equipas das duas fases aceitaram apoiar e, alguns deles, colaborar em conjunto na preparação da versão final na forma que aqui se publica, da qual todos eles são, na verdade, autores e colaboradores”.

“Este empenho conjunto – ainda segundo Roberto Carneiro – pretendeu [assim] fazer justiça ao trabalho efectivamente desenvolvido por todos os intervenientes nas diferentes etapas e garantir que o produto científico do considerável investimento em recursos humanos e materiais, feito por prestigiadas instituições de financiamento do Estado Português e da União Europeia, se tornasse acessível a um público interessado e o mais alargado possível”.

Entretanto, em Outubro passado, já apresentada em Lisboa, na ocasião, D. Manuel Clemente, Bispo do Porto – ele próprio historiador de mérito – logo teve também oportunidade de mais salientar a importância, os recursos e as potencialidades que uma obra desta natureza contém, com a particularidade – para nós indicativa… –, de, na altura, se ter precisamente debruçado com alguma atenção, sobre a problemática conflitual, para si dilecta e da qual é um reputado especialista, como é sabido, do liberalismo, do primeiro republicanismo, do movimento católico português e das suas paradigmáticas configurações, ecos e ilustrações nas ilhas, para tanto respigando, por exemplo e de entre outros do 1º volume, um documento de “sete anos antes da revolução liberal”, onde um prelado já dava notas doutro tempo que [então] chegava, ao referir “apreciar a religiosidade das pessoas do campo em oposição à cidade, onde diz que residem os libertinos e os maçons”, e bem assim muitas outras e preciosas informações e pistas que sobre os Açores, a Igreja, a Monarquia, etc. ali variada e abundantemente constam.

Isto mesmo é ainda salientado por Arnaldo Espírito Santo, ao escrever, por exemplo, o seguinte:

– “Tomemos como caso notável a história regional e local das comunidades açorianas. Das centenas de pedidos de dispensa de impedimentos canónicos do matrimónio entre familiares, consanguíneos e afins, ressalta a verificação de que era restrito, no século XVII, o número de famílias do arquipélago, em grande parte descendentes daquelas que iniciaram o povoamento das ilhas. A prática religiosa é intensa. A enquadrar as comunidades urbanas e com uma grande inserção entre elas, exercem o seu fascínio os conventos e os institutos de várias famílias religiosas. Muitos e muitas acorrem a engrossar as suas fileiras. Seja por inadaptação ou por insatisfação, chovem os pedidos de mudança de lugar, uns alegando desejo de maior austeridade, outros denunciando dificuldades pontuais de convivência e conflitos pessoais. Uma abadessa solicita a exoneração do cargo; uma freira, já idosa, pretende licença para ter uma criada. A autoridade eclesiástica competente vai despachando conforme os casos, ora acedendo aos pedidos, ora recusando para não criar precedentes.

“Há matéria abundante que roça o romanesco. Uma freira foge do convento para Inglaterra com um marinheiro inglês. Outra salta o muro, dizem que com conivência do confessor. Um escândalo que fez correr rios de tinta e de documentos”…, e assim por diante, para encantadoras incursões e revisitações socio-históricas, institucionais, privadas, culturais e mesmo existenciais, pelos caminhos do passado da nossa vida nos Açores, no entrecruzamento de gentes, mentalidades e destinos do Mundo:

– Uma obra fascinante e plena de atractivos inter e pluridisciplinares, indispensável portanto nas nossas estantes, bibliotecas a arquivos regionais, para estudo, investigação e reprodutivo conhecimento daquilo que fomos, e do muito que, de algum modo, ainda nos molda e condiciona contemporaneamente…
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Publicado em " A União", Angra do Heroísmo (17.12.2011):
http://www.auniao.com/noticias/ver.php?id=26362

e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 18.12.2011):


sábado, dezembro 10, 2011

Danças e corridas de Angra



Qualquer cidadão açoriano e terceirense, minimamente atento a afectado pelos rumos e pisos que marcam a história e o quotidiano de Angra do Heroísmo, logo se apercebe que há todo um conjunto de passos e impasses, (in)definições, (in)competências e (in)compatibilidades que – há já demasiado tempo! – vem atingindo esta nobre cidade, a sua gente e o seu futuro comum.

Para já nem falarmos hoje na controversa modelação incauta, inculta e esbanjadora de créditos e débitos que tem marcado, ao longo dos anos, as heranças e os brasões reais – à mistura com brasonarias, atoardas e peregrinas ficções pouco amadurecidas que sobre o seu estatuto de Património Mundial confusa ou larvarmente tem pesado –, aquilo que vem acontecendo agora na principal autarquia da ilha Terceira é bem revelador de uma quase incrível, vergonhosa e inadmissível situação político-institucional!

Na verdade, entregues à tragicomédia político-partidária e fulanizada, e à patética exibição burlesca, auto-convencida, autista e presumida de toda uma espécie de companhia de circo – ou, talvez melhor, de uma ensandecida trupe de marionetas em desarticulação táctica e estratégica, e (ainda por cima…) sem ventriloquia escorreita e na ausência, outrossim desejável, de personalidades bem formadas, mentes e vozes próprias, e com quase tudo isso num ridículo símile de para-enredo carnavalesco a que todos vimos adiantadamente assistindo no tempo –, o que se pede e merece mesmo é uma firme e profunda vassourada para limpeza geral dos Paços, das ruas e dos ares empestados deste infeliz concelho!

– Culpas de todo este humilhante cenário (que não tardará, como veremos a curto prazo, a propagar-se a outros sítios, paragens, balanços e deserções, mandatos e tesourarias já corroídas e à beira de idas a vidinhas mais lucrativas, safas ou safadas…) não valerá a pena, para já, perspectivar, porquanto, de parte a partes, vários as terão (embora em doses e alcances diferentes)!

Todavia, ao PS (se é que tal entidade genuína e autenticamente existe ainda, com vida, corpo, espírito, pensamento político coerente e ideais práticos próprios, para um outro qualquer projecto de Sociedade Democrática, livre, participativa e organizada com Justiça…) caberá, talvez mais do que a todos os outros juntos, divididos ou divisíveis, uma maior e última responsabilidade na gestão desta crise e na procura, ou viabilização humilde (e mesmo cabisbaixa!), de uma saída para ela, com dignidade e sentido sociopolítico e institucional, – se é que, porventura, ao Partido Socialista (ou ao que ficou dele) lhe resta alguma migalha dessas coisas e valores que talvez já pertençam definitivamente à história das utopias portuguesas e aos remanescentes daquele realismo político que nos últimos dias tornou a ser realçado e recordado por, ou de Mário Soares, Sá Carneiro, António Barreto, Freitas do Amaral, Gonçalo Ribeiro Telles, Guilherme d’Oliveira Martins e Eduardo Lourenço!

Porém, regressando mais aos Açores, à Terceira e a Angra:

– Soluções como as que já por aí minusculamente se perfilham e apregoam à boca pequena entre os “camaradas” e a camarilha do costume – tais as da possível (re)candidatura de Sérgio Ávila ou de Ricardo Barros, de Cláudia Cardoso ou de Francisco Coelho, ou até (imagine-se!) a de Álamo Meneses (também recandidato este, que afinal o seria, não pelo CDS/PP, como já foi, em 93, na altura para a Assembleia Municipal de Angra, mas agora para a dita Câmara…), não auguram nada de bom e parecem, todas, apontar para uma galopante fuga e desagregação dos socialistas e para um adiamento da cada vez mais urgente renovação partidária, com a necessária e conveniente chamada de pessoas e ideias fiáveis, inovadoras e viáveis, serenas e transparentes (se é que alguém, sem cepticismo justificado, ainda irá nessa cantiga para embalar meninos de fralda!).

– Todavia, só daquele outro modo regenerador, poder-se-á estar à altura da hora presente e dos desafios regionais e nacionais imediatos e próximos, servindo a nossa terra e a nossa gente, e desenvolvendo os Açores!

No caso concreto de Angra trata-se, enfim, de procurar restituir-lhe um pouco (ao menos isso!) do seu carácter cívico-institucional, do seu peso específico no contexto regional e da sua histórica dignidade cultural, libertando-a de impasses toscos, de grilhetas imaturas e de carreiristas sem escrúpulos, unicamente afeitos ao passe-de-capote, ao jogo do disfarce e à mascarada alegrete e mais ou menos alienada da festança política que por aí vai correndo e gastando nos arraiais da nossa política caseira e provinciana, sem rei, nem roque, nem pastores à altura do peso e do comprimento da corda que nos vai atirando ao chão vezes e vezes seguidas…
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Publicado em "A União" (Angra do Heroísmo, 10.12.2011):

Roteiros, Cidades e Memória



Da autoria de Marina Tavares Dias, acaba a Objectiva de publicar (em edição bilingue, Português/Inglês) Lisboa nos passos de Fernando Pessoa, sugestiva recolha de textos e imagens (muitas inéditas) da capital portuguesa, da Baixa pombalina e de vários dos seus bairros residenciais, habitantes e sítios pitorescos, assim mostrando, revelando e dando a ver e a pensar, como numa espécie de memorial urbano em escrita visualizante e visualizada, muitos dos cenários que o poeta habitou e justamente “como ele os conheceu” (soi-même e com os seus heterónimos).

– Escritora, fotógrafa e olisipógrafa, nascida em 1962 e desde cedo escrevendo em jornais (“Diário Popular”, “Expresso” e “Diário de Lisboa”), Marina Dias publicou o seu primeiro livro em 1987 (Lisboa Desaparecida), que lhe valeu o Prémio Júlio de Castilho, dando logo início a uma série de oito pioneiros volumes sobre Lisboa, a par de outras edições com temática fotográfica, iconográfica e literária olisiponense, que – todos juntos – nos fornecem um modelar roteiro pela memória e pelo imaginário de Lisboa, com os seus espaços, cafés e tertúlias, hábitos e vivências do quotidiano, tipos humanos e cruzamento de culturas e linguagens.

Além desses livros, a mesma autora, especialista no Primeiro Modernismo e na chamada Geração d’Orpheu (Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Amadeo de Souza-Cardoso, Santa Rita Pintor…), editou outros sobre Sá-Carneiro (1890-1916) e Pessoa (1888-1935), tendo sido ainda responsável em Paris, na sede da UNESCO, pela Exposição Comemorativa do Nascimento do autor de A Confissão de Lúcio, Memórias de Paris e Indícios de Oiro.

– Trata-se de um pequeno mas belo Álbum de geografia urbana e poético-simbólica, feito com grande rigor científico, biográfico e cultural.

E assim sendo, nada que se compare com um tipo turístico de panfletos-mapa (pomposamente ditos “roteiros”…) que a PGR/DRC para aí tem dado à (d)obra, coitados!
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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 10.12.2011).

sábado, dezembro 03, 2011

Obsessões, depressão e escândalos



Na passada quarta-feira, dia em que foi votado o Orçamento do Estado 2012, de obsessões governamentais, contradições penalizantes, tributações totalitárias e desumanas, e de imaturidades e prepotências parlamentares de novos actores e jovens turcos da política portuguesa – cedo de mais e alguns apenas como meros verbos e números de encher agora e ali alcandorados à função de co-decisores e co-orientadores de complexos e difíceis rumos pátrios que somente avistam e aviam de longe… – foram as referências e pesarosas acusações de um antigo ministro e distinto dirigente do CDS-PP (Bagão Félix), ao comentar parte das medidas propostas e aprovadas, pelo seu partido e pelo PSD, na Assembleia da República, conforme constava desse tão importante documento-guia da governança, para ser implemento (até mais ver…) na condução técnico-política do País!

– Todavia e também no mesmo dia e lugar radiofónico (RDP-1), prática e analogamente em idênticas linhas de juízo eram divulgadas as opiniões de outro alto dirigente dos centristas (o empresário nortenho Pires de Lima) e as de um conhecido economista e ex-deputado do PCP (Octávio Teixeira), explicando, uns e outros, as razões técnicas e as suas respectivas reservas e reticências sociopolíticas, especialmente sobre determinados conjuntos de medidas-pacote afixadas naquele OE.

Ora de entre essas directrizes governativas constava a tão contestada subida do IVA para o sector da restauração – homónima e linguisticamente pouco saborosa denominação esta, mas já correntemente adoptada para denominar as áreas de comércio e serviço dos restaurantes, casas de pasto e similares estabelecimentos, que não àquela outra, ao presente bem distante e apenas quase histórica e sebasticamente dita Restauração, com maiúscula, da Independência Nacional e da Autonomia dos Arquipélagos Insulares, projectos estes bem dignos de evocação e tanto mais assim quanto as suas implicadas determinações objectuais cada vez mais comprometidas estão no dramático contexto do País e da União Europeia com as suas bicéfalas (franco-alemãs) hegemonias sobre os Estados que a integram (conquanto cada vez mais dela e da sua moeda única desintegrados…).

Tudo isto tem, aliás, vindo a ser reconhecido à evidência mas submissamente suportado por quase todos os restantes países e nações do velho Continente e também, embora de modo vacilante e oscilante, pelos Estados Unidos da América – estes, por seu lado e para mais engolfados em persistentes problemas, contestações, dramas internos e perigosos jogos e precárias tentativas de gestão e equilíbrio de jogos de guerra e de paz, das ameaças do terrorismo e das manobras da segurança geoestratégica actualmente talvez à beira de novas explosões nos voláteis cenários do Oriente (Síria, Israel, Palestina e Irão).

Por outro lado, a par desta situação tensa, ainda se apresentam muito pouco clarificadas as últimas refrontalizações intestinas no Egipto, na Líbia ou no Iémen (sem crescentes de lua ainda definidos na chamada primavera e nas outras estações do ano árabe e/ou muçulmano, tal como em outras instáveis geografias político-religiosas do planeta), aonde não se percebe ainda muito bem se o que virá a seguir são Democracias (quais e com que modelos?) ou novas e praticamente incontornáveis e imprevisíveis Revoluções.

– Mas, voltando à nossa realidade mais próxima, o que parece cada vez mais ser certo e inquietante é que as condições de vida dos portugueses vão piorar de modo imparável, enquanto vão crescendo os sinais de protesto, revolta, indignação, violência escapista ou simultaneamente criminal, sem que o Povo de Portugal consiga convictamente assumir como coisa sua um outro projecto justo, equitativo e partilhado de solidária reconstrução do País, só então aí relançando-se a economia, garantindo-se a valorização do trabalho e do mérito, assegurando-se o desenvolvimento integral e integrado, harmonioso e complementar de todas as classes e formações sociais, parcelas do território e sectores produtivos!

É claro que as declarações de Bagão Félix, Pires de Lima e Octávio Teixeira visavam o OE 2012 do Governo central e a situação global do país, tal como as também recentes declarações e análises de Cavaco Silva, Mário Soares, Jorge Miranda, Boaventura de Sousa Santos, Manuela Ferreira Leite, Marcelo Rebelo de Sousa ou Freitas do Amaral (entre as de outros, que valeria ainda a pena escutar criticamente) o fizeram, mas tendo como horizonte mais vasto o estado da Europa e do Mundo.

Porém, com certeza, nem umas nem outras a ninguém deixaram desapercebidos os concretos e bem directos sinais referenciais de um quotidiano que a todos causa tanta desilusão, desconforto e mesma náusea, como se depreende, por exemplo, do texto de uma das últimas crónicas de Daniel Oliveira, no “Expresso”:

– “Quando vi Pedro Mota Soares chegar de Vespa a um Conselho de Ministros achei graça. Não pelo exemplo de desapego, que me pareceria fazer pouco sentido. Mas pela falta de pompa, que me agrada. Não acho que os ministros tenham de andar de transportes públicos para serem bons ministros. Tenho pouca paciência para esse moralismo. Mas acho que daria jeito que os ministros soubessem o que são os transportes públicos e espanta-me que seja tão difícil encontrar responsáveis políticos em lugares públicos. Assim como me espanta que o estatuto das pessoas seja avaliado, neste país (e não apenas no Estado), pela cilindrada do carro que têm.

“Acontece que, afinal, a Vespa de Pedro Mota Soares era, como quase tudo neste Governo, fogo de vista. Ficámos a saber que, no seu trabalho, usa um carro de 86 mil euros. Alugado por quatro anos. Não esperaria que o ministro da Solidariedade se deslocasse pelo país, com uma agenda que seguramente é carregada, numa scooter. Não me incomodaria que ele se fizesse transportar num carro confortável onde pudesse ir trabalhando enquanto viaja. Mas é indispensável que o faça num carro tão caro? Quando o seu sensível ministério levou um corte brutal, quando se tiram prestações sociais a tanta gente que passa dificuldades inimagináveis, não seria de bom tom manter alguma parcimónia nos seus próprios gastos?”…

– Mas por falar em carros do Estado, dizendo os dísticos ou chapas, que entre nós lá se encontram colados, que os mesmos são apenas para “uso oficial”, o que é que continuam fazendo desse conceito e usufruto muitos dos responsáveis regionais nas suas certamente muito preenchidas e concorridas agendas, corridinhas executivas e tarefas públicas? E o que justificará tanta viatura, com combustível e à espera na porta, com ou sem motorista, a toda e qualquer hora do dia e da noite, a todo e para qualquer percurso diário, até mesmo para a mera, pronta e curta ida para o local de trabalho, ou nas gigantescas vias rápidas, avenidas, ruas, ruelas e canadas ilhoas, para tanto autarca e dirigente e sub-dirigente da administração e serviços públicos da RAA, Autarquias, Serviços, Centros, EPEs, EMs, etc?

 
Sem cair em contendas mesquinhas ou em descabidos zelos de poupança, todavia, quem vê o que a nossa gente diz e sente, e cada vez mais vocifera ou depressivamente padece por aí, não pode deixar de admitir que há mesmo coisas obsessivas e escandalosas, – desde a perigosa e desapiedada tirania financeira dos agiotas bolsistas e dos usurários capitalistas europeus, até aos impiedosos ditames do Orçamento do Estado 2012 (conquanto aqui alguns deles possam decorrer efectivamente da famigerada herança da desgovernação socratista e dos seus apaniguados fautores ou símiles internos e externos), passando por muitos e variados tipos de viaturas, carruagens e vagões de interesses (de pequenas, médias e altas cilindradas) usados ou implementados por grande parte de toda uma classe política pindérica, parasita e cínica, aí incluída muita da ridícula corte dos poderes e aparelhos político-partidários e tecnocráticos que nos cercam, mentem e enganam, com os seus enfatuados amanuenses conjunturais, na maior e mais impune regência do sistema e com o mais retinto dos descaramentos pessoais e orgânicos!
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Publicado em http://www.auniao.com/noticias/ver.php?id=26200
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 04.12.2011)

Feitos e Defeitos da TV


A RTP-Açores tem vindo a introduzir nos intervalos de alguns programas um sugestivo separador telepublicitário constituído pela seleção de uma série de imagens de arquivo, produção e reportagem próprias, cujo alinhamento sem som – para assim potenciar o respetivo e deduzível impacto significante – tem um sentido perfeitamente definido e um alcance tão adequado que nem mil palavras conseguiriam, talvez, veicular e atingir de modo equivalente!

Ora estando estrategicamente pensada a inserção daquelas peças de antologia histórica, e bem assim modelado o critério que presidiu à sua intencional colocação em antena – ou, dir-se-ia melhor, em tempo, ou como se de tempo de antena se tratasse –, na presente conjuntura conflitual de redefinição do serviço público de Radiotelevisão em Portugal e nos Centros de Produção da Madeira e dos Açores, ainda maiores e exemplares alcances almejarão as mensagens ali subjacentes

Deixando para outra ocasião uma necessária (porém ainda adiada) análise crítica, sistemática e independente do papel e do balanço histórico da RTP-A, onde não poderão deixar de figurar múltiplas e integrantes apreciações de produtos, serviços, índices e préstimos de transmissão, receção e audiência – a par de coimplicados fatores de ordem sociocomunicacional, económico-financeira, técnico-profissional, laboral, geopolítica e deontológica... –, e numa altura em que se torna a tentar um forcing com as tutelas e agentes envolvidos naquele processo, bom seria que fosse relido todo o Relatório do Grupo de Trabalho coordenado por João Duque, cotejando-o até com anteriores documentos análogos, e se atendesse igualmente à recente Entrevista que o economista concedeu à revista Notícias TV…

– Talvez que, com esses elementos em mente, se moderassem então algumas afoitas fitas, cuja credibilidade e aceitação junto dos relvados e narizes do Poder já vimos a que aparadelas, portas e janelas levam!
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- Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 04.12.2011)