sábado, dezembro 10, 2011

Danças e corridas de Angra



Qualquer cidadão açoriano e terceirense, minimamente atento a afectado pelos rumos e pisos que marcam a história e o quotidiano de Angra do Heroísmo, logo se apercebe que há todo um conjunto de passos e impasses, (in)definições, (in)competências e (in)compatibilidades que – há já demasiado tempo! – vem atingindo esta nobre cidade, a sua gente e o seu futuro comum.

Para já nem falarmos hoje na controversa modelação incauta, inculta e esbanjadora de créditos e débitos que tem marcado, ao longo dos anos, as heranças e os brasões reais – à mistura com brasonarias, atoardas e peregrinas ficções pouco amadurecidas que sobre o seu estatuto de Património Mundial confusa ou larvarmente tem pesado –, aquilo que vem acontecendo agora na principal autarquia da ilha Terceira é bem revelador de uma quase incrível, vergonhosa e inadmissível situação político-institucional!

Na verdade, entregues à tragicomédia político-partidária e fulanizada, e à patética exibição burlesca, auto-convencida, autista e presumida de toda uma espécie de companhia de circo – ou, talvez melhor, de uma ensandecida trupe de marionetas em desarticulação táctica e estratégica, e (ainda por cima…) sem ventriloquia escorreita e na ausência, outrossim desejável, de personalidades bem formadas, mentes e vozes próprias, e com quase tudo isso num ridículo símile de para-enredo carnavalesco a que todos vimos adiantadamente assistindo no tempo –, o que se pede e merece mesmo é uma firme e profunda vassourada para limpeza geral dos Paços, das ruas e dos ares empestados deste infeliz concelho!

– Culpas de todo este humilhante cenário (que não tardará, como veremos a curto prazo, a propagar-se a outros sítios, paragens, balanços e deserções, mandatos e tesourarias já corroídas e à beira de idas a vidinhas mais lucrativas, safas ou safadas…) não valerá a pena, para já, perspectivar, porquanto, de parte a partes, vários as terão (embora em doses e alcances diferentes)!

Todavia, ao PS (se é que tal entidade genuína e autenticamente existe ainda, com vida, corpo, espírito, pensamento político coerente e ideais práticos próprios, para um outro qualquer projecto de Sociedade Democrática, livre, participativa e organizada com Justiça…) caberá, talvez mais do que a todos os outros juntos, divididos ou divisíveis, uma maior e última responsabilidade na gestão desta crise e na procura, ou viabilização humilde (e mesmo cabisbaixa!), de uma saída para ela, com dignidade e sentido sociopolítico e institucional, – se é que, porventura, ao Partido Socialista (ou ao que ficou dele) lhe resta alguma migalha dessas coisas e valores que talvez já pertençam definitivamente à história das utopias portuguesas e aos remanescentes daquele realismo político que nos últimos dias tornou a ser realçado e recordado por, ou de Mário Soares, Sá Carneiro, António Barreto, Freitas do Amaral, Gonçalo Ribeiro Telles, Guilherme d’Oliveira Martins e Eduardo Lourenço!

Porém, regressando mais aos Açores, à Terceira e a Angra:

– Soluções como as que já por aí minusculamente se perfilham e apregoam à boca pequena entre os “camaradas” e a camarilha do costume – tais as da possível (re)candidatura de Sérgio Ávila ou de Ricardo Barros, de Cláudia Cardoso ou de Francisco Coelho, ou até (imagine-se!) a de Álamo Meneses (também recandidato este, que afinal o seria, não pelo CDS/PP, como já foi, em 93, na altura para a Assembleia Municipal de Angra, mas agora para a dita Câmara…), não auguram nada de bom e parecem, todas, apontar para uma galopante fuga e desagregação dos socialistas e para um adiamento da cada vez mais urgente renovação partidária, com a necessária e conveniente chamada de pessoas e ideias fiáveis, inovadoras e viáveis, serenas e transparentes (se é que alguém, sem cepticismo justificado, ainda irá nessa cantiga para embalar meninos de fralda!).

– Todavia, só daquele outro modo regenerador, poder-se-á estar à altura da hora presente e dos desafios regionais e nacionais imediatos e próximos, servindo a nossa terra e a nossa gente, e desenvolvendo os Açores!

No caso concreto de Angra trata-se, enfim, de procurar restituir-lhe um pouco (ao menos isso!) do seu carácter cívico-institucional, do seu peso específico no contexto regional e da sua histórica dignidade cultural, libertando-a de impasses toscos, de grilhetas imaturas e de carreiristas sem escrúpulos, unicamente afeitos ao passe-de-capote, ao jogo do disfarce e à mascarada alegrete e mais ou menos alienada da festança política que por aí vai correndo e gastando nos arraiais da nossa política caseira e provinciana, sem rei, nem roque, nem pastores à altura do peso e do comprimento da corda que nos vai atirando ao chão vezes e vezes seguidas…
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Publicado em "A União" (Angra do Heroísmo, 10.12.2011):

Roteiros, Cidades e Memória



Da autoria de Marina Tavares Dias, acaba a Objectiva de publicar (em edição bilingue, Português/Inglês) Lisboa nos passos de Fernando Pessoa, sugestiva recolha de textos e imagens (muitas inéditas) da capital portuguesa, da Baixa pombalina e de vários dos seus bairros residenciais, habitantes e sítios pitorescos, assim mostrando, revelando e dando a ver e a pensar, como numa espécie de memorial urbano em escrita visualizante e visualizada, muitos dos cenários que o poeta habitou e justamente “como ele os conheceu” (soi-même e com os seus heterónimos).

– Escritora, fotógrafa e olisipógrafa, nascida em 1962 e desde cedo escrevendo em jornais (“Diário Popular”, “Expresso” e “Diário de Lisboa”), Marina Dias publicou o seu primeiro livro em 1987 (Lisboa Desaparecida), que lhe valeu o Prémio Júlio de Castilho, dando logo início a uma série de oito pioneiros volumes sobre Lisboa, a par de outras edições com temática fotográfica, iconográfica e literária olisiponense, que – todos juntos – nos fornecem um modelar roteiro pela memória e pelo imaginário de Lisboa, com os seus espaços, cafés e tertúlias, hábitos e vivências do quotidiano, tipos humanos e cruzamento de culturas e linguagens.

Além desses livros, a mesma autora, especialista no Primeiro Modernismo e na chamada Geração d’Orpheu (Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Amadeo de Souza-Cardoso, Santa Rita Pintor…), editou outros sobre Sá-Carneiro (1890-1916) e Pessoa (1888-1935), tendo sido ainda responsável em Paris, na sede da UNESCO, pela Exposição Comemorativa do Nascimento do autor de A Confissão de Lúcio, Memórias de Paris e Indícios de Oiro.

– Trata-se de um pequeno mas belo Álbum de geografia urbana e poético-simbólica, feito com grande rigor científico, biográfico e cultural.

E assim sendo, nada que se compare com um tipo turístico de panfletos-mapa (pomposamente ditos “roteiros”…) que a PGR/DRC para aí tem dado à (d)obra, coitados!
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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 10.12.2011).