sexta-feira, dezembro 30, 2011

Heterodoxia e Réveillons



O ano que agora finda termina com uma série de complexas e difíceis situações do persistente estado de crise que, tanto à escala mundial como a nível local – passando pela situação na Europa e em Portugal no seu todo (aí incluídos, evidentemente, os Açores e a Madeira) –, marcou 2011 com um paradigmático conjunto de problemas, impasses e dificuldades societárias, civilizacionais, culturais e espirituais que a ninguém – nos respectivos e diferenciados locais e tempos de existência, e nas mesmas desiguais classes e formações – deixou indiferente, porquanto a todos profundamente atingiu de um ou de outro modo e que mais ainda veremos reflectir-se e propagar-se, conforme os mesmos bastas vezes conflituais e opostos interesses, e como outros tantos desafios para as exigentes décadas que temos já pela frente, enquanto comunidades nacionais e regionais, e como cidadãos do mundo.


Não valendo a pena retomar hoje tudo aquilo que de mais significativo caracterizou os últimos doze meses, retenho porém, a título de sinal destes tempos e do quadro referencial e crítico aonde nos situamos, apenas dois motivos e projectos de leitura, cujas lógicas de conteúdo real e simbólico me parecem bem sugestivas e merecedoras de meditação:

O primeiro é a leitura integral do texto da Carta de Intenções do Governo da Madeira solicitando “assistência financeira por parte da República Portuguesa” e reconhecendo que “a violação dos limites ao [seu] endividamento (…), tal como estabelecido na Lei de Finanças das Regiões Autónomas, e a consequente deterioração da [mesma] situação financeira (…) impossibilita o pagamento de compromissos no curto e médio prazos”.

– Este fabuloso documento, que deve ser analisado por todas as instituições autonómicas e nacionais portuguesas e seus agentes e actores, está disponível no site oficial do GRM, cuja home page ostenta, em luminoso e festivo cabeçalho, uma bela panorâmica da baía do Funchal em noite (já antiga) de réveillon e fogos de artifício…

O segundo é uma renovada leitura, ou o retorno à contumaz e serena reflexão, sempre apaixonante e proveitosa, da(s) obra(s) de Eduardo Lourenço (Prémio Pessoa 2011), agora em feliz impulso de edição completa, tanto mais quanto nele e nela confluem heterodoxia e liberdade de pensamento e de acção (de e sobre Portugal e nós próprios!), desde os primórdios da Pátria até à contemporaneidade tumular em que jazemos...

– Num e noutro desses discursos, em balanço simultaneamente realista, melancólico e esperançoso, talvez residam algumas das mais essenciais perguntas e pistas para as respostas sólidas que o futuro exige de nós!
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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 31.12.2011), "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 1.1.2012) e   http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2182&tipo=col