sábado, dezembro 29, 2012

Um Final de Ciclo




Coincidindo com o final deste ano de 2012, as notícias e informações correntes sobre a Base das Lajes sinalizam cada vez mais também um outro encerrar de ciclo, ou fim de era, já não apenas no calendário periódico das nossas rotineiras cronologias formais – se é que algumas desse género, e somente assim de modo abstracto, alguma vez terão existido na contagem civilizacional, cultural e humanamente significante dos tempos e do Tempo… –, quanto, muito para além delas, assinalam algo de muito mais profundo, relevante e crítico na própria génese progressiva da História e dos seus ciclos conjunturalmente estruturantes, – a saber, no nosso caso e em primeira ou imediata proximidade, da História Regional e Local, conquanto na esfera mais ampla da História de Portugal e da História do Mundo, com destaque para o Ocidente e para o Atlântico.

– Ora é aqui mesmo que se tem revelado precisamente em toda a sua evidente e intrínseca limitação temática, precariedade metodológica, fragilidade científica e irrelevância político-institucional a maior parte dos discursos, posicionamentos e abordagens que sobre esta realidade una e compósita problemática tem sido produzidos, desde há sete décadas (cerca de 1943 até hoje…) que agora se fecham, sobre e com a Base das Lajes!

É claro que esta percepção não desconhece nem subestima em nada a grande qualidade de alguns estudos (regionais, nacionais e internacionais) sólidos, documentados, críticos e prospectivos, e bem assim a razoável quantidade dos montes e pilhas de páginas, películas e retóricas mais ou menos mediocremente oficiosas (quando não oficiais!), tidas e acolhidas como coisa valiosa e até digna da melhor mediatização bombástica, especulativa ou apenas de pura diversão passageira (à falta de melhor e maior solicitude para tudo aquilo que verdadeiramente interessaria pensar, reflectir e levar a justa consequência).

– Haveremos de voltar a este assunto no Ano Novo que aí vem, batidas quase as aziagas e desoladoras horas de um futuro já próximo, quando tantos açorianos da Terceira vão tornar a ficar condenados, talvez como no Corsário se prenunciava, “não já ‘a ver navios’, como os seus antepassados do alto da Serra da Praia espreitando o ilhéu do Espartel, sem outro horizonte aéreo que não fosse o de milhafres e pombos bravos, mas a ver aviões que nunca mais [os] hão-de levar aonde os seus sonhos o deitavam”…
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Publicado em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2320&tipo=col;
RTP-Açores:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 30.12.2012).
Outra versão: Jornal “Diário Insular”, Angra do Heroísmo, 29.12.2012.


sexta-feira, dezembro 21, 2012



Uma Estrela de Redenção




Presença basilar, fortemente simbólica e significativa no Calendário festivo, religioso e comemorativo dos Povos, Civilizações e Culturas da Era Cristã – embora provavelmente com raízes na festa pagã do renascimento cíclico do “Sol Invicto” (isto é, do culto da vitória cósmica do Sol sobre as Trevas no Solstício de Inverno) –, desde sempre, ou pelo menos bastante remotamente, todos os anos por esta altura, e sempre cada vez mais em crescente dimensão planetária, aos mais diversos níveis e nos mais variados campos da existência humana, constituiu o Natal motivo para variadas celebrações, evocações e inspiração para a criação de categorias de Pensamento, concretização de Acções e figurações de Utopia ou Imaginação.

Ora este nosso Natal,

– para além das tradicionais vivências profanas ou de marcado cunho mercantilizante (bem enxutas aliás, estas, devido aos flagelos da austeridade e aos cautelares medos e crises das anunciadas falências de trabalho, saúde e economia que já dobraram em Portugal – para não falarmos do Terceiro Mundo ali e aqui cada vez mais vizinho e batendo à nossa porta… – na esquina alienada do suportável com dignidade, ou, até, do mínimo de possibilidade de subsistência e de existência humama!);

– para além das comemorações familiares, socioculturais, artísticas e musicais que dão alguma graça, brilho, inocência ou enlevo à alma, aos olhos e aos ouvidos das crianças e dos adultos comovidos ainda pela saudade do Passado ou pela esperança do Futuro;

– para além, enfim, das celebrações religiosas ou propriamente litúrgicas, ou das encenadas representações da vária etnografia da Natividade de Jesus, em manjedoura deitado junto a Maria e José, entre pastores, anjos, simbologias animais e ecológicas, bucólicos franciscanismos de Natureza e reverentes Magos...



Para além, de tudo isto – dizia –, que vem entretecendo há séculos a Memória, a História, a Poética, a Filosofia, a Teologia e a Fé no mais profundo sentido redentor do Nascimento do  Menino-Deus (“mensageiro dum Deus universal”), bem lembrado (“Nas ondas do mar de Inverno”), como utópica, angustiada e comovidamente escreveram Aquilino e Nemésio, – talvez que este Natal possa e consiga, apesar de tudo, guardar e reflectir renovadamente todas as coisas e seres, com o Espírito daquela Luz que se abriu e manifestou como Espera ou Estrela de Redenção – oprimida mas resistente ainda a Terra perante o mundo iconoclasta, cruel e injusto que a cegou e continua escurecendo… –, para  que também tudo possa vir a ser redimido e salvo dos sacrifícios e sofrimentos, mitos, injustiças e violências, pecados ou esquecimentos do próprio Homem. 


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Publicado em RTP-Açores:
Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/
e Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 22.12.2012).
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 22.12.2012).



sexta-feira, dezembro 14, 2012

A Cultura do Refugo



Sem ser necessário recorrer às sugestivas propostas de Italo Calvino sobre as virtualidades múltiplas de um regular convívio, ou, pelos menos, de um periódico retorno à leitura dos chamados Clássicos … – tanto dos Antigos como dos Modernos e dos Contemporâneos, sejam eles do Pensamento e da Literatura Universal ou apenas da circunscrita Cultura Portuguesa (ou em Língua Portuguesa) que de tal estatuto plenamente forem dignos segundo minimamente exigentes cânones formais, materiais e estilísticos, e conformes ao exercício lúdico, reflexivo e histórico-hermenêutico da prática da Leitura, evidentemente… –, a verdade é que nada haverá de tão proveitoso (mesmo que dramático ou hilariante…) como dirigirmos hoje o nosso atento e informado olhar crítico para comparar a realidade circundante com o que está guardado (mas suficientemente disponível e vivo!) em muitas e tão ricas páginas do verdadeiro património memorial e imaginário de tantos Livros, Revistas e Jornais...

– Ora é novamente para este tema e para aquilo tudo que nele está ainda fundamentalmente em confluente questão, enquanto e na medida em que a sua mesma problemática entronca na Filosofia da Cultura e na Teoria Social, que se dirige a obra A Civilização do Espetáculo (Lisboa, Quetzal, 2012), de Mario Vargas Lhosa, que acaba de ser editada em Portugal.

Ali, como entendida pelo escritor peruano – Nobel da Literatura (2010), político de centro-direita e novel marquês (título hereditário que lhe foi concedido, em 2011, pelo rei de Espanha) … –, é feita uma acerba crítica à banalização global das artes e da literatura, ao triunfo do jornalismo sensacionalista, à frivolidade da política e ao desvirtuamento da Cultura como consciência da realidade e forma de autoconhecimento...


– E a essas decadentes formas e figuras de distracção alienada e de entretenimento alienante, opõe precisamente Vargas Lhosa os notáveis exemplos de Walter Benjamin e de Karl Popper, depois de ter perspectivado a sua própria reflexão pessoal face às posições, conquanto diferenciadamente aduzidas, de T. S. Eliot, George Steiner, Guy Debord, Gilles Lipovetski, Jean Serroy e Frédéric Martel …

Não há dúvida que este livro tem pertinência, neste advento de novas amarguras culturais, socioculturais, educativas e científicas no refugo circense, mediático e trágico-cómico em que se tornou a contumaz choldra nacional (já justamente zurzida pelo nosso clássico Eça, porém às vezes tão esquecida por alguns zelosos amanuenses institucionais e obscuros políticos…), ali mesmo com as tuteladas abas dos seus mediáticos sombreiros viradas para o mais que fosco vidro da sua indisfarçável mediocridade, incoerência, pressurosa submissão e infame cobardia!

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sábado, dezembro 08, 2012


As lições de Oscar Niemeyer






De entre todas as pioneiras obras concebidas nos anos 40 e seguintes do século XX por Oscar Niemeyer – o grande arquitecto falecido no passado dia 5 de Dezembro (2012) – conta-se o famoso complexo da Pampulha (em Belo Horizonte) que integra a Igreja de São Francisco de Assis (terminada em 1943, mas só canonicamente licenciada e benzida em finais dos anos 50!), uma Casa de Baile, um Iate Clube e um antigo Casino (actual Museu de Arte), – tudo inserido num conjunto arquitectónico concebido e construído em redor de uma límpida lagoa artificial e em harmoniosa convivência com jardins e passeios públicos, pinturas de Cândido Portinari, azulejos de Paulo Werneck e esculturas de Alfredo Ceschiatti, de tal modo que todo aquele projecto, tão modelarmente criativo e inovador, foi mesmo considerado pelo seu autor como inspirador para o posterior e arrojado “início de Brasília” (cidade concebida de raiz pelo urbanista Lúcio Costa e por ele próprio, em 1956, e depois inaugurada, em 1960, pelo presidente Kubitschek, como capital federal do Brasil).




Nascido no Rio de Janeiro (15.12.1907), Oscar Niemeyer, foi indiscutivelmente uma das mais representativas figuras da arquitectura modernista contemporânea, cuja produção estética edificada obedeceu a um geometrismo dinâmico, muito marcado pela predominância monumental de formas arredondadas, pela inserção dos volumes, perspectivas e planos numa envolvência espacial real ou artificiosamente ampla e aberta, pela utilização estilizada e pelo carácter mimético dos motivos geo-ambientais, naturais ou humanos seleccionados.



– Deste modo, todas criações de Niemeyer (também poeta, pensador crítico e etnógrafo…) ficaram marcadas por uma nunca renegada e compósita intencionalidade prática, axiológica, social, ideológica e espiritual, – dialéctica e diversamente assim detectáveis, por exemplo nos traçados do Museu Niemeyer, no Memorial da América Latina, no Palácio da Alvorada, na Sede do Partido Comunista Francês, na Catedral de Brasília, e … em Portugal, no Casino Park Hotel do Funchal, e em três outros projectos ainda engavetados na nossa penúria nacional e no nosso mais do que nominal, afunilado e fatídico subdesenvolvimento crónico: o algarvio Empreendimento Turístico de Pena Furada (1965), a nova sede da fundação Luso-Brasileira, na Quinta dos Alfinetes (1991) e, enfim, o arrojadamente sonhado (por Berta Cabral, honra lhe seja feita!) Museu de Arte Contemporânea de Ponta Delgada (2010), projecto este talvez justificadamente protelado, porém tão incrivelmente incompreendido, ignorado ou esquecido por cá e no País…, até nos mesmos dias em que todo o mundo evocava o desaparecimento e a memória do grande arquitecto brasileiro, resistente político e comunista convicto e coerente!




Sem adiantar aqui e agora mais nada sobre a vida, a personalidade e a obra de Niemeyer – sobre tudo aquilo de que foi símbolo, lenda ou ícone, e sobre os sinais, os olhares e os textos açorianos que com os dele se cruzaram –, lamento hoje apenas o que, nos antípodas das suas leituras teóricas, da sua estética vanguardista e da sua pragmática da Arquitectura, por aí cresce e apodrece, amiúde ainda à sombra de três dos mais insidiosos domínios aonde grassam tantas das nossas recorrentes, medíocres e provincianas mistificações e atentados patrimoniais: a Cultura, a Arte e o Pensamento…

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Publicado em Azores Digital:
RTP-Açores:
e Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 09.12.2012):































Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 08.12.2012).


sexta-feira, novembro 30, 2012

Portugal a Entristecer



Escrevo esta Crónica na data em que, em 1935, morria Fernando Pessoa (Lisboa, 13.06.1888 - Lisboa, 30.11.1935), cuja família materna era de Angra e morou ali mesmo junto ao edifício do já saudoso vespertino “A União”, que hoje também desaparece dos trabalhos e dos dias desta misérrima terra!

– E como se não bastassem esses tristes faustos e efemérides, lembro-me do Vasco (da nossa velha irmandade do Pio XII; do carinho e competência com que tratou o meu filho Tiago na sua adoptiva Graciosa; da sua vinda a Angra para o lançamento da minha Poética da Memória, e do seu tão trágico e derradeiro desencanto) …

E releio a Carta dos 78 (Soares, Bruto da Costa, Siza Vieira, Arnaut, Pires Veloso, Boaventura Sousa Santos, Eduardo Lourenço, Bento Domingues, Barata-Moura, Medeiros Ferreira, Júlio Pomar, Reis Torgal, Carvalho da Silva e Maria Belo, entre muitos outros que a subscrevem), dolorosa e revoltadamente sob os signos medonhos e alegados da perda de “toda e qualquer esperança”…

E enquanto nisto penso, ouço notícias de Santa Maria, com a reconfirmação da bem real, dura e emblemática existência de crianças famintas no Hospital; das galopantes patologias físicas e mentais da população; da pobreza, dos traumas e do desemprego; do garrote dos impostos e do OE; das denunciadas tontices retóricas, prosápias e contraditórias afirmações maquiavélicas da governança lisboeta sobre a Escola, o Trabalho, a Saúde e o Pão…

– E revejo ainda a patética, obcecada e nevrótica figura do PM, enquanto torno a presenciar, com indesmentível espanto e indignação, a ronha enrolante e mole de Portas e Branco, o discurso do atónito oficial aviador do EMFA, como que planando sobre a pista, sem radar e sem trem de aterragem aberto, esvoaçando por entre as negras nuvens que se adensam nas Lajes, nas vésperas de borrascas na Terceira e de mais naufrágios na Pátria, por entre cínicas brumas e neblinas, imprevidência, manigância, interesses inconfessados, ostracismos e ignorâncias de décadas que cegaram o Mundo, o País e as nossas Ilhas, desde o Terreiro do Paço aos Paços da Câmara da Praia, e desde Washington a Lisboa e Ponta Delgada, com tretas e petas para calar o indígena açórico, encher os paióis do Império e vender bugigangas bélicas e inócuas lentilhas de cooperação, ciência e desenvolvimento, nem sequer à moda terceiro-mundista, mas ainda então em gesto benfeitor, do Programa People to People

Finalmente em tudo isto reflicto, nesta Vigília de 1 de Dezembro de 2012, conquanto conjunturalmente banido também esse Dia do calendário comemorativo de Portugal, assim como se sem nenhum Brasão, sem Armas e sem as águas lustrais do melhor que de si histórica e honrosamente já houve para uma permanente Restauração…

– E todavia aqui permaneceremos atentos, resistentes e vigilantes, sempre contra Este fulgor baço da terra/ Que é Portugal a entristecer/ – Brilho sem luz e sem arder, / Como o que o fogo-fátuo encerra… 
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Publicado em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/;
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?article=29924&visual=9&layout=17&tm=41;
Networked Blogs:
http://www.networkedblogs.com/blog/os-sinais-da-escrita?parent_page_name=source,
e Jornal "Diário dos Açores" ( (Ponta Delgada, 2 de Dezembro de 2012).
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 1.12. 2012).

sábado, novembro 24, 2012


Um Inventário Exemplar




Acaba de ser lançada a obra Arte Sacra no Concelho de Reguengos de Monsaraz, décimo volume de uma bela série editada pela Fundação Eugénio de Almeida (FEA) e dedicada ao Património Histórico-Religioso da Arquidiocese de Évora, no qual estão registadas e tratadas “peças de arte e devoção [que] são testemunhos do cruzamento entre as culturas Cristã e Oriental resultante da ocupação político-militar, da missionação e das dinâmicas comerciais implementadas ao longo de séculos”, conforme foi devidamente sublinhado no comunicado que a FEA distribuiu a propósito deste tão meritório evento.

Porém, todo este muito apreciável e rigoroso projecto merece hoje menção aqui, não só porque tem efectivamente procedido a um anunciado trabalho de “levantamento, estudo e catalogação do património artístico disperso por igrejas, capelas, seminários e instituições religiosas” de Portugal Continental – identificando e preservando assim muitas peças de interesse religioso, cultural e civilizacional –, mas também porque tem sido coordenado técnico-cientificamente pelo investigador açoriano Artur Goulart de Melo Borges.

– Natural da ilha de S. Jorge e residente em Évora desde 1979, antigo professor do Seminário de Angra e chefe-de-redacção do saudoso vespertino “A União”, também escritor e poeta, Artur Goulart é licenciado em Arqueologia pelo Pontificio Instituto di Archeologia Cristiana  (Itália), possuindo pós-graduações em Museologia e História da Arte, sendo que da sua longa e diversificada experiência profissional, sobretudo no Museu de Évora, destaca-se o cargo de Director desta mesma instituição (1992 e 1999), onde deu um precioso contributo à inventariação do seu acervo artístico, à investigação bibliográfica e ao estudo aprofundado de obras de arte e de material arqueológico, conforme é justamente salientado na excepcional Página Digital do projecto que tão competente e prestigiantemente tem vindo a dirigir e cuja visita vivamente recomendo, aqui: http://www.inventarioaevora.com.pt/inicio.asp.

Numa época em que, por esse Portugal fora e também entre nós (autónoma, esbanjante e auto-suficientemente, pois então…) tantos valores e patrimónios humanos, intelectuais, materiais, artísticos e espirituais vão sendo amiúde atirados à rua – ou aos brincos e argolinhas da mais incrível discriminação apadrinhada… –, o valioso labor e o dedicado exemplo cultural, educativo, ético e cívico de Artur Goulart, para além da amizade pessoal e fraterna que por ele nutro, não podiam ficar, nesta data, sem registo escrito e merecido louvor público!
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Publicado em Azores Digital:
Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 25.11.2012);


quarta-feira, novembro 21, 2012


Instituto da Democracia Portuguesa
apresenta Teses para o Plano C



O Instituto da Democracia Portuguesa  (IDP) – instituição fundada em 2007 e que se afirma como organização da sociedade civil congregando pessoas independentes e cidadãos com filiação em partidos de todo o espectro político – ­ acaba de apresentar uma nova obra onde estão reunidos Estudos e Ensaios críticos sobre a situação presente e as perspectivas de transformação da sociedade portuguesa.

Dos actuais órgãos directivos e conselhos consultivos do IDP (http://www.democraciaportuguesa.org/) fazem parte, entre outros, D. Duarte de Bragança, Fernando Nobre, Mendo Castro Henriques, Rui Moreira, José Alarcão Troni, Rainer Daenhardt, Carvalho Rodrigues, Ascenso Simões, Luís Salgado de Matos, Rui Rangel, Francisco Cunha Rego, Eduardo Ferraz da Rosa, Gonçalo Ribeiro Telles e o general Garcia Leandro.

Na apresentação do livro, editado pela Bertrand e intitulado Plano C – o Combate da Cidadania, O IDP manifesta não ter “pretensão de inventar conceitos, mas sim de os combinar numa narrativa diferente, numa demonstração apaixonada de que existem alternativas às políticas públicas que têm vindo a empobrecer o país”, elencando no seu manifesto editorial as seguintes ideias e ideais:

– “Combate da Cidadania, porque está em causa a sobrevivência dos portugueses numa Europa ainda sem rumo e numa Lusofonia ainda sem ritmo. Cidadania, porque ainda vamos a tempo de salvar Portugal das oligarquias que o ameaçam.

“Plano A é o da Troika, o notório Memorando do Nosso (Des)entendimento. Não queremos a nossa democracia troikada por políticos sem preparação. Planos B há vários, dos actuais programas partidários. São todos muito parecidos. Têm coisas boas e coisas más. Separados são insuficientes. Juntos são inexequíveis.

“PLANO C, finalmente, é o de todos nós, da cidadania, da sociedade civil, das associações mediadoras entre o indivíduo e o Estado. Um plano feito de alternativas concretas, propostas por quem conhece o país, o seu território e população, a sua história e cultura, as suas potencialidades, sonhos e empreendimentos”.

No Prefácio desta obra – que contém um breve capítulo sobre os Açores, da autoria de Eduardo Ferraz da Rosa –, D. Duarte de Bragança traça assim as grandes linhas orientadoras da reflexão do IDP:

– “A democracia é o regime da liberdade, pelo que é, também, o regime da responsabilidade (…). O futuro do nosso país não se esgota com as tarefas de um grupo de ‘políticos’ tradicionais, mas desligados da consciência colectiva. O discernimento e a intervenção, pelo contrário, são uma responsabilidade de todos.

“Esta acção concertada dos portugueses neste momento de crise nacional e europeia tem de firmar-se em ideias muito firmes e muito claras, sob pena de os seus objectivos serem corrompidos e desviados pelos interesses instalados. Sabemos como (…) o acessório tantas vezes se sobrepõe ao essencial, o espectáculo à inteligência, a celebridade ao mérito, a imagem à eficácia, a aparência à produtividade. E com uma comunicação social que perdeu muito do  seu  poder de vigilância e testemunho, sentimo-nos perdidos, perdidos nas ideias que nos devem guiar nos caminhos da democracia portuguesa, afastados dos  ideais que orientaram a nossa História e das pessoas às quais esses caminhos vão dar. Para intervirmos no nosso país, na Europa e no Mundo, precisamos afirmar os princípios que nos identificam.

“Esses princípios, para quem milita no IDP, nascem da cidadania, da sociedade civil, que hoje é urgente esclarecer, promover e divulgar”.
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Em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=17581
e Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 22.11.2012).

sábado, novembro 17, 2012

As Fachadas do Radicalismo


O que se passou na passada quarta-feira em frente à Assembleia da República não pode deixar de constituir motivo de profunda e urgente reflexão para todo o País, – tal o grau de virulência pública, de mediatização e de violência ali exercidas, de parte a parte, entre manifestantes, actores de provocação agressiva, autores de incontrolada e descontrolada contestação, mirantes incautos e agentes policiais (sujeitos estes a uma tremenda, continuada, afrontosa e imparável pressão)!

O fenómeno, em moldes bastante semelhantes, infelizmente não é novo, tendo sido amiúde visto um pouco por todo o mundo, com natural relevo em países sob regime de ditadura e discriminação, ou como corolário de várias e multiformes tiranias

– Mas em nada, nada disto se assemelha, novamente de parte a parte, àquilo que se passou em Portugal durante a Repressão fascista e a Resistência Democrática exercidas ambas no Estado Novo e até ao 25 de Abril, pelo que confundir estas duas realidades distintas é desvirtuar umas, falseando as outras, e só pode resultar de uma enviesada percepção da tipologia e da dinâmica dos conflitos sociais.

Aquilo a que assistimos em Lisboa revestiu-se pois de inusitadas (e não expectáveis?) características, só devidamente avaliáveis no contexto específico de toda a grave e complexa situação socioeconómica, laboral, política, sindical, partidária e psicológica que os portugueses vivem e sofrem no actual cenário de crise europeia e de reconfiguração global das economias, poderes, hegemonias e exploração dos recursos humanos, financeiros e naturais da Terra, – nesta Era Planetária cujas raízes filosóficas, antropológicas e socioculturais vem espiritualmente de muito longe e assentam na dominação, produção e distribuição (partilha, manipulação, controle ou voraz rapina…) dos bens e patrimónios da Humanidade inteira, segundo técnicas e tecnologias cada vez mais sofisticadas, totalitárias e unidimensionais…

– Porém, devindo crescentemente explosiva (por acumulação sistémica e determinante de factores histórico-civilizacionais remotos mas ainda calibrados em cadinhos estruturais e paióis estruturantes bem mais próximos de nós), a sociedade portuguesa talvez tenha agora pisado uma sinalética de risco que deveria fazer relembrar, entre nós, a de antigas (e premonitórias?) conjunturas, análises e teses críticas de Álvaro Cunhal no seu livro Radicalismo Pequeno Burguês (felizmente bem conhecido ainda pelo PCP e pela CGTP, ao menos nalgumas das suas fundamentações mais prudenciais, conforme, de certo modo, se tem comprovado ao longo das recentes jornadas de luta unitária; e não fora assim, provavelmente que os balanços da violência presente se assemelhassem mais aos de uma quase guerrilha urbana, como até o actual Governo e a Oposição socialista democrática não deixaram de implicitamente reconhecer…).

Ora tal releitura de estratégias militantes, à falta de melhor e actualizada literatura político-ideológica e sociológica, talvez até possa mesmo ser insuspeitadamente bem proveitosa para alguns dos (ir)responsáveis institucionais, governantes, sindicalistas, agitadores inconsequentes, anarquistas, analistas de estúdio ou cátedra, e outros comparsas ou reversos coadjuvantes da tragédia cívica e moral onde nos vimos atolando há décadas, e agora mesmo ainda mais, face às novas formas de exploração de classe e nação, marginalidade, implosão de subúrbios urbanos e explosões mentais, pobreza e miséria galopantes, degradação vertiginosa e terrorista da vida e dos valores, – enfim –, da total desesperança em qualquer futuro comum, digno, ética e fraternalmente trabalhado e construído em paz!

Aliás, ora por conhecimento ou experiência (de poucos), ora por ignorância ou imprudência (de muitos), ou por repugnante traição nacional (de outros mais), é que as fachadas, máscaras, barreiras e ruas de Lisboa terão começado a arder e a cair hoje, tão dramática e sofridamente, com pedras, sangue, medo e uma imprevisível tentação de insurreição à mistura, – se é que não a par e passo já de um provocatório e programado intuito de jugular à nascença toda e qualquer veleidade de atempada e possível alternativa democrática, justa e limpa à tão desesperada, insegura, assustadora, opressiva e podre realidade nacional portuguesa (e não só)...

– E enquanto tudo isto ocorre, o País degrada-se e enregela dia após dia, por aí abandonado às suas muitas insularidades continentais e ilhoas, iconicamente deitado nos acobertados chãos do Terreiro do Paço e nas arcadas dos seus cegos e surdos Ministérios, com as fogueiras apenas adormecidas no rescaldo das noites de um novo e angustiado entardecer pessoano de Portugal, somente à espera de outras ocasiões para novas imolações suicidárias, torcionárias reacções de resposta ou o afiar imponderável das lâminas das baionetas, das foices e das navalhas de ponta e mola…
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Publicado em:
Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 18.11. 2012);
Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2304&tipo=col,
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10,
Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.11.2012),
e Networked Blogs:


Os Fantasmas de Secretaria



O título desta Crónica talvez relembre logo – e com razão – um outro da fascinante obra de Jacques Bonnet (Des bibliothèques pleines de fantômes, Éditions Denoël, 2008), cuja primorosa tradução portuguesa, por José Mário Silva (diligente mantenedor do Blogue “Bibliotecário de Babel”), foi publicada pela Quetzal (Bibliotecas Cheias de Fantasmas, Lisboa, 2010) e constituiu então merecido escaparate na nossa acolhedora e informada Livraria In Folio.

O livro – na verdade, um livro de amor aos livros… – começa por relatar o encontro, em Coimbra, em 1983, do autor – um francês especialista em Bibliofilia e Teoria da Leitura, à semelhança de Umberto Eco, José Mindlín e Alberto Manguel (de quem aqui também já falei) – com uma obra de Maria José de Lancastre (Fernando Pessoa – uma fotobiografia, Lisboa, INCM e Centro de Estudos Pessoanos, 1981), na qual vem reproduzida uma carta de candidatura (datada de 16.09.1932) do poeta da Mensagem ao lugar de conservador-bibliotecário do Museu Condes de Castro Guimarães (em Sintra), cargo para o qual o criador do Livro do Desassossego foi preterido a favor de um medíocre “pintor obscuro”, hoje inominável, vago e insignificante manga de alpaca que era…

E isto aconteceu apesar do currículo profissional e da invocada e objectivamente abonatória obra literária e cultural de Fernando Pessoa, – nem se podendo sequer falar então ainda, naturalmente, da sua esplendorosa posteridade… –, e onde, a determinada altura e a propósito do dito concurso, se pode ler o seguinte:

– “Salvo o que de competência e idoneidade está implícito nas habilitações indicadas como motivo de preferência nos parágrafos do artigo, e portanto se prova documentalmente pelos documentos referentes às indicações de cada parágrafo, a competência e a idoneidade não são susceptíveis de prova documental. Incluem, até, elementos como o aspecto físico e a educação, que são indocumentáveis”…

O livro de Jacques Bonnet é apaixonante no seu todo, mas o registo da carta de Fernando Nogueira Pessoa acaba por abrir logo – para leitura crítica, bem entendido … – uma insuspeitada “janela de oportunidades” (como agora os gestores da nossa provinciana e compadrinhada nomenclatura vão debitando, à toa, nos seus altos postos e míopes postigos…), – ou não estivessem eles equiparados àquele antigo júri da Câmara de Cascais, o qual, “certamente perplexo com esta retórica insólita [de Fernando Pessoa, obviamente…], não se deixou convencer, tendo escolhido prudentemente um outro candidato”, – certamente menos brilhante e competente porém bem mais ao jeito daqueles pobres diabos jurados e arregimentados, criaturas submissas, serventuários mínimos e alinhados pela mais rasteira, venal e gémea bitola político-administrativa daquela época de trinta e tal, no século passado…
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Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 20.11.2012);

Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2304&tipo=col;
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/?article=29783&visual=9&layout=17&tm=41
Networked Blogs:
http://sinaisdaescrita.blogspot.pt/2012/11/fantasmas-de-secretaria-o-titulo-desta.html,
e (outra versão) em Jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 17.11.2012).


segunda-feira, novembro 12, 2012

O Vídeo dos Vexames




1. Eis aqui o famoso Vídeo dos nossos vexames:

2. Segundo os OCS, a transmissão pública desse Vídeo que Marcelo Rebelo de Sousa – influente militante, mentor, líder histórico do PSD e mediático comentador da Rádio e TV portuguesas, na gíria mais conhecido por “O Professor” – inacreditavelmente concebeu e anunciou, e que tinha por objectivo ser emitido na Praça Sony (Berlim), em vésperas da visita da chanceler Merkel a Portugal (no dia 12 de Novembro de 2012), teria sido recusada pelas autoridades locais alemãs!

De resto, o próprio Prof. Marcelo acaba de reconhecer tratar-se de uma peça mais ou menos improvisada, experimental, como se tivesse sido feita, ou como foi mesmo montada em cima do joelho, se é que não às três marteladas…

3. O outro artífice desta pérola é um tal Rodrigo Moita de Deus, criativa figura também elucidável aqui: http://pt.linkedin.com/pub/rodrigo-moita-de-deus/19/68b/717.

4. A mensagem da dita obra, explanada e teorizada em português, incluía versões em inglês e alemão para ser enternecidamente vista, piedosamente ouvida e politicamente entendida por toda essa Europa e pelo Mundo fora, havendo ainda provável esperança que chegasse, num tempo futuro e indeterminado, a atingir vários planetas do imenso Universo que nos rodeia, só não tendo ainda sido apurado o efectivo envolvimento do Governo de Passos Coelho e do erudito académico Miguel Relvas em todo este também diplomático manifesto...

5. Na verdade, trata-se de um excelso aljôfar artístico, um feito mediático, antropológico-cultural, sociopolítico, económico-financeiro, cultural e civilizacional, um dignificante retrato de Portugal e dos Portugueses, nunca dantes tão exemplarmente conseguido…

6. Agora – lamento dizê-lo –, trata-se mesmo e na verdade de uma narrativa fílmica conceptualmente pindérica, em jeito de corso ou dança carnavalesca, cheia de lugares comuns, técnica e esteticamente mal concebida e toscamente executada, iconograficamente pobre, mimeticamente ridícula, desadequada, quase imbecil e até simbolicamente tendenciosa...

Uma verdadeira demonstração de subdesenvolvimento, inferioridade cultural e enviesamentos em série!

– Outra vergonha para Portugal, que pelos vistos também embaraçaria qualquer outro país da Europa que acolhesse e publicitasse semelhante palhaçada!

7. Todavia, e por contraditório que pareça, foi um favor patriótico – uma prudente obra de caridade civilizacional – que nos fizeram ao colocar tamanha, tão humilhante e tão tacanha produção “made in Portugal” no caixote de lixo da Europa, onde ficará na boa companhia de outros fatídicos subprodutos mentais, institucional e socio-historicamente datados destes patéticos e decadentes anos da nossa colectiva (des)graça…
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Publicado em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 13.11.2012):
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e “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 13.11.2012):





sexta-feira, novembro 09, 2012

Os políticos da Política



1. Acaba de ser colocada no mercado a nova obra de Tibério Cabral – A Política dos políticos, II Volume [Entrevistas] (Angra do Heroísmo, IAC, 2011) –, embora, ao contrário do que acontece com tantos outros autores e livros (aonde amiúde se forçam e forjam merecimentos…), sem qualquer sessão de Apresentação e Lançamento que as suas qualidades, especificidades e potencialidades plenamente justificariam…

O livro – embora sem precisa referência técnico-editorial – inclui também um sugestivo texto de abertura, a modos de prefácio (“Antes de ler as entrevistas”), por J. G. Reis Leite, relevando este conhecido historiador açoriano, com justeza, para além de algumas questões pertinentes de metodologia histórica e de crítica historiográfica, o especial valor das Entrevistas de Tibério Cabral, enquanto e porque elas constituem precisamente e “acima de tudo documentos e fontes orais para a nossa história contemporânea”, inscrevendo-as por isso, e bem, no âmbito das problemáticas próprias do “uso das fontes” e da consciência (maior ou menor, quando não até nula…) que disso mesmo os Entrevistados teriam quanto ao seu “papel de actores e construtores de uma memória”…


2. Neste 2.º Volume de A Política dos políticos, ao longo das suas 621 páginas, estão assim reunidas Entrevistas, todas datadas, que o Jornalista terceirense efectuou entre 1984 e 2009, sendo todavia que as mesmas reflectem a bastante diferenciada qualificação, desigual perfil, formação e estatuto dos seus Entrevistados, cujos posicionamentos conseguem ganhar aliás, lidos hoje, contornos quase incríveis ou patéticos, fabulosas (in)coerências de percurso, (in)consequências e (des)ilusões, a par de outras concatenações cuja comicidade, inverosimilhança ou futilidade chegam a atingir foros dramáticos…, atendendo às responsabilidade dos respectivos autores-actores mediáticos (ou apenas mediaticamente construídos!), e tanto mais quanto alguns dos dialogados discursos estão claramente marcados por naturais pré-conceitos, circunstancialismos, meras conjecturas de opinião interessada, e outras conveniências ou oportunidades de juízo volátil…

– Ali e nisso veremos todos enfim justificados os motivos para a retoma desta questão crítica, porquanto, sobretudo e de facto, como Reis Leite salientou, “na história política temos assistido a uma transformação do discurso em retórica memorialista e muitas vezes justificativa, que oblitera a função primordial da historiografia”!


3. Tibério Cabral, nascido em 1957, na freguesia das Fontinhas (ilha Terceira), desde cedo mostrou notável vocação para a prática e a escrita jornalísticas, afirmadas e confirmadas depois e até hoje por uma vasta, rica e diversificada experiência na Comunicação Social açoriana (Rádio e Jornais), documentada no seu currículo (também cultural e artístico) e na sua já significativa e talentosa produção reunida em O que eles disseram (1998), A Política dos Políticos, I (2001) e Igreja – Virtudes e Pecados (2004).

– Tal como escrevi anteriormente, no estudo de Introdução ao igualmente notável 1.º Volume (2001) desta série, também estas Entrevistas tornam a dar paradigmática conta, através das palavras ali suscitadas, ditas, entreditas e interditas, tanto da recorrente ou previsível indigência, quanto da extraordinária reserva e limites de humanidade que nestes domínios e discursos acolhidos e recolhidos nas nossas ilhas grassam, exactamente como naqueles parabólicos campos do trigo e do joio que socio-histórica, cultural e espiritualmente sempre juntos crescem, mas que o Tempo se encarrega, mais tarde ou mais cedo, de separar para a ceifa e para a recolha da Verdade …
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Publicado em Azores Digital:
RTP-A:
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e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 11.10.2012):
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 10.11.2012):




sexta-feira, novembro 02, 2012

As Passarolas Visionárias


Vá lá saber-se se por uma qualquer causa real e efectiva, conquanto desconhecida ou pouco positivamente verosímil, ou se apenas fruto de uma fortuita coincidência de factores mais ou menos aleatórios, mas todavia misteriosamente conjugados – a modos de conjunção escrita nos astros, no destino ou no fado, como diriam certos crentes em ordens sobre e infranaturais (ou em outras disposições mais astralmente próprias de um mundo ainda visto e dito sob modelos aristotelicamente sublunares…) –, a verdade é que parece haver na história dos homens, dos povos, das regiões e das tribos um significativo número e uma espantosa variedade de factos e fenómenos que, aparentemente querendo escapar a uma explicação linear e objectiva (no que respeita à sua origem, instrumentos, formas de manifestação e subjacente finalidade), prestam-se depois aos mais mirabolantes esquemas e propostas de causa/efeito…

– Ora foi isso mesmo que se tornou a verificar com as fúrias do Sandy, tempestade que se abateu nos últimos dias catastrófica e especialmente sobre a costa leste dos Estados Unidos e com emblemático expoente naquela metrópole que ainda não há muitos anos, por outras causas, cérebros e mãos, viu desabar apocalipticamente dois dos seus mais exemplares ícones de negócio e orgulho (ambos, embora confiantes “em Deus”, arranhando o Céu, ou melhor, como bem corrigiria o velho Platão, os céus, entendidos estes como algo cá mais por baixo, com nuvens escuras, visíveis e hodiernamente rasgáveis por naves inter-planetárias, satélites espaciais, mísseis, aviões, balões e outras passarolas voadoras (todas afinal cridas e queridas herdeiras, para elevação do orgulho lusíada, daquela nave do padre Bartolomeu de Gusmão, que Saramago, para nosso regalo de leitura, tão inspiradamente também faria subir, mesmo contra velhas e novas inquisições culturais, lá pelos maravilhosos ventos ficcionais e romanescos do seu Memorial…).

É claro que sobre o furacão Sandy não faltaram genéticas teses surreais, desde as míticas e “religiosas” certezas de um tal McTernan (pregador e invocador de castigos celestes “made in USA”), até às mais tecnologicamente sofisticadas e visionárias teorias energéticas e climatéricas (espécie de feitiço com chuvas, ventos e danças à Obama, nas vésperas da eleição presidencial na nação mais poderosa do planeta Terra)!

– Porém, cá na Ocidental Praia, os vaticínios tem sido bem mais rasteiros, e o grande adivinho de serviço por estes dias de todos os santos e fiéis defuntos (ou a caminho disso, na romaria nacional que orçamentalmente a tanto e tal se perfilha…), foi apenas um baixote, enorme e substancial comentador do PSD, um dos tais que por essas ilhas abaixo (e de baixo!) andaram pregando, sem convencer nem converter ninguém, com as suas dissimuladas, quase extra-terrestres e pueris narrativas!

Agora, que a nova passarola vai levantar voo, veremos todos até onde o seu vespertino rumo a vai levar, com nove ilhas a bordo e algumas asas e penas feridas à nascença…
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Publicado em RTP-Açores:
Azores Digital:
Networked Blogs:
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 04.11.2012).
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 03.11.2012).

sábado, outubro 27, 2012

O Vazio da Sala




Das muitas imagens mediaticamente divulgadas, daquilo que elas traduzem de significativas perspectivas do mundo político-partidário, psicossocial e ético que nos cerca, e das confluentes realidades e valores em que vivemos e vegetamos, constituiu amostra bem documentativa as que foram transmitidas, a partir da sede do PSD, em Ponta Delgada, no passado dia 14, data das últimas eleições regionais.

De facto, foi algo de muito evidente e revelador o que foi possível visualizar daquele ambiente, quando – sabendo-se já dos mais que comprováveis e fracassados resultados nas urnas para os ditos social-democratas ilhéus –, as câmaras de televisão e a vacilante reportagem do jornalista para ali destacado deram conta da constatável e quase embaraçosa e confrangedora atmosfera naquele recinto: um fantástico cenário de deserto pessoal (e de pessoais deserções!), – tão pesada e densa que os experientes e benevolentes homens dos OCS presentes nem jeito ou ânimo tiveram para exibir, em toda a sua escancarada crueza, semelhante descida a tão gélido purgatório nocturno que – mais do que surpreendente, inacreditável até – naquele patético salão, patente estava…

E assim se foi esperando e fazendo esperar, e circundando a cobertura, e apenas fazendo-se chegar a substancial conteúdo de anúncio verbal a chegada dos poucos vultos que por ali, salientes e despontando, a soluço assomavam, excepção feita a Mota Amaral (em dignidade, ainda e sempre, o primeiro!).

Mas logo depois, então, foi o que à exaustão, à mostração nua e dura, se viu e transmitiu para quem tanto e mais quis acompanhar e sentir, por esse atónito arquipélago adentro…E lá começaram os penosos reconhecimentos da derrota, os agradecimentos da praxe, as respostas evasivas, as suspensivas reservas e omissões, e o realinhamento (com acenos de aflitiva chamada à linha ou à cara) do cabisbaixo entourage mais firme e proximal da grande candidata e timoneira desta mal fadada campanha; e pouco mais!

– Dos rostos e saracoteamentos arrogantes ou gananciosos de outrora, da evanescente e lesmática claque de ontem, dos ilustrados e recorrentes capangas de “olho na faca, olho na lapa”, ouvidos sempre na onda e no calhau para o salto oportunista, como dizia o outro, nem sombra; nicles!

O resto, que não se conta aqui por pudor (e quase vergonha pelas culpas e pecados alheios, mas que de algum modo a todos nós devem fazer reflectir…) ficará para depois. E todavia, a cumprir-se o maldoso (e talvez injusto, porque genérico) chiste açórico, da actual toca do Coelho, “nem por carta nem por escrito”!

– Por isso mesmo, não será talvez tão cedo que aquela sala e aquelas cadeiras, agora medonhamente vazias, desguarnecidas e desguardadas, tornarão a encher-se com gente capaz, esperançosa e honrosamente perfilhada em defesa da nossa terra, pacificamente construindo e partilhando o pão do Povo em Liberdade, como no seu antigo, porém agora desbaratado e desafinado hino de glórias passadas e novas ilusões futuras…

E assim as mesmas salas, cadeiras e câmaras, de mal a pior, vão continuar provavelmente ainda mais ocas e irrelevantes, sem a mínima presença que mereça crédito limpo, generoso empenhamento político-partidário ou confiança ética!
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Em  Azores Digital:
RTP-Açores:
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 28.10.2012);
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 27.10.2012).

sábado, outubro 20, 2012

Leituras para o Outono





Na próxima semana e depois a decorrer entre os dias 26 de Outubro e 4 de Novembro, começará na cidade da Praia da Vitória (Academia de Juventude da Ilha Terceira, Auditório do Ramo Grande e Casa das Tias) mais uma edição (a sétima) do Outono Vivo, um Certame cultural e artístico fomentado anualmente pelo respectivo pelouro municipal da Cultura (e animado pela perseverança institucional e a conhecida insistência e diligência pessoais do respectivo vereador…).

Tratando-se de facto de uma iniciativa válida e única no seu género entre nós – aliás cujas virtualidades socioeducativas e múltiplos e reprodutivos alcances nunca será de mais relembrar nos tempos que correm, conquanto, como é evidente, à dimensão possível dos recursos financeiros, logísticos e humanos presentemente disponíveis e esforçadamente disponibilizados pela autarquia praiense –, não pode assim a efectivação do seu já divulgado e promissor Programa (disponível na íntegra em http://www.outonovivo.com/pdfs/material/3.pdf) deixar de granjear aqui uma palavra de merecido aplauso, tanto mais quanto o mesmo resulta de um verdadeiro e meritório esforço de promoção da Cultura, das Artes e das Letras nos Açores e com Açorianos.

– Este ano subordinado ao tema “Açorianidade – Percursos à volta de casa”, o Outono Vivo incluirá Conferências (Luís Fagundes Duarte, Eduardo Ferraz da Rosa, Ivo Machado e Daniel de Sá), Lançamentos e Apresentação de livros (Vamberto Freitas, Reis Leite, Avelino Meneses, Álamo Oliveira, Vasco Pereira da Costa e Manuel Machado, entre outros), Concertos, Exposições, Workshops, Teatro, Filmes, Documentários, um Colóquio/Debate (“Os Escritores Açorianos – que futuro?”, moderado por Sidónio Bettencourt) e a já habitual Feira do Livro.

Alberto Manguel, numa obra fascinante sobre livros e bibliotecas, afirmava que a leitura, porque libertadora do pensamento e do agir, bem que se podia dizer estar justa e criticamente “na base do contrato social”, até porque “uma multidão de analfabetos é mais fácil de governar”…

– Talvez também por isso é que todos os Outonos, desde que livres, vivos e despertos, (com palavras, sons, cores e alma…), podem mesmo ajudar a decifrar os signos do tempo, contribuindo decisivamente para a progressiva evolução das mentalidades e a cada vez mais urgente transformação do mundo!
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Publicado em RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?article=29280&visual=9&layout=17&tm=41;
"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.10.2012);
Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/;
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 21.10.2012),
e Networked Blogs:
http://www.networkedblogs.com/blog/os-sinais-da-escrita?parent_page_name=source.

sexta-feira, outubro 12, 2012

O Cinquentenário do Concílio



Passados 50 anos da sua Abertura (11.10.1962) por João XXIII, o Vaticano II – terminado a 8.12. 65 (já sob o Pontificado de Paulo VI) – representou para a Igreja e para o Mundo um marco espiritual, pastoral, histórico-civilizacional e cultural verdadeiramente notável, pelo que, nesta efeméride do seu quinquagésimo aniversário, esse grande Concílio começou já a ser justamente relembrado, evocado, relido e reaprofundado – dos mais diversos, inspiradores e complementares modos, nas suas amplas vertentes e dimensões, e em várias regiões e países (incluindo Portugal) –, naquilo que se espera seja mesmo um movimento de real empenho na recuperação renovadora do seu original, mais fidedigno e genuíno aggiornamento como e enquanto cristã “tensão positiva” entre as Duas Cidades (para compendiarmos em termos agostinianos…), tal como acabou de propor o actual Papa (ele próprio membro de uma antiga e brilhante geração de Teólogos – Rahner, Chenu, Lubac, Congar, Calvez, Dubarle, Schillebeeckx… – acompanhantes e animadores daquele tão promissor 21.º Concílio da História do Catolicismo).

Convocado em 21.12.1961, pela Bula “Humanae salutis”, o Vaticano II decorreu em quatro Sessões e produziu 4 Constituições, 9 Decretos e 3 Declarações, nele tendo participado (ou apenas comparecido…) mais de 2.000 prelados – entre os quais 39 portugueses (alguns naturais dos Açores: Costa Nunes, José Pedro da Silva, José Vieira Alvernaz, Jaime Garcia Goulart e Paulo José Tavares –, Cardeais, Arcebispos, Bispos (o de Angra também, Manuel Afonso de Carvalho) e um Sacerdote.

– “Ainda hoje estamos felizes, mas a nossa alegria é mais sombria, mais humilde”, afirmou Bento XVI ao inaugurar em coincidência o presente “Ano da Fé”, mas bem podendo aliás ter retomado as consagradas e programáticas palavras do pórtico da Gaudium et Spes, ou finalizado com a retoma dos gestos reiterados na “Mensagem dos Padres do Concílio ao Mundo” (em Novembro de 1962), para uma urgente atenção prática, denúncia profética, comprometimento alternativo, generosidade e partilhado testemunho de Fé e de Vida autênticos, face às alegrias, esperanças, tristezas, angústias, misérias morais, sofrimentos e aspirações dos Homens e dos Povos, do nosso e de todos os tempos…
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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 13 de Outubro de 2012):
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