sábado, maio 05, 2012

Amargos sinais de Maio


O 1º. de Maio deste ano – efeméride mundialmente consagrada à Comemoração do Trabalho e à evocação das históricas lutas e conquistas dos Povos da Terra em prol do universal reconhecimento da dignidade, dos direitos e dos deveres dos Trabalhadores –, ficou marcado entre nós, para além das habituais manifestações sindicais e de outras mais ou menos festivas animações de salão, praça ou rua, por três acontecimentos cujo simbolismo e conteúdo reais merecem registo; a saber:

1) Os sucessivos atos de puro vandalismo (mutilação, destruição, roubo e incêndio!) de que foi vítima uma Exposição de Maios tradicionais esmeradamente trabalhada pelos alunos e professores das turmas de Educação Tecnológica da Escola Jerónimo Emiliano de Andrade, numa cinta urbana de Angra do Heroísmo aliás já useira e vezeira em destemperos, despautérios e criminalidades que crescem e conspurcam cada noite que se abre nas imediações do Corpo Santo, EDA, DI, Avenidas e ditas “docas” e locas do Porto das Pipas, em zona para-turística da desamparada e desalmada urbe Património Mundial…

2) O espantoso e degradante cenário de quase saque a prateleiras de todos os tipos de produtos de uma cadeia de supermercados – conquanto bem concorrencial e promocionalmente vendidos a saldo, ou facultados à carenciada mas legítima e compreensível compra por pobres e médias bolsas e por conta de uns apelativos descontos de 50% –, naquilo que nacional, humilhante e pouco docemente pingou como que em traslados de miséria, pré-catástrofe socioeconómica, açambarcamento de aflições, penúrias e prenúncio de armazenamento de rações para antecipatórios medos de sítio ou cerco…

3) A divulgação de um muito atento e crítico documento (intitulado Desemprego e Confiança) da Comissão Nacional Justiça e Paz de Coimbra, onde são detetadas e denunciadas muitas das angustiantes feridas e sinais do tempo que vivemos (desemprego, violência, falta de confiança, solidão, perda da autoestima, insanidade mental, implosão e instabilidade da estrutura familiar, desinformação, agiotagem financeira, despesismo e injustiças sociais, instabilidade legislativa, legislação laboral inadequada, condicionantes e penalizações empresariais, morosidade judicial, deficientes fiscalizações, debilidade empresarial, desarticulação governamental e estratégica, etc.), – tudo isto contra o verdadeiro Bem Comum mas a favor e ao serviço da “manutenção de privilégios abjetos a uma ‘nomenklatura’ que, como sempre, situada na órbita ou dentro do poder político, se mantém incólume nos sacrifícios que são exigidos aos outros”, fazendo de Portugal um país anestesiado e adiado!

Ora todos estes fenómenos e indicadores, cada um ao seu nível de impacto e grau de gravidade local, regional e nacional, devem fundar outros tantos motivos de reflexão e um apelo também pessoal e ético a cada um dos nossos concidadãos, porquanto também e como, sem ilusões, retoma a CNJP da Carta Octogesima adveniens,  podem-se “alterar estruturas e criar novos métodos de gestão e decisão”, o que sendo “necessário nunca será suficiente, enquanto não percebermos o quanto as soluções dependem da conversão pessoal em mentalidade e nos comportamentos”. E assim então:

– “Seria bom que cada um procurasse examinar-se para ver o que é que já fez até agora e aquilo que deveria fazer. Não basta recordar os princípios, afirmar as intenções, fazer notar as injustiças gritantes e proferir denúncias proféticas; estas palavras ficarão sem efeito real se não forem acompanhadas, para cada um em particular, de uma tomada de consciência mais viva da sua própria responsabilidade e de uma ação efetiva. É por demais fácil alijar sobre os outros a responsabilidade das injustiças se se não dá conta, ao mesmo tempo, de como se tem parte nelas e de como a conversão pessoal é algo necessário, primeiro que tudo o mais”.
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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 05.05.2012); “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 05.05.2012);