sexta-feira, agosto 24, 2012


O Sono das Responsabilidades


Numa Democracia parlamentar, cabe (ou deveria caber…) aos partidos políticos um importante papel em toda a actividade directa ou indirectamente ligada à governação, ao exercício livre e responsável da cidadania, e à participação individual e colectiva na vida institucional, cultural e cívica do respectivo País ou Região…

– E isto tanto mais quanto essas organizações (legalmente constituídas, reconhecidas e funcionalmente financiadas em retroacção com e pelo Estado…) costumam deter um controlo quase absoluto sobre todos os mecanismos e instâncias do Poder, numa teia imensa, complexa, co-implicada e inter-urdida de agentes, factores e interesses que depois e na prática são quem e o que domina os aparelhos, formações, estratégias e mecanismos decisórios, ideológicos e materiais da sociedade!

Por outro lado, e como é natural, neste e noutros âmbitos da existência humana em comum, são muitos e variáveis os valores, os princípios, os objectivos e as configurações que essas estruturas representam, assumem, medeiam e executam segundo lógicas díspares e até conflituais, mas sempre fundamentalmente dirigidas à tomada das rédeas e redes de governo ou à sua perpetuação hegemónica nos mais sortidos centros e tutelas do mando societário, político-jurídico, psicossocial e espiritual das nações e dos cidadãos.

– Nada disto é historicamente novo e sempre foi pensado, reflectido e ensinado desde os clássicos, tanto para prevenir como para remediar os males civis e morais, o correlativo descrédito do político e a desordem ou a desorganização social, fenómenos que já o bem lembrado personalista Emmanuel Mounier reconhecia como próprios do descrédito e da decadência da própria Política, – então aí e assim arrastada “pelas mais baixas zonas da ideologia, do sentimentalismo e da intriga”, e aonde a vida pública (como aliás também a vitalidade da vida privada) degenera, recalcada “num domínio fechado, tão estranho ao homem interior que aqueles que conservam o sentido da pessoa e o que nós chamámos o sentido do próximo adquiriram pouco a pouco uma invencível repugnância por ela”, – sentimento talvez só equiparável à triste indiferença que um povo livre (quando tornado escravo…) manifesta ao dormir o sono solto “da abjecção e da ignomínia”, como ainda perto do espírito das nossas insulares, injustas e recorrentes realidades muito bem denunciou o nosso Antero!
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sábado, agosto 18, 2012

Uma Dança de Cadeiras


Berta Cabral, ao ser confrontada – e fazendo frente a um gesto-alvitre nada inocente… – com a possibilidade de Maria do Céu Patrão Neves poder vir a deixar o lugar para que foi eleita (como é sabido, na altura em substituição inusitada, forçada e então muito mal aceite no PSD-A, de Duarte Freitas), de modo a vir a integrar um eventual futuro executivo regional, logo se apressou a afastar tal hipotético cenário, dizendo mesmo que a actual deputada europeia permaneceria mas era muito bem onde presentemente está, e que, portanto, o seu casual ingresso num governo do partido de Passos Coelho nos Açores, presidido por si, lhe estaria vedado!

O caso, por si apenas, não traz novidade nenhuma e tem importância nula para a governação açoriana, qualquer que ela venha a ser, até porque Patrão Neves, quiçá injustamente, nunca foi figura muito implantada no PSD local, por razões e impressões pessoais, até talvez de uma certa inveja ou ciumeira pouco abonatórias, mas acima de tudo porque muitos sociais democratas açorianos ainda não se esqueceram de todo o processo que levou à candidatura europeia daquela predilecta mandatária e conselheira de Cavaco Silva…

– Por outro lado ainda, a ninguém que a conheça minimamente passará pela cabeça imaginar aquela tão activa, insinuante e cativante nova especialista e tirocinada em Agricultura e Pescas, depois da sua tão fulgurante carreira política nacional e internacional, regressando a prazo, de pastinha debaixo do braço, aos seus pequenos, conquanto luzidios, canteiros departamentais e intelectuais púlpitos na UAç…

Porém e seja lá como for que as coisas andem ou desandem nos jogos internos de uns e outros, o que importa retirar da lógica inerente a estes sinais e premonitórias peripécias – e nisso Berta Cabral tem toda a razão! – é que, mais do que antecipar ou atender a ensaios de dança para certas cadeiras do poder, valerá pensar, fazer pensar, decidir e trabalhar autenticamente para os Açores e com os Açorianos – com verdade, inteligência, isenção e generosidade – naquilo que a Autonomia, a Democracia e o Desenvolvimento de nós exigem renovadamente hoje, deixando o resto e o ajuste das contas da mercearia insular para segundo plano de intenções, ou para o balcão do fundo da loja…

– Se é que esse inferior nível de compra e venda de títulos passageiros e bugigangas institucionais já não desterrou ou usurpou de vez, em todos os partidos e nas suas listas (negras ou em branco, tanto faz…), a real importância de tudo o mais e do melhor que, desse outro modo irracionalmente enquistado, civicamente obscurantista e político-partidariamente degenerado, com toda a certeza lhes faltará sempre em créditos, credibilidade e mérito!
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 “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 19.08.2012):
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sábado, agosto 11, 2012

A Saúde da Nação


Embora algumas das principais abordagens até agora feitas na Comunicação Social e em certos fóruns partidários a propósito da Política de Saúde – com raras, previdentes e cautelares excepções individuais – tenham sido especialmente urdidas por força de meras argumentações tácticas, interesses conjunturais e tendenciosas, parcelares e obsessivas fixações em questões relativamente pontuais – ou apenas político-partidariamente usadas como recorrente arma de arremesso para-eleitoral –, não há dúvida que uma frontal, isenta e profunda reflexão crítica sobre esta e outras questões essenciais da nossa vida institucional e colectiva (como a Educação, a Cultura, o Trabalho e o Emprego, a Segurança Social, o Desenvolvimento Económico, o Controlo e o Equilíbrio Financeiro, a Democraticidade e a Transparência da Governação…) é cada vez mais necessária, urgente e prioritária!

Entretanto e ainda sobre a dita problemática da Saúde, novamente nos últimos dias, voltámos a assistir – e desta feita com grande destaque – na imprensa da capital, a impressivas e empolgantes notícias sobre aludidas e “catastróficas dívidas” regionais açorianas que, segundo as mesmas indistintas, pouco clarificadas e clarificantes fontes originais (e secundárias também…), teriam já atingido “montantes astronómicos”… 

E logo, como seria de esperar, o teor e as quantificações das referidas “denúncias” – na sequência aliás de outras identicamente tecidas no Arquipélago desde há algum tempo… – motivaram uma série de contraposições, cálculos alternativos e contra-fundamentações económico-financeiras, orçamentais e políticas…

– O problema, quer se queira quer não, é sério e complexo, pelo que merecia um corajoso levantamento e uma rigorosa resposta integrada, cujos perfis e contornos – enquanto os mesmos dizem integral respeito à mesma Política e Gestão da Saúde e dos respectivos sistemas e subsistemas – deveriam ir desde os financeiros e técnico-científicos aos da gestão administrativa e da formação profissional dos seus agentes, passando pelos, amiúde bem díspares, diferenciados, conflituais e até desmemoriados interesses corporativos, comerciais e deontológicos que neste terreno se digladiam (demasiadas vezes por cima dos bem sensíveis e reais corpos sociais e pessoais dos doentes e demais utentes dos serviços públicos e privados da Saúde …).

Porém, uma coisa seria a análise objectiva, serena e isenta de todas estas importantes e nucleares questões, e outra, bem diversa, é o aproveitamento e a distorção táctica das realidades quantitativas e qualitativas que também neste campo se entrecruzam, com intenções e fins de veracidade e interesse duvidosos para os Açores, para quem aqui governa e/ou pretende vir a governar (ou continuar a administrar) a nossa Região Autónoma! 

E depois, diga-se já, mesmo que de passagem apenas, que quem se mostra principalmente direccionado à destruição gradual, planeada e concertada do próprio Sistema Nacional de Saúde enquanto tal não parece muito vocacionado para a correcção das suas maleitas, desvios ou desvarios!

– Finalmente, quanto a certos OCS e a alguns infames políticos que pululam na choldra em que o País se tornou desde há muito, já sabemos do que gastam, reproduzem e vendem por lá e por cá, demasiadas vezes numa espécie de voyeurismo em marketing vicioso, impotente e irresponsável, que tanto desnuda e dá desrespeitosa e quase impúdica capa aos públicos e familiares factos e fatos de banho e toalhas do primeiro-ministro de Portugal e sua família, quanto oculta, omite ou falseia, sem dó nem piedade nem compostura solidária (ou apenas ética que fosse!) de qualquer espécie, os mais essenciais problemas, direitos, deveres, aspirações, medos, impasses e fragilidades dos nossos cidadãos e das suas vidas a arder ou imoladas nos altares do mais abjecto capitalismo neoliberal, financeiro, predatório e agiota que devora tudo e quase todos os povos e países do Globo!

A situação não é, infelizmente, nova, e já Eça, em 1871, testemunhava assim e do que via: 

O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências”…

– E como haveria de ser de outro modo, ainda contemporaneamente, por parte de quem, externa e internamente, ao longo da História da Nação e da Autonomia, sempre nos tratou sob regimes de canga (ou “como se andássemos de tanga”…), e nos pretendeu institucional, material e simbolicamente submissos, incautamente alinhados ou politicamente coniventes com os alienantes e conhecidos ditames de controlo e exploração em múltiplos terreiros (nacionais e regionais) do Poder, sem a devida e proporcionada partilha de custos e culpas a pagar pelas afinal comuns e discriminatórias heranças, a par de outras equivalentes menoridades histórico-geográficas, político-ideológicas, mentais e morais?!
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Publicado em Azores Digital: 
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 12.08.2012):
 - http://jornal.diariodosacores.pt/;
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 11.08.2012):
 - http://www.diarioinsular.com/.

sábado, agosto 04, 2012


As Espumas da Praia


Na ilha Terceira, as Festas da Cidade da Praia da Vitória tem um historial mais ou menos vasto e conhecido, apesar de reincidentes omissões e de pequenos e forjados mitos que – amiúde – rodeiam certas e (des)ajeitadas narrativas individuais e algumas protocolares e retóricas evocações institucionais (demasiadas vezes feitas conforme vai convindo aos conjunturais, variáveis e mutáveis interesses de indivíduos e grupos hegemónicos na vida política, associativa, comercial e económica dessa antiga, nobre Vila e sede do Concelho do mesmo nome).

O caso, de resto, não é exclusivo dali e bastaria aliás uma simples compaginação dos seus aproveitamentos e sucessivos programas, discursos, comissões, orçamentos, propagandas, divulgações promocionais, feiras, reportagens e imagens documentativas ou publicitárias para fazer-se uma ideia mais rigorosa e proporcionada dos seus a seus donos e donas, e das respectivas e reais aferições de custo-benefício ou contrapeso de despesa-investimento-ganho a diversos níveis de avaliação quantitativa e qualitativa

Porém seja lá como for – até porque não será esta a ocasião adequada para balanço das contas desse rosário – a verdade é que as chamadas “Festas da Praia” vem gerando uma notória e crescente expectativa, tem efectivamente granjeado uma medrante popularidade na ilha, alcançaram um significativo impacto regional e junto das nossas comunidades imigradas, e conseguiram pontuar alguma inovação e qualidade estética (especialmente nos seus Cortejos e Marchas) que é justo registar e salientar, apesar do esbatimento ou inexistência de muitas outras, desejáveis e regulares componentes que uma regrada programação festiva, sociocultural, artística e lúdica deste (digo, de outro alternativo ou, pelo menos complementar…) jaez vem reclamando desde há demasiado tempo!

Todavia, de todo e qualquer modo, estas Festas parecem mesmo conseguir avivar uma genuína e ciosa intuição de pertença memorial e de dilatada identificação espácio-temporal de e entre os Praienses, envolvendo-os a todos e àquelas num particular sentimento saudoso (embora nem sempre muito criticamente consciencializado, mas que por si só é positivo, humanamente compreensível e acaba justificado).

– E como não haveria de ser assim? – quando, para além do mais que fica para outra Crónica –, como dizia um dos seus filhos mais afectiva e intelectualmente pródigos – “bendito seja o deus do encontro, / O mar que nos criou […], Pois fica-se sabendo/ Que da espuma do mar sai gente e amor também”…
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Publicado em:
“Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 05.08.2012) – http://www.diariodosacores.pt/n/
Outra versão em:
“Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 04.08.2012) – http://www.diarioinsular.com/