sábado, janeiro 14, 2012

Os Lixos da Choldra


É conhecida e ficou famosa a qualificação – “choldra” – com que Eça, real e ficcionalmente, se referiu a um perfil “ignóbil” e “torpe” como o mais essencial traço distintivo do nosso País, naquele tempo…

E embora a implícita leitura reativa de tal dramática condição sociocultural, económica, política e histórico-civilizacional tenha assumido colorações diferenciadas nos seus personagens romanescos e discursos literários, não deixa todavia de ser essa a mais recorrente e fundada representação textual queirosiana de Portugal!

– Porém, estivesse ele vivo e observando tudo o que nos é dado padecer hoje, neste “nosso canto, com a azulada doçura do nosso céu carinhoso”, como poetiza nas Notas Contemporâneas, e muito mais pessimista e profundamente se revoltaria de termos (ainda) “ao que parece, todas as enfermidades da Europa, em proporções várias”.

E todavia, “enquanto contra as tormentas sociais nas outras naus se trabalha, na nossa rota e rasa caravela tagarela-se! Tagarela-se num desabalado fluxo labial, cuja qualidade […] não tem deixado de decair, da eloquência degenerando na loquacidade – da verbosidade descambando na verborreia”…

Ora no atual bate-papo inócuo – por escrito ou em disserto falado nos OCS, Parlamentos, Redes Sociais, etc. – já nada deixa de nos enojar, desde as últimas lavagens de aventais, maços, maçons e massas secretistas aos desnudamentos das altas correntes salariais na baixa pilosidade das vergonhas escandalosamente prebendadas nas caras e coroas da EDP e na Águas de Portugal, passando pelos abomináveis e repugnantes atentados à dignidade e à vida humana que conspurcaram as quase inacreditáveis cogitações de Manuela Ferreira Leite (PSD) sobre a Hemodiálise no SNS!

– Assim, e sempre historicamente pelo mesmo, que nos resta, neste novo tempo de velhas podridões, a não ser uma permanente e firme resistência ativa e uma exigente e profunda reflexão crítica sobre alternativos rumos patrióticos, justos e limpos, para todos os Portugueses?
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 14.01.2012), " Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 17.01.2012)

As Estrelas da Candelária

Quando um dos principais cometas políticos do actual Governo de Lisboa – tal como alguns dos seus satélites e comparsas de gémea constelação
parlamentar e mais ou menos iluminados (ou em pedra bruta?) pela novamente tão martelada e triangulada Maçonaria em Portugal… – decidiu proclamar a redução das emissões próprias da RTP-Açores a um impreciso mas imperioso postigo insular de 240 minutos diários, logo o Presidente do nosso Governo Regional proferiu uma sugestiva declaração pública na qual se interrogava exemplificativamente sobre que destino dar, em tal hipotético mas aparado relvado de grelha, a transmissões e programas televisivos açorianos como o magazine Bom Dia Açores, as reportagens sobre as Festividades do Senhor Santo Cristo, as Festas Sanjoaninas, etc.


Por mim, e a propósito, devo dizer que sou espectador regular e matinal do citado programa apresentado por Pedro Moura, no qual aliás, por diversas vezes, já fui hospitaleiramente recebido...

– E isto mesmo devo confessar aqui e logo à partida, embora não propriamente sob a forma de declaração de interesse (figura de manifestação outrossim que bem obrigatória deveria ser para titulares de cargos públicos e decisórios, como nomeadamente acontece a tantos e diversos níveis científicos, profissionais e académicos), a par – evidentemente – da legítima assumpção pessoal e voluntária de (in)compatibilidades éticas e deontológicas e de outras, então aí já mais institucionalmente exigentes e relevantes pertenças, ou comum associação, a potencialmente sobreponíveis esferas, entidades de interesse parceiro ou conflitual cerceamento da liberdade de consciência e de manifestação da mesma (que, também essas, deveriam ser democrática e transparentemente bem mais reguladas por Lei, num Estado de Direito que se prezasse!).

Todavia e por outro lado, vem isto hoje a Crónica de jornal por causa do que vi e ouvi com gosto numa recente edição do programa Bom Dia Açores, onde se deu justo e merecido destaque ao excelente trabalho desenvolvido pela Banda Lira Nossa Senhora da Estrela (http://www.liraestrela.com/) da freguesia da Candelária (ilha de S. Miguel), tal como o mesmo desempenho daquela Banda ficou exemplarmente revelado no seu Concerto de Ano Novo, executado sob a condução do maestro Pedro Alexandre Medeiros Pimentel e durante o qual igualmente actuou o Grupo Coral de Nossa Senhora das Candeias:

– Belo exemplo aquele, de empenho, esmero e qualidade musical, e de objectiva e notória promoção cultural, artística, social e cívica da nossa terra e da nossa gente (jovem, mormente)!

Porém identicamente, mas pelo reverso, triste sinal de lembrança me ficou de que alegadas “sensibilidades” (?) para a Cultura (na actual DRC – que verdadeiramente é incapaz de assumir um projecto de política cultural para e com o PS, e em algumas Autarquias, pasmosamente a tal alheias, com honrosas excepções – como Ponta Delgada e Ribeira Grande…), tantas e tão incautas vezes esquecem realmente muito do mais que importaria acarinhar, – gastando-se a diverso e esbanjando-se a trouxe-mouxe muito do que humanamente resiste e financeiramente há disponível (ou do que em dívida resta…) nas nossas comunidades e suas agremiações…

– Ora assim pouco de frutuoso fica semeado e menos ainda florescerá para o futuro sem os necessários e devidos apoios (concedidos porém alguns, e apesar de tudo, a determinados e descompassados clichés, tiques e toques em vago tom e estilo menor, amiúde para meros diletantismos delicodoces de bafiento salão, academia e confraria, ou então a efémeras artes, faenas e artimanhas em massificado palco e mero espectáculo, amiúde compadrinhadas ambas para mera e presumida “erudição” e deleite palacianos, ou para ditas expressões alternativas e chocalhadas electrónicas, ruidosas, violentas ou simplesmente vulgares (mas querendo passar por populares!), que por aí pululam em quase idêntica esterilidade festivaleira ou à base de choques, estocadas e shots para tanta da nossa atordoada e explorada juventude, ou da alienada e bandarilhada populaça eleitoral …).

– E o que aqui digo para o campo da Música, poderia igualmente, estender-se a outras áreas e artes (Teatro, Antropologia Cultural, Literatura, Pintura, Patrimónios Culturais e Históricos, Museologias e Arquivos Locais, Recolhas, Espólios e Coleccionismo Temático, Promoção Editorial e da Leitura, etc.), campos nem sempre pensados e integrados numa estratégia consistente, global e complementar de Educação, Cultura e Ciência para o nosso Arquipélago inteiro, e infelizmente às vezes sem prospectivas estrelas de sorte, sustentação projectiva ou reconhecido mérito à vista e para ouvidos atentos, ao contrário daquilo que tão digna e gratificantemente aquela Banda da Candelária paradigmaticamente bem soube incarnar, demonstrar e comprovar com mestria, dedicação e virtuosismo a todos os Açorianos!
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Publicado em "A União" (http://www.auniao.com/noticias/ver.php?id=26649), "Diário dos Açores" (15.1.2012), Azores Digital (http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2187&tipo=col)
e http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=24793&visual=9&layout=17&tm=41