sábado, abril 28, 2012

Ruturas e Esconjuros


De entre todas as variadas e díspares figuras de retórica, laudes de cobertura tácita e rejeição ou conivência face às hipotecas e tuteladas políticas governamentais do presente e ao infeliz e opressivo estado em que a nossa Nação caiu, e aonde cada dia que passa mais se afunda… – a par de outras tantas lamúrias, demagogias fáceis ou alternativos juízos verdadeiramente realistas, críticos e responsáveis que integraram, em maior ou menor estilo, conteúdo e florido tom, os discursos oficiais saídos do seio dos partidos com assento e parlatório na Assembleia da República e dali retransmitidos para todo o País –, mereceu destaque e inusitada busca de explicitação compreensiva e mediática a afirmação do atual líder da bancada socialista sobre a possibilidade do PS fazer “uma rutura democrática com quem baixar os braços”, com “quem ousar tentar destruir numa legislatura o que levou décadas a construir”, lá se adiantando ainda que os maiores adversários do 25 de Abril são “o saudosismo, o revivalismo ou o reviralho”, a “estagnação”, o “alheamento” e tudo o que daí decorreria como "captura ideológica ou idiossincrática"!

Ora a enunciação rutura democrática – e foi precisamente essa a frase que maior impacto então gerou – faz parte, desde há muito, de um paradigmático léxico político-jurídico e institucional, constituindo mesmo uma das expressões mais consagradas no discurso da Filosofia, da Economia e da Sociologia políticas e no processo prático da transição histórica para a Democracia de algumas sociedades europeias e latino-americanas, além de ter até constado do interrogante título de um conhecido livro do velho eurocomunista espanhol Santiago Carrillo e de um antigo documento estratégico do PSOE, ambos datados de ibéricos tempos idos (e quem sabe se vindouros…) de resistência e refundação sociopolítica, cultural e partidária…

– Mas, mesmo entre nós, a expressão não é inédita, nem antiga, nem sequer exclusiva do PS, porquanto ela foi, bem recentemente, usada também pelo PCP (em 2011) e por Francisco Louçã (em 2009). E talvez até devesse ser, urgentemente, reaplicada ainda à própria vida interna do Partido Socialista e às suas últimas e pouco honrosas heranças e lideranças nacionais!

Porém assim, embora com sentidos, alcances e objetivos diferentes, todos e cada um dos nossos partidos de esquerda, a seu modo e ciclicamente, vem reclamando por reais ruturas democráticas e tempos novos, – coisas e valores aliás bem necessários para esconjurar fatalidades e favas supostamente contadas na triste e resignada vida dos portugueses, enquanto tardam, neste Maio de giestas, outras e mais justas florações (esquecidas ou apenas adiadas no nosso País…).
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Publicado em:
“Diário Insular” (28.04.2012), "Diário dos Açores" (28.04.2012),
RTP-A: http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10