sábado, junho 09, 2012


Uma Diegese Discricionária
ou O Complexo de Salomé


Já depois de escrito e publicado o meu texto “As máscaras do Parlamento”, pude ler, no “Diário Insular” (03.06.2012) e no Facebook, um artigo de Luiz Fagundes Duarte (LFD), a quem eu havia nomeado devido a uma primeira apreciação crítica que ele expressara sobre o afastamento do Dr. Francisco Caetano Tomás (FCT) da lista de personalidades a serem honorificamente distinguidas pela ALRAA.
A história é bem conhecida em todos os seus momentos e torpes percursos – desde a Presidência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA) à conferência/comité dos líderes parlamentares – e consta de um imbróglio que levou a que, do primeiro e aprovado elenco de honorificáveis, o nome de Caetano Tomás – proposto pelo PSD, partido que integra também a Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho (CAPAT) da ALRAA e que depois viria, pusilânime e impudicamente, a retirar e deixar cair a sua própria proposta! –, acabasse assim por ser liminarmente saneado por todos os restantes partidos, devido a chantagens do BE e com argumentos baseados numa denunciada discordância doutrinal de FCT, – sendo pois e por isso que o citado ato político-parlamentar, por móbil de um tipificável delito de opinião, configurou um arbitrário julgamento condenatório, uma inadmissível punição cívica e uma censura global à pessoa, trabalho e méritos de toda uma longa vida e vasto currículo (conquanto ignorados (?) ou intencionalmente estigmatizados por alguns dos manietados, ingénuos ou ressabiados avaliadores inquisitoriais e comissários do nosso mui ilustrado e democratíssimo Parlamento…).
– Mas note-se que essa leviana censura pessoal e político-institucional assentou também, conquanto distorcidamente, em emblemáticas, fraturantes ou (até mesmo…) angulares causas e pautas eleitorais de certos círculos e tendências partidárias (verbi gratia nos complexos, duplos e parcialmente díspares fenómenos da Homossexualidade e no sempre indiscutivelmente traumático e criminoso caráter predatório de toda e qualquer forma de Pedofilia!), todavia querendo fazer-se parecer que esta última perversão (de facto e amiúde histórica, individual e institucionalmente encoberta em múltiplos setores!) não teria sido bem denunciada e repudiada, por FCT, em toda a sua coimplicada dimensão e profunda dramaticidade psicoexistencial e ontológica (efetivamente reais e que ninguém poderá negar, mas que ninguém, que se saiba, absolveu…), no aludido artigo de opinião publicado em “A União”, e isto – conceda-se aqui – devido a discutíveis, controversos e redutores delineamentos esquemáticos e categorias psicologistas que estruturam e determinam a particular conceção do aparelho psíquico, a fenomenologia do psiquismo, a sistemática diagnóstica e os modelos etiológicos, psicopatológicos, sociais, morais, terapêutico-comportamentais, e – por essa via – filosófica e cientificamente disputáveis, do quadro teórica e metodologicamente seguido pelo Dr. Caetano Tomás.
– Acontece porém, como o próprio LFD teve já oportunidade de certificar, que as suas primitivas leituras do caso mudaram e inverteram-se entretanto radicalmente, de modo que aquilo que começara por ser indignação pela reconhecida e condenada censura ao “Pai Tomás” – como ele apelida o octogenário sacerdote… – acabou por transformar-se, de repente, num espantoso disserto de encobrimento e justificação dos insólitos procedimentos dos tribunos regionais (com relevo para os do PSD e do BE) e, ainda por cima, através de uma violentíssima navalhada à idoneidade e às teorias da “cabeça do Pai Tomás”…
E é precisamente essa reviravolta e o conteúdo da novel trama argumentativa de LFD, devido ao seu mais duro e puro recorte discricionário e persecutório, que não posso deixar de repudiar vivamente, entre outras, pelas razões seguintes:
– LFD, para agora contraditar, quase retratando-se e subscrevendo (e, pelo revistos, mais supramente e em progressão geométrica até abonando) a vergonhosa atuação censória (por especial culpa do BE e do PSD) consumada pela ALRAA – que, essa, enquanto tal, não sei se continua ou não ainda (?) a ser vista segundo o mesmo antes ponderado juízo… –, foi citar uma Conferência daquele sacerdote, realizada na Praia da Vitória, mas fazendo-o a vesgo golpe de memória e com caprichosa torção do corpo diegético avocado, tanto mais quanto as frases e ideias supostamente expressas pelo Dr. Caetano Tomás constam de um texto escrito e do confluente contexto de uma exposição problematizadora, comentada à própria margem e com recurso a diversos gestos e figuras de estilo
Mas acontece ainda que essa Sessão “oficial” (como LFD fez sibilina questão em adjetivar), ocorrida em 2009 – não “há uns dois anos”, portanto – e à qual também assisti –, teve lugar no dia 1 de dezembro, na “Casa das Tias”, foi promovida pela Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), em parceria com a Câmara da Praia da Vitória, tendo o Orador convidado – por mim (como Delegado da SHIP nos Açores) – desenvolvido o tema A Restauração de Portugal à luz dos Factos Psicológicos da Atualidade Portuguesa.
É claro que do texto de LFD, subliminarmente intitulado “A cabeça do Pai Tomás” muito haveria a dizer, tanto pelo que nele pode retinir da obra antiesclavagista de Harriet Stowe (A Cabana do Pai Tomás), quanto pelo que poderia revelar a partir da análise de um hipotético Complexo de Salomé, ali em recalcada dança pulsional e com alguma espelhante bandeja sacrificial aonde se pedia, ou recomendava, a exposição (transfer psicanalítico?) da parte mesma – metaforizada, bem entendido… – de um corpo/órgão humano mentalmente decapitado ou a decapitar
– No entanto, não deixa de ser curioso que aquela imagem (“cabeça do Pai”) tenha sido acionada e retida, vá lá saber-se se em subconsciente e equívoca paráfrase de projeção ou mimética aplicação possível a vastos campos lexicais e semânticos da Moral e da Ética, ou conforme os paradigmas subjacentes a determinadas mitologias sociopoliticamente expiatórias, a outras possíveis categorias analíticas ou noutros registos narrativos, – tais os daquela história bíblica de Herodias, Salomé e João Batista… –, para já nem chegarmos às formas, não só simbólicas quanto tragicamente reais, de alguma da nossa modernidade concentracionária (desde antigas e aterrorizantes guilhotinas revolucionárias a sevícias e assassinatos, esses sim, precisamente vigentes em regimes fascistas e hitlerianos, e também intrínsecos aos gulags soviéticos ou maoistas e a ditaduras terceiro-mundistas, tal como, em escala variável, em todas as tentações, práticas e sistemas totalitários, – alguns deles que inspiraram, ainda bem perto de nós e formalmente, idênticos campos pequenos, ameaças de terror e condenação à morte física, psíquica, cívica e societária, por meras razões de dissidência, “desvio” intelectual ou direito à diferença de opinião, ideologia, credo, sexo, raça, religião, cultura e mesmo até por simples desalinhamento partidário
Quanto a tudo isto, porém, fiquemos por aqui, até porque, como LFD também saberá muito bem, sempre devemos estar todos bem atentos à forma como as repressões e as discriminações começam, porquanto nunca sabemos até onde é que os algozes e os mandantes serão depois capazes de ir!
– Agora, que as palavras postas na boca e na cabeça do Dr. Caetano Tomás possam corresponder a uma real enunciação apologética de verdades ortopráticas, ou pertencer a qualquer prédica legitimante da Pedofilia, lá isso não!
E surpreende-me e indigna-me bastante que uma pessoa com a proverbial e justamente honrosa estatura intelectual e académica do meu amigo Fagundes Duarte tenha sido capaz de chegar a tal extremo de deturpação política e conceptual de registos e níveis de discurso, enviesando não só a respetiva intencionalidade lógico-argumentativa quanto até os seus sentidos ideográficos, ainda abusivamente tão (mal) manipulados e depois iconograficamente mimados com a cancela e a chancela de Auschwitz
– E isto para nem falarmos das omitidas questões disciplinares, histórico-curriculares, científicas e letivas que marcaram, nas Faculdades, Institutos e Laboratórios, a progressiva especialização e a autonomização da Psicologia (escolar, vocacional, clínica, etc.), nomeadamente por relação à Filosofia e à Medicina (problema que fundamentalmente nasceu e entronca, ainda hoje, também numa disputa corporativa, técnico-profissional e histórico-científica sobre as requeridas habilitações formais para os respetivos exercícios, a par das sistemáticas e bem mais profundas discorrências críticas sobre a dimensão antropológico-cognitiva (e até linguística…), – enfim – especialmente desde Freud até Lacan, mas afinal ainda e pelo menos desde Aristóteles e até Jaspers, Frankl, Dolto, Frye, Bettelheim, Kristeva ou Ricoeur… (como LFD, ao contrário talvez de alguns dos nossos deputados insulares, tinha obrigação académica e cultural de não ignorar!), a par das deliberadas e indevidas confusões feitas entre trabalho/valor/ocupação/ócio infantil e trabalho infantil “forçado” (ou explorador do mesmo como mão de obra escrava ou barata); entre uma alegada (mas falsa) deteção de retórica apologética de Pedofilias predatórias em FCT e a sua concreta e diferenciada casuística individual, psicossocial, institucional e moral – só aí então como efetiva e possível (des)culpabilização generalizada e simultânea de algozes e vítimas (e/ou das suas induzidas ou causais conjunturas e estruturas motivantes conjuntas…), – para daí chegar-se até àquele medonho, retroativo e sistemático libelo impugnatório que sobre e contra toda a carreira profissional e exercício docente, competência disciplinar e científica, capacidade e idoneidade pedagógica e pastoral de FCT é lançado, vai um grande e arriscado arco, – e de tal modo que LFD chega, sem escrúpulo, a arremessar temerariamente isto ao Padre Caetano Tomás: – “com a agravante de se tratar de uma profissão que interfere com a saúde pública” (sic)!
Pior do que isso, francamente, nada poder-se-ia ter escrito, dito ou feito, nem sequer como cantiga de escárnio! Mas foi mesmo assim que LFD – tão ativo ex-deputado na era das lojecas partidárias do José Sócrates e em cuja qualidade, aliás, na altura, se deslocou à citada cerimónia na Praia da Vitória) –, lá foi para ouvir somente o que quis, como quis e aquilo que, passados estes anos, extravasa hoje como lhe dá jeito ou gozo. Ou então, igual a isso – embora, confiemos, já sem LFD nessa confraria – só a “informação” que, num outro mas similar misto de relatório biográfico e pidesco cadastro ideológico-político, em reincidente falta de fiabilidade e transparência, alguém (anonimamente, por enquanto…) colocou, au point, na entrada (denunciadamente corporativa…) de uma ficha da Wikipédia – que só se acredita lendo! – sobre o Padre Caetano Tomás…
– Todavia e por ora fecharei mesmo aqui a porta a tanta trafulhice, continuando todavia de pena pronta para o que der e vier, neste medíocre, perigoso, incerto, cínico e opressivo tempo! E sem cabeça a prémio, espero eu, livre e inteligentemente no devido lugar, com olhar atento e sorriso sereno e aberto, mas… sem chapéus de palha à moda, tão gémea nos seus extremos, da Cuba de Fidel Castro ou do Chile de Pinochet, nas redes e enredos da loucura desencabeçada e irresponsável da politiquice caseira!
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Em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 09.06.2012): http://www.diarioinsular.com/,
“A União” (Angra do Heroísmo, 09.06.2012): http://www.auniao.com/noticias/ver.php?id=28287,