sábado, junho 16, 2012

Os brasidos de Fahrenheit 451


Nascido no Illinois, em 1920, mas cedo tendo ido residir para Los Angeles, faleceu na passada semana o escritor norte-americano Ray Douglas Bradbury, autor de uma vastíssima obra – quase toda reunida em edições antológicas – e que inclui novelas, contos, peças de teatro, radiofónicas e televisivas, literatura infantil e ensaios sobre cultura, política e comunicação, além de adaptações cinematográficas nas quais participou como argumentista/guionista (nomeadamente do Moby Dick de John Huston, no Alfred Hitchcock Show ou em Twilight Zone de Rod Sterling).

Filho de uma imigrante sueca e de um guarda-fios, Ray Bradbury – que se  estreou na escrita ainda bastante novo, com a publicação de pequenos contos em revistas – manteve desde muito jovem um estreito e intenso contacto com a leitura e com a literatura, especialmente romances de aventura e ficção científica

Todavia, de entre as suas obras, maior notoriedade ganharam as famosas Crónicas Marcianas (1950) – que ele preferiu catalogar como de literatura fantástica – e a muito consagrada novela distópica Fahrenheit 451 (1953) – que o próprio entendeu classificar como sendo uma obra de ficção científica mas “baseada na realidade”, e que viria depois a ser passada ao cinema (por François Truffaut, em 1966) e encenada como ópera (em 1988).

– Apaixonado por Livros, Mitologia, História e inspiradoras Bibliotecas, mas sem nunca ter podido frequentar estudos superiores devido a dificuldades económicas, Ray Bradbury foi um escritor dotado de particular sensibilidade para as problemáticas da comunicação social, da partilha da informação e da liberdade de expressão, logo antecipando e denunciando, no que se aproxima de George Orwell e Aldous Huxley, muitas das questões críticas, ideológicas, político-militares e técnico-científicas que atravessaram a América da era McCarthy e que hoje povoam globalmente todos os universos mediáticos, virtuais, psicossociais e comportamentais do planeta.

Traduzido por Mário Henrique Leiria, com capa de Lima de Freitas, para a primeira edição portuguesa – que me recordo de ter adquirido na nossa saudosa Cooperativa “Sextante” –, Fahrenheit 451 – “the temperature at which book paper catches fire and burns” – constitui ainda agora (dir-se-ia até especialmente hoje!) uma assombrosa narrativa visionária sobre os perigos da repressão da Palavra e do Pensamento, da alienação unidimensional das Linguagens – como filosoficamente foi muito bem analisado por Herbert Marcuse –, da totalitária e violenta destruição da Memória e dos valores espirituais das grandes Civilizações, em paradigmáticas fogueiras censórias e inquisitoriais, ou na incendiária aniquilação concentracionária das consciências…
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Publicado em “Diário dos Açores” (17.06.2012): http://www.diariodosacores.pt/n/index.php/opiniao/1564-os-brasidos-de-fahrenheit-451;