O Golpe do Coelho
1. No vocabulário clínico, biomecânico
e da sinistralidade ortopédica e neurológica é usada a expressão “pancada ou
golpe do coelho” para denominar um grave
impacto (geralmente pela retaguarda, popularmente dito pelas costas ou no lombo,
e tecnicamente designado whiplash: à
letra, chicotada, choque, embate de chibata ou vergasta) e a eventualmente decorrente letal lesão cervical ou lombar que, na sequência desse violento golpe, é gerada com a desarticulação ou destruição de vértebras, desagregando-as, destroçando-as e podendo
assim até provocar o esmagamento profunda da própria medula espinal.
Ora –
conquanto sem culpa nenhuma dos mimosos e adoráveis bunnies domésticos, pascais ou outros que magicamente saem das
cartolas dos prestidigitadores… –, e pese embora a real carga arrepiante que a metáfora aqui lembrada contém (além da
efectiva praga que os ditos mamíferos
orelhudos podem às vezes consumar…), foi essa analogia, de entre muitas, aquela
que mais exactamente me ocorreu ao ler e cotejar selectos depoimentos – cinco ao todo, como os dedos diferenciados de uma mesma mão –, a
propósito das últimas medidas fiscais anunciadas pelo governo PSD/CDS-PP de
Lisboa & Troika…
Na verdade, as
antinómicas intervenções e os
respectivos conteúdos, exemplares cada um a seu modo – de Passos Coelho e Vítor
Gaspar, por um lado, e de Marcelo Rebelo de Sousa (na TVI), Pacheco Pereira (com
o notável artigo "A mudança do tempo político", no Público de 8 de Setembro) e Manuela Ferreira Leite (na sua excepcional
entrevista à TVI 24), por outro –, constituem outros tantos documentos preciosos
para a caracterização político-institucional, socioeconómica, crítico-ideológica
e ético-política dos cruciais e controversos tempos históricos que Portugal
dramática e agonicamente calcorreia, a modos de uma procissão de penitentes,
desfile de condenados ou coro de escravos…, porém quando já despontam ao final
da avenida as marchas da resistência e da justa revolta do Povo e da Nação!
– E tudo isto
é tanto mais espantoso quanto, para além daquilo que os restantes partidos unanimemente
condenaram com todo o fundamento (e mais tornaram a repudiar após a patética entrevista
do Primeiro Ministro à RTP), foi mesmo de dentro do PSD (nacional) e do CDS-PP
(nacional e regional açoriano…) que
se levantaram agora as mais altas vozes contra o descalabro político e a hecatombe
social com que a incompetência, imaturidade, insensibilidade, casmurrice,
autismo e fraudulenta retórica e prática do (des)governo de Coelho e Portas
golpearam Portugal e os Portugueses.
Mas isto é
também uma boa lição para quem aparou todas as irresponsabilidades de antigas e execráveis lideranças
políticas, ou ainda lhes venera a miserável memória dentro do Partido
Socialista – cuja história e nobreza de ideais ao serviço de Portugal e da
Democracia, felizmente, estão muito para além da vulgaridade interesseira de
alguns daqueles que dele famigerada e conjunturalmente se serviram – e amiúde ainda
se servem! – para desonra ou hipoteca de nós todos…, o que aliás explica muitas
das conhecidas relações turbulentas de
tantos e tantos Socialistas verdadeiros e sérios com o seu e nosso partido, como
quando o PS estiolou e se afundou sob a regência de medíocres sofistas,
oportunistas encartados ou expeditos carreiristas!
– E depois,
finalmente, é por isto mesmo que também sempre senti, como escrevi antes e posso
novamente subscrever hoje, as límpidas e corajosas palavras do meu velho e
estimado amigo e camarada José Medeiros Ferreira sobre um tal de Sócrates e o
seu pesado e obscuro legado nacional e partidário: – “Nunca o apoiei. […] Não
fazia parte da minha cultura política. Uma diferença de natureza”!
2. Agora, e postas as coisas no decisivo
e esclarecido ponto em que estão após a autêntica ameaça que as opções do PSD/CDS-PP
acrescida e comprovadamente representam para o País inteiro, mais importante
então será garantir uma alternativa vitória
nos Açores, de modo a ser dada aqui, simbólica e estrategicamente também e por
este meio democrático, mais um sinal de
resistência e uma firme voz de
protesto – uma espécie de convocatória
cívica – para regeneração urgente, retoma da esperança, desenvolvimento
justo e gradual libertação de todos os Portugueses, em novos moldes…
De facto e
neste contexto, caberá aos Açores desempenhar e cumprir um duplamente exigente papel:
– Vencer os
partidos que suportam e se suportam (n)o actual governo reaccionário, insensato
e discricionário de Lisboa, e assegurar, com generosidade, solidariedade, humildade,
seriedade e transparência, uma nova etapa e o relançamento de um modelo efectivo
e sustentável de desenvolvimento integral,
isto é, de crescimento económico, de emprego, de equilíbrio financeiro, de
empreendimentos produtivos e rentáveis, de promoção humana e cultural
sistemáticas, de aplicação criativa e de valorização prioritária do trabalho,
da saúde, da educação e da justiça social e fiscal – enfim –, do possível,
necessário e merecido para uma vida mais digna, mais próspera, mais culta e
mais feliz para os Açorianos, através da reafirmação efectivamente renovadora
de valores e dos ideais da nossa identidade pessoal e colectiva, na construção
de uma confluente Autonomia progressiva!
Todavia tal
desiderato não poderá, evidentemente, deixar de atender auto-criticamente aos recorrentes
falhanços institucionais, programáticos e individuais de sucessivas
governações, bancadas e governanças, reequilibrando finanças, pagando dívidas,
acertando contas, saneando e corrigindo vícios, gerindo e aproveitando virtudes,
e chamando os melhores para pensar e dialogar, dirigir e administrar com
consciência e mãos limpas o que é de todos e o Bem Comum, sem tentações de
vender almas ao diabo e a palavra aos açaimes, e sem corromper, por abastardamento
violento ou alienante, ou com tratamentos de choque mortal, todo o corpo societário
e moral da nossa sociedade, já de si tão vulnerável, empobrecida, confusa,
amedrontada, descrente e ferida por tantos (suicidários, intencionais ou incautos,
vergonhosos e quase identicamente patéticos) golpes de coelho…
3. Entretanto e já depois de escrita uma primeira parte deste artigo (14 de Setembro), tiveram lugar as mais do que expressivas,
impressionantes e gigantescas manifestações populares nacionais contra a
política do governo de Passos Coelho (que falam por si!), a par da continuação
das já esperadas ou previsíveis e
consabidas tomadas de posição por parte dos partidos, parceiros e formações
sociais, das quais é justo salientar o exercício de equilíbrio
político-partidário (com algum denunciado mas notável e controlado malabarismo
à mistura…) de Paulo Portas, e bem assim os reacendidos argumentos de Manuela
Ferreira Leite (no jornal i do dia
15) e de Vítor Bento (em entrevista à TVI).
Quanto a esta
última intervenção, mesmo sem entrarmos de pleno em âmbitos fundamentais e
próprios da Filosofia Política, ou logo em questões
ideológicas (conquanto estas nunca possam ser escamoteadas nas respectivas funções e escalas!), deve ser dito aqui
que muitas das suas reflexões, vindas aliás na linha de abordagens prévias (v.g.
em http://www.youtube.com/watch?v=TaXilMs8250&feature=related),
já haviam sido feitas anteriormente também por outros, embora com variantes de
discurso e argumentos.
– De qualquer
modo, como seria de aguardar de um Economista tão sério, ponderado e
consciencioso como Vítor Bento, é sempre bom repensar, frontalmente e sem falsificações iníquas, as doenças do
País, o remédio e o seu sucedâneo, como ele diz… Coisa que
Passos Coelho, infeliz, irresponsável e incompetentemente, não soube, nem nunca
certamente saberá fazer nem transmitir!
De resto,
muitas das questões teóricas e práticas, quase todas afinal as aqui abordadas,
andam irrecusavelmente centradas naquilo que na obra Economia, Moral e Política (Lisboa, FFMS, 2011) vem assumido assim:
– “Como se
poderá verificar […], sustento, nomeadamente, que a Economia, enquanto estudo
da realidade ou, mais propriamente, do comportamento humano relacionado com a
actividade económica, é uma ciência positiva e, como tal, (praticamente)
autónoma de considerações morais. Mas que a economia, enquanto actividade
humana, funciona sempre em contextos morais. E que toda a acção que visa
influenciar o funcionamento da economia, ou mesmo os juízos formulados sobre
esse funcionamento e os seus resultados, são, sempre e por natureza, moralmente
orientados e dependentes da escala de valores morais de quem julga ou de quem
age (ou quer agir). E que uma tal acção pertence, também por natureza, à
Política.
“ […] É claro
que, quanto mais diversas foram as escalas dos intervenientes, mais difícil
será a eficácia da acção política, quer se trate da sua formulação, quer se
trate da sua concretização. Por isso, as sociedades que melhor conseguem
articular o seu funcionamento e a sua acção política são aquelas em que é
possível criar consensos morais para a acção política”…
– Lúcidas e
prudentes palavras estas para os perigosos e abismais dias que correm, aonde,
na inversão exacta da expectável e
paciente ordem das coisas, dos valores e dos sacrifícios, quiseram vender lebre por gato a todo um adiado e agora revolto País …
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Em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada,
16.09.2012);
Azores Digital:
“Diário Insular” (Angra do
Heroísmo, 18.09.2012):
RTP-Açores:
e Networked Blogs: