sábado, setembro 15, 2012

O Golpe do Coelho




1. No vocabulário clínico, biomecânico e da sinistralidade ortopédica e neurológica é usada a expressão “pancada ou golpe do coelho” para denominar um grave impacto (geralmente pela retaguarda, popularmente dito pelas costas ou no lombo, e tecnicamente designado whiplash: à letra, chicotada, choque, embate de chibata ou vergasta) e a eventualmente decorrente letal lesão cervical ou lombar que, na sequência desse violento golpe, é gerada com a desarticulação ou destruição de vértebras, desagregando-as, destroçando-as e podendo assim até provocar o esmagamento profunda da própria medula espinal.

Ora – conquanto sem culpa nenhuma dos mimosos e adoráveis bunnies domésticos, pascais ou outros que magicamente saem das cartolas dos prestidigitadores… –, e pese embora a real carga arrepiante que a metáfora aqui lembrada contém (além da efectiva praga que os ditos mamíferos orelhudos podem às vezes consumar…), foi essa analogia, de entre muitas, aquela que mais exactamente me ocorreu ao ler e cotejar selectos depoimentos – cinco ao todo, como os dedos diferenciados de uma mesma mão –, a propósito das últimas medidas fiscais anunciadas pelo governo PSD/CDS-PP de Lisboa & Troika…

Na verdade, as antinómicas intervenções e os respectivos conteúdos, exemplares cada um a seu modo – de Passos Coelho e Vítor Gaspar, por um lado, e de Marcelo Rebelo de Sousa (na TVI), Pacheco Pereira (com o notável artigo "A mudança do tempo político", no Público de 8 de Setembro) e Manuela Ferreira Leite (na sua excepcional entrevista à TVI 24), por outro –, constituem outros tantos documentos preciosos para a caracterização político-institucional, socioeconómica, crítico-ideológica e ético-política dos cruciais e controversos tempos históricos que Portugal dramática e agonicamente calcorreia, a modos de uma procissão de penitentes, desfile de condenados ou coro de escravos…, porém quando já despontam ao final da avenida as marchas da resistência e da justa revolta do Povo e da Nação!

– E tudo isto é tanto mais espantoso quanto, para além daquilo que os restantes partidos unanimemente condenaram com todo o fundamento (e mais tornaram a repudiar após a patética entrevista do Primeiro Ministro à RTP), foi mesmo de dentro do PSD (nacional) e do CDS-PP (nacional e regional açoriano…) que se levantaram agora as mais altas vozes contra o descalabro político e a hecatombe social com que a incompetência, imaturidade, insensibilidade, casmurrice, autismo e fraudulenta retórica e prática do (des)governo de Coelho e Portas golpearam Portugal e os Portugueses.

Mas isto é também uma boa lição para quem aparou todas as irresponsabilidades de antigas e execráveis lideranças políticas, ou ainda lhes venera a miserável memória dentro do Partido Socialista – cuja história e nobreza de ideais ao serviço de Portugal e da Democracia, felizmente, estão muito para além da vulgaridade interesseira de alguns daqueles que dele famigerada e conjunturalmente se serviram – e amiúde ainda se servem! – para desonra ou hipoteca de nós todos…, o que aliás explica muitas das conhecidas relações turbulentas de tantos e tantos Socialistas verdadeiros e sérios com o seu e nosso partido, como quando o PS estiolou e se afundou sob a regência de medíocres sofistas, oportunistas encartados ou expeditos carreiristas!

– E depois, finalmente, é por isto mesmo que também sempre senti, como escrevi antes e posso novamente subscrever hoje, as límpidas e corajosas palavras do meu velho e estimado amigo e camarada José Medeiros Ferreira sobre um tal de Sócrates e o seu pesado e obscuro legado nacional e partidário: – “Nunca o apoiei. […] Não fazia parte da minha cultura política. Uma diferença de natureza”!
                                              

2. Agora, e postas as coisas no decisivo e esclarecido ponto em que estão após a autêntica ameaça que as opções do PSD/CDS-PP acrescida e comprovadamente representam para o País inteiro, mais importante então será garantir uma alternativa vitória nos Açores, de modo a ser dada aqui, simbólica e estrategicamente também e por este meio democrático, mais um sinal de resistência e uma firme voz de protesto – uma espécie de convocatória cívica – para regeneração urgente, retoma da esperança, desenvolvimento justo e gradual libertação de todos os Portugueses, em novos moldes…

De facto e neste contexto, caberá aos Açores desempenhar e cumprir um duplamente exigente papel:

– Vencer os partidos que suportam e se suportam (n)o actual governo reaccionário, insensato e discricionário de Lisboa, e assegurar, com generosidade, solidariedade, humildade, seriedade e transparência, uma nova etapa e o relançamento de um modelo efectivo e sustentável de desenvolvimento integral, isto é, de crescimento económico, de emprego, de equilíbrio financeiro, de empreendimentos produtivos e rentáveis, de promoção humana e cultural sistemáticas, de aplicação criativa e de valorização prioritária do trabalho, da saúde, da educação e da justiça social e fiscal – enfim –, do possível, necessário e merecido para uma vida mais digna, mais próspera, mais culta e mais feliz para os Açorianos, através da reafirmação efectivamente renovadora de valores e dos ideais da nossa identidade pessoal e colectiva, na construção de uma confluente Autonomia progressiva!

Todavia tal desiderato não poderá, evidentemente, deixar de atender auto-criticamente aos recorrentes falhanços institucionais, programáticos e individuais de sucessivas governações, bancadas e governanças, reequilibrando finanças, pagando dívidas, acertando contas, saneando e corrigindo vícios, gerindo e aproveitando virtudes, e chamando os melhores para pensar e dialogar, dirigir e administrar com consciência e mãos limpas o que é de todos e o Bem Comum, sem tentações de vender almas ao diabo e a palavra aos açaimes, e sem corromper, por abastardamento violento ou alienante, ou com tratamentos de choque mortal, todo o corpo societário e moral da nossa sociedade, já de si tão vulnerável, empobrecida, confusa, amedrontada, descrente e ferida por tantos (suicidários, intencionais ou incautos, vergonhosos e quase identicamente patéticos) golpes de coelho

           
3. Entretanto e já depois de escrita uma primeira parte deste artigo (14 de Setembro), tiveram lugar as mais do que expressivas, impressionantes e gigantescas manifestações populares nacionais contra a política do governo de Passos Coelho (que falam por si!), a par da continuação das já esperadas ou previsíveis e consabidas tomadas de posição por parte dos partidos, parceiros e formações sociais, das quais é justo salientar o exercício de equilíbrio político-partidário (com algum denunciado mas notável e controlado malabarismo à mistura…) de Paulo Portas, e bem assim os reacendidos argumentos de Manuela Ferreira Leite (no jornal i do dia 15) e de Vítor Bento (em entrevista à TVI).

Quanto a esta última intervenção, mesmo sem entrarmos de pleno em âmbitos fundamentais e próprios da Filosofia Política, ou logo em questões ideológicas (conquanto estas nunca possam ser escamoteadas nas respectivas funções e escalas!), deve ser dito aqui que muitas das suas reflexões, vindas aliás na linha de abordagens prévias (v.g. em http://www.youtube.com/watch?v=TaXilMs8250&feature=related), já haviam sido feitas anteriormente também por outros, embora com variantes de discurso e argumentos.

– De qualquer modo, como seria de aguardar de um Economista tão sério, ponderado e consciencioso como Vítor Bento, é sempre bom repensar, frontalmente e sem falsificações iníquas, as doenças do País, o remédio e o seu sucedâneo, como ele diz… Coisa que Passos Coelho, infeliz, irresponsável e incompetentemente, não soube, nem nunca certamente saberá fazer nem transmitir!

De resto, muitas das questões teóricas e práticas, quase todas afinal as aqui abordadas, andam irrecusavelmente centradas naquilo que na obra Economia, Moral e Política (Lisboa, FFMS, 2011) vem assumido assim:

– “Como se poderá verificar […], sustento, nomeadamente, que a Economia, enquanto estudo da realidade ou, mais propriamente, do comportamento humano relacionado com a actividade económica, é uma ciência positiva e, como tal, (praticamente) autónoma de considerações morais. Mas que a economia, enquanto actividade humana, funciona sempre em contextos morais. E que toda a acção que visa influenciar o funcionamento da economia, ou mesmo os juízos formulados sobre esse funcionamento e os seus resultados, são, sempre e por natureza, moralmente orientados e dependentes da escala de valores morais de quem julga ou de quem age (ou quer agir). E que uma tal acção pertence, também por natureza, à Política.

“ […] É claro que, quanto mais diversas foram as escalas dos intervenientes, mais difícil será a eficácia da acção política, quer se trate da sua formulação, quer se trate da sua concretização. Por isso, as sociedades que melhor conseguem articular o seu funcionamento e a sua acção política são aquelas em que é possível criar consensos morais para a acção política”…

– Lúcidas e prudentes palavras estas para os perigosos e abismais dias que correm, aonde, na inversão exacta da expectável e paciente ordem das coisas, dos valores e dos sacrifícios, quiseram vender lebre por gato a todo um adiado e agora revolto País …


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Em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 16.09.2012);
Azores Digital:
“Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 18.09.2012):
RTP-Açores:
e Networked Blogs:


Regressos à Escola


Com o início do ano escolar regressam estudantes e professores às suas labutas, deixadas para trás as férias grandes, com saudosos dias de praia e campo, noites (ou noitadas…) de Verão, amores e desamores estivais de um tempo cujo ritmo apenas se deixa medir pelo brilho solar ou pelo envolvimento enluarado do sonho, da viagem, das batidas e passos livres do olhar, do corpo e da alma, pelos mais reais ou imaginários caminhos e atalhos da terra e das suas simbólicas matérias ou físicas paragens, e dos céus e das mais variadas leituras, geografias e poéticas, numa proporcionada conjugação de Clássicos, Modernos e Contemporâneos (Calvino, Borges, Onfray, Lévi-Strauss ou Theroux, ao lado de Camões, Mendes Pinto, Pessoa, Saramago, Aquilino, Alçada, Garrett ou Nemésio, entre tantos outros, para peregrinações distantes ou interiores, e regressos de mundos outros ao quintal da casa…).

Entre nós, a estação que agora declina a par dos dias que encurtecem, ficou como sempre marcada pelos cíclicos festejos, correrias e corridas de gente e toiros – festas e folguedos (profanos e religiosos cada vez mais híbridos!) – por estas ilhas fora e em quase todas as freguesias, paróquias e lugarejos da Terceira.

– E depois ainda as célebres e celebradas Sanjoaninas e as Festas da Praia articuladas com renovados roteiros inter-ilhas e encadeados Festivais de mochila, tenda, chinelo e demais apetrechos para dormir ou apenas superficialmente passar pelas brasas de esquivas rêveries, talvez em busca de um tempo já perdido ou ainda para chegar das brumas de uma crise que a todos atinge e reflexamente condiciona…

Porém regresso à Escola são também, cruamente, livros caros, mega-escolas contra freguesias e comunidades locais (“pólos de desenvolvimento”, qual o quê!?), desemprego ou desmotivação de professores e famílias inteiras, desadequação de programas, indisciplina, sobrelotação e miscigenação etária corrosivas, proliferação de droga, horários saturantes, subculturas reinantes e preguiças de estudar, aprender e ensinar!

– Assim, o resto e o que nos resta é só mesmo a Esperança, igual à alegria dos desenhos das crianças no quadro negro da Escola que os vai receber, sabe Deus como…
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