A Honra das Casas
Foi recentemente disponibilizada
em vários novos sítios da Internet (nomeadamente em https://www.facebook.com/HistoriaDosAcores)
uma magnífica Colecção de Fotografias de Casas Rurais terceirenses, inventariadas
e avaliadas para eventual ou efectivamente concretizada demolição pelas forças britânicas
da Royal Air Force (RAF) estacionadas na Base das Lajes durante a II Guerra
Mundial.
O principal divulgador desta exposição
nas redes sociais daquele precioso acervo
histórico-documental – conforme deve ser devidamente indicado – é um
cidadão terceirense (José Carlos Tristão), natural das Lajes e presentemente a
viver nos Estados Unidos (Tracy, Califórnia), que refere, na sua página do
Facebook (disponível em https://www.facebook.com/jose.c.tristao?fref=ts)
tê-lo recolhido do “Sr. Ramalhinho das Lages”, mais informando ainda que as
fotos, de “autor desconhecido”, foram digitalizadas pelo “Doutor Paim”.
Todavia, fazendo aqui um parênteses
nosso, é de assinalar, mais rigorosa e apuradamente, que as referidas imagens
pertenciam originariamente a álbuns ingleses – deixados em arquivos portugueses
da Base das Lajes – que foram, felizmente, recolhidos por Francisco Martins
Aguiar (o “Sr. Ramalhinho”), quando iam provavelmente já a caminho de alguma imprevidente
e abusiva destruição na lixeira…
– Mais tarde, como sabemos, foram
esses álbuns emprestados à RTP-Açores,
onde foram digitalizados por recomendação do médico e nosso saudoso amigo Dr.
Adriano Paim de Andrade, e por intermédio de quem, finalmente, chegaram outras
cópias a José Carlos Tristão, seu empenhado e diligente último divulgador, como
vimos.
Ora as imagens das reveladas
construções (a preto e branco, com sépia nas rotulagens apensas) que constam dos
belos retratos, foram praticamente todas captadas durante os anos de 1944 e 45,
apresentando-se na sua maioria anotadas e datadas (algumas com indicação do dia
e mês).
– Por outro lado e em conjugação,
registando também muitas das fotografias a identificação dos proprietários dos
prédios e a respectiva localização geográfica, é assim possível, a partir dos
respectivos registos, mapear o perímetro dos terrenos aonde as referidas habitações,
ou simples moradias e guaritas, estavam implantadas, a saber: as áreas
envolventes e cercanias laterais e de enfiamento da futura (actual) Base Aérea
das Lajes, na altura a ser construída precisamente nos terrenos daquela nossa
gente do Ramo Grande…
E é assim que os prédios, a
cujo levantamento geo-cadastral e destruição patrimonial os ingleses procederam
após o seu desembarque com armas e bagagens na ilha Terceira (em 1943), se
situam identificadamente em zonas, ruas e canadas da freguesia das Lajes (sempre
ortografada “Lages”), Serra das Lajes, Santa Luzia, Juncal, Santa Rita e Serra
da Praia, sendo – enfim… – que os respectivos donos ou moradores (pelo menos os
daquelas propriedades que acabaram demolidas e das quais os donos foram
forçosamente desalojados ou se viram desapossados) – acabaram depois por ser realojados
em novos bairros circunvizinhos e ali criados em redor da gigantesca pista de
asfalto então em implacável e imperioso crescimento administrativo-militar e político-diplomático,
– num beligerante takeover da “moda
da gasolina” que “Secou o trigo do chão”, e do “avião da carreira/ Carregadinho
de bombas”, “Dando nicões de aço fino, / Traques de fogo de guerra!”…
Voltarei certamente – como já o
fiz noutras abordagens mais académicas e várias vezes antes – a falar desta
colectânea documental e do seu valor histórico-político, antropológico-cultural
e sociológico, cujas virtualidades temáticas e de leitura científica e
multidisciplinar são imensas!
– Mas, para já, o que aqui deixo
é somente um convite para que o leitor observe, sinta e reflicta bem e a fundo na verdade dramática e
inspiradora da importância memorial e projectiva da existência e destruição
real e simbólica daquelas casas, e das almas e corpos que as rondaram em vida e
simbolicamente povoam o nosso imaginário, na certeza do vasto e responsabilizante
significado histórico-político, social, cultural e moral que ainda hoje tem para
os nossos Açores, para a Terceira, para a Praia da Vitória, para a trémula
soberania nacional e… para as tantas vezes alienadas honras de Portugal!
Publicado em Azores Digital: http://www.azoresdigital.com/,
e “Diário dos Açores”, Ponta
Delgada, 10.02.2013.
Outra versão em “Diário Insular”
(Angra do Heroísmo, 10.02.2013).