sexta-feira, março 29, 2013


Da Narrativa dos Embustes
aos Embustes da Narrativa


Num famoso estudo sobre as estruturas, formas, estilos, idiolectos, dinâmicas expressivas e significados dos actos de fala individuais e linguagens comunitárias do quotidiano – tal como vividos, estratificados e transformados por falantes da cidade de Nova York (cf. Le parler ordinaire: La langue dans les ghettos noirs des Etats-Unis) –, o conhecido sociolinguista William Labov definiu narrativa como um processo ou método de recapitulação representativa, ou recontagem evocativa de experiências passadas, consistindo em fazer (ou procurar fazer…) corresponder a uma série de eventos ou factos (supostamente reais) uma sequência de proposições ou afirmações verbais sobre os mesmos…

– E idêntica definição de narrativa, em termos mais sintéticos, também é dada no Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa como sendo a “acção de contar, de relatar oralmente ou por escrito um ou mais acontecimentos”, tal como num texto “em que se conta um facto ou uma sucessão de factos reais ou imaginários que decorrem num espaço e tempo determinados e em que intervêm personagens”.

Ora, como é sabido, este termo “narrativa” e o respectivo conceito – tal como os seus próximos “discurso”, “história”, “estória”, “relato” e “conto”, ou apenas fala ou conversa (às vezes fiada, confiada, de treta ou xaxa…) – circulam hoje nos mais variados vocabulários e domínios académicos, científicos, sociais, humanos e comunicacionais, tendo até – veja-se agora… –, acabado de ganhar um inusitado e desinibido, conquanto quase repetitivamente compulsivo uso, no discreteador arrazoado televisivo do nosso novel mestre engenheiro, ex-PM do PS e fresquinho e engatilhado “comentador” da TV tutelada por essa outra e gémea fina cabeça da vigente governança de Portugal, que dá pelo viçoso nome de Miguel Cassola Relvas!


– Claro que esse tal de Pinto de Sousa tinha (e tem!) o direito de falar e defender-se aonde e como bem entender, ou generosa, democrática e piedosamente lhe consentirem em palco (ou cadafalso…) adequados para tal contra-narrativa, mesmo que apenas pro bono remoendo (ou tentando retoricamente desconstruir...) os ossos (com tutanos envenenados?) que lhe atirarem à mesa, à banca ou à cara, sabe-se lá com que reais intenções próprias ou coniventes e estratégicas parcerias, a talho de foice ou retalho de setas…

Porém, caberá aos cidadãos dignos, atentos e vacinados continuar a tentar distinguir a mais afoita e ressabiada narrativa dos ditos embustes, de todo o mais denunciado e ainda impune embuste daquelas narrativas…


– E certamente não deixarão de o fazer a seu devido tempo e por maioria de razão patriótica e cívica, para além da teia de injusta servidão, enganos e traficâncias sistemáticas em que o nosso País desde há muito se deixou cair, por mão de falsários de carreira, menoridades recorrentes, mediocridades político-partidárias e a mais vil, acobardada e explorada alienação das vontades e das consciências pessoais e colectivas de que há memória recente na nossa infeliz e decadente Pátria!

28.03.2013 
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Os Sinais da Escrita:
Azores Digital:
RTP-Açores:
Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 31.03.2013),
e Jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 02.04.2013).

sexta-feira, março 22, 2013


Mentes Vazias e Buchos Impantes


Os últimos debates e despiques mantidos, a par das rocambolescas e virulentas cenas ocorridas na Assembleia Regional, a propósito do rendimento escolar dos estudantes açorianos – e a relação que todo esse processo de aprendizagem e desempenho dos nossos alunos possa ter (como é mais do que sabido que efectivamente também tem!) com a problemática dos hábitos de alimentação e das respectivas e integrantes possibilidades e práticas de nutrição (*) –, vieram não só pertinentemente trazer a lume como, para além disso e muito lamentavelmente, ainda acabaram por permitir fazer descambar tudo aquilo para uma pré-arruaça e um rasteiro bate-língua de taberna ou caserna…


 E isto apesar da seriedade do tema ter podido constituir uma boa oportunidade para, uns e outros, terem mostrado mais dignidade, competência, compostura e até mesmo alguma exigível fidelidade ideológica e ética perante fenómenos e factos indesmentíveis (conquanto complexos) e princípios e valores intocáveis, cujo esquecimento ou falsificação não deveriam, em circunstância alguma, ter sido tão levianamente minorados, escamoteados e instrumentalizados de parte a parte!

– Entretanto, quase à mesma hora, insolitamente, lia-se no DN que o secretário-geral do PS acabara de expressar a sua preocupação com o estado de subnutrição com “que chegam muitas crianças” aos estabelecimentos de ensino e com uma escola pública “que reproduz desigualdades sociais”, confessando, lá fora e cheio de sensibilidade nacional…, assim:

“Naturalmente que fico muito preocupado com o estado em que muitas crianças chegam às escolas no que diz respeito às condições de nutrição, (...) sobretudo à segunda-feira”, algo que “não deveria acontecer”, sublinhou o líder do PS no final de uma reunião com professores na Marinha Grande, referindo-se a situações relatadas pelos docentes durante o encontro…


– De resto e por cá, talvez não tivesse sido despiciendo de todo que ali na Assembleia Regional se houvesse feito uma destrinça minimamente científica e socialmente fundamentada entre fome e má nutrição, e bem assim uma outra, justa e politicamente coerente distinção crítica, nomeada e comprovadamente já estudada e articulável, entre desenvolvimento cognitivo, subalimentação, pobreza, exclusão, sistema e organização escolar, estruturas socioeconómicas e familiares, condicionantes psico-comportamentais, educação para a saúde, assistência e segurança social... E que, de todos daqueles algariados, susceptíveis e enfatuados actores parlamentares, seria de esperar toda uma alternativa discorrência coordenada de prudentes discursos, real e empírico conhecimento de causa, tecnicamente sustentados diagnósticos e consequentes acções estratégicas!

– Porém, quanto a sensibilidades mais ou menos patológicas, para o mais que apeteceria socioeducativa e politicamente recordar, que ficassem lá com elas apertadas, mas não de mentes vazias e buchos impantes…


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(*) Veja-se, por exemplo, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=dL2KG4cNTK4
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Publicado em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/;
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10;
Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 24.03.2013).
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 23.03.2013).

sexta-feira, março 15, 2013


O Território dos Riscos

As novas calamidades e prejuízos que fustigaram os Açores não poderão continuar a deixar de suscitar uma ampla e crítica reflexão com vista à indeclinável e inadiável implementação de medidas práticas, apesar de alguns passos nesse sentido terem sido dados pelo Governo, por Autarquias Locais e pela pressurosa Oposição que temos…

Ora, apesar da violência e características das tempestades que se abateram sobre as nossas ilhas terem atingido dimensões imprevisíveis (?) e inusitadas, a verdade é que algumas das suas consequências, ou parte delas – infelizmente, desta feita, com perdas de vidas humanas! –, talvez pudessem ter sido evitadas, ou sequer minoradas, caso tivessem sido cumpridas leis, normas e procedimentos precaucionais que são imperativos em áreas da governação e da administração que deveriam estar coordenada e complementarmente implicadas em domínios que envolvem logo e sobremaneira Ambiente, Ordenamento do Território, Obras Públicas, Agricultura e Florestas, Saneamentos e Protecção Civil.




Por outro lado e intrinsecamente relacionada com esta problemática, está toda uma vertente técnico-científica, reguladora, orientadora, pedagógica e fiscalizadora que entronca em cheio nas interdisciplinaridades próprias dos Estudos, Geografias, Cartografias e Gestão de Riscos, – territórios estes há já demasiado tempo deixados ao Deus-dará, esquecidos, não fiscalizados ou à sombra de muitos entulhos, alheamentos, ignorâncias, incompetências, irresponsabilidades e impunidades que recorrentemente enlameiam sectores chave da sociedade, com agentes, actores e decisores apenas a fazer de conta que trabalham, enquanto vão, quais olheiros néscios, contabilizando as pouco mais que mercenárias comissões de serviço para aonde foram imerecidamente alcandorados, com evidentes e irreversíveis penalizações e desgraças sistemáticas para todos!

– Novas palavras, para quê? Um texto, quase integralmente idêntico a este (*), foi mesmo aqui cá publicado nos dias 19 e 20 de Maio de 2012...
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(*) Cf. http://sinaisdaescrita.blogspot.pt/2012/05/territorios-de-risco.html
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Publicado em RTP-Açores:
Azores Digital:
Jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 16.03.2013),
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 17.03.2013).