quarta-feira, maio 29, 2013


CARTA NOVÍSSIMA
para Daniel de Sá
(1944-2013)


Meu caro Daniel,

1. Estava a contar os dias que faltavam para nos encontrarmos de novo, porém ainda por cá onde tanto demandámos e pensámos os Novíssimos da Ilha, e por entre tantas palavras, sonhos e arroubos, alguns apenas nominalistas, outros escatológicos, visionários ou retóricos como os do nosso amado Padre António Vieira, – quem sabe se ele lá contigo nesta hora, ou tu com ele, fora desta temporalidade, noutro púlpito resistente e perpétuo, ou na Luz do Corpo Místico que ele, apocalíptico, também paradigmaticamente evocou, à beira do Abismo aonde toda a Terra treme, clama e desponta, na aurora do Dia Novíssimo, para a Última Resposta…

… Estava eu a desfiar esse rosário de expectativas – ia a dizer-te –, meu caro Daniel, para querer continuar os nossos diálogos, quando me chegou de rompante a notícia da tua súbita e derradeira partida para o mais fundo, distante e todavia próximo dos silêncios!

– E num instante, então, agora, assim, tão devagar no sobressalto, perdemos ambos a acalentada confiança que tão fraternalmente tinhas expressado naquela bela narrativa do teu último périplo terceirense, quando dizias – naquele modo que os dois bem em cumplicidade antiga e na verdade logo percebemos e acordámos – gostar de “conversar longamente com o Eduardo Ferraz da Rosa. Da sua escrita e da sua amizade com Nemésio.

“Da escrita, perguntar-lhe se ele exercita nela conscientemente, ou por acaso, o que me parece ser um exemplo prático da Fenomenologia de Husserl. É que eu leio o que o Eduardo escreve, e crio uma ideia do que as palavras significam. Mas depois volto às palavras para verificar se essa ideia de facto lhes corresponde. E, parafraseando aquela que, por amor e necessidade, é a pessoa mais indispensável da minha vida, dir-lhe-ia que, se Nemésio tivesse estudado mais, não teria tido tempo para aprender tanto. Não nos haveria deixado, portanto, um livro quase esquecido, uma torrente de cultura, como é o ‘Jornal do Observador’. Nem, provavelmente, o ‘Mau Tempo no Canal’, porque, fosse ele mais aplicado nos estudos e mais paciente com os professores, e não iria parar à Horta para obter um diploma com a mesma classificação do de João de Deus na Universidade”…

Ora é para isso, e como se estivéssemos os dois finalmente sentados frente a frente e a ver o nosso mesmo Mar, que tão gratamente quis recolher, evocar e citar neste dia as tuas palavras, Daniel, porém logo também para devolver-tas com outras, as minhas, de outrora – mas agora para sempre relidas e refeitas, ou futuríveis, quem sabe afinal? – que te enviei há anos, deste mesmo lugar da Terceira, mas de um tempo outro, no derradeiro e ventoso Outono que atravessaste. Todavia, não tenho a certeza de algum dia (não) as leres, ou (sim) as receberes no ressurrecto modo do Mistério que nenhuma Fenomenologia, como bem detectaste, do Homem terreno – aqui neste frágil e contingente destino do pulvis (…) et in pulverem reverteris – poderá alguma vez explicar, ou sequer compreender (a não ser, pode ser, sob o modo de alguma crença ou da Fé que ambos partilhamos...).

– E aqui vai pois, meu caro Daniel, o que repito, praticamente sílaba a sílaba, e torno a querer dizer-te hoje, identicamente como desse passado Janeiro de 1995, no Suplemento Açoriano de Cultura que o Vamberto Freitas empenhadamente coordenava no “Correio dos Açores”, para o mesmo Futuro Absoluto (que já ali o era eternamente): 

2. Para a tua ilha do nosso Arcanjo, como Ruy Galvão de Carvalho sempre acentuava na datação propiciadora de um lugar de luz para a guarda da Palavra vai a última carta que te escrevo.


– Estou aqui em Angra, mas é quase como se não tivesse chegado a partir de onde vim, daquela morada, terra e templo de Reminiscência Absoluta – afinadas estas por uma dimensão existencial que já foi legitimada e assumida em longo processo crítico e horizonte semântico e metafísico – compreendes? –, digo, daquela Praia minha, da mesma ou análoga à que Vitorino Nemésio, tão significativa e paradigmaticamente sempre chamou de “nossa mãe”, dizendo-a desse modo por relação ao sentido fundamental, matricial a genésico da sua Poética, da sua Filosofia e da sua Fé…

Ora acontece que é por causa dessas categorias que te mando novamente hoje estas palavras fraternas. Refiro-me, como terás já apreendido, ao núcleo de significação mais essencial que aquelas figuras ou metáforas retêm, e que hoje se me tornou a relevar e revelar de repente ainda mais em novo fulgor e relevância de verdade, ao ser-me chamada a atenção para um espantoso e pequeníssimo lapso tipográfico que a tua bela e humaníssima missiva então continha.

De facto, na mensagem a que me estou referindo, e na qual generosamente e mais uma vez com igual Amizade e certeira e rigorosa Exegese disciplinar, tiveste a viva memória e a afectuosa e intencional lembrança de me descobrires e nomeares num parágrafo e entre aqueles (outros) vultos que são da verdadeira e unicamente grande estirpe e condição que (a todos) nos poderia e deveria unir e reunir in gente, lá resvalou o alfabeto (que não a gramática!) de vogal em vogal, como ao nosso Nemésio, de vaga em vaga vocálica…, de uma a outra delas, e então de um “o” penúltimo se acercou a prosa de um “e” mais original no andamento da declinação prototípica, e assim de mão se chegou a mãe, e eu (em abençoado destino suplementar), de contraparente, amigo e discípulo, me vi baptizado em Irmão de sangue verdadeiro!

– Feliz corrente de composição que a tanta proximidade de natureza e semântica acabou por deixar resumir a ideia…

Surpreso, pois, na maravilha de sentido que um lapso técnico de gesto no teclado foi capaz de gerar (e tão verosímil em seu segredo e maiêutica ocultação foi, que nenhuma outra revisão se mostrou ciosa ao ponto de a invejar em golpe de correcção!), – não resisti, neste inesperado contexto, ao encantado impulso de te mandar, com devida e maior estima, este ramalhete de escrita, alinhadas e alinhavadas as minhas próprias letras para testemunho de gratidão pelas tuas pessoais, bondosas e lisonjeiras referências às minhas humildes demandas ensaísticas, filosóficas e literárias.

3. Cá se realizou o Outono Vivo, mas tal como muito bem vislumbraste da outra vez, na autêntica proximidade espiritual que às vezes só mesmo uma virtuosa e conjuntural distância garante e sela para o mais gratificante futuro absoluto (como, nas mesmas e todavia outras maiúsculas de grandeza escatológica o nosso Karl Rahner tematizou, como sabes…), também nestas aventuras de encontro e reencontro é bom que se perdoe “alguma coisinha”, porquanto, com certeza, mesmo a Terceira, “lá por ser de Jesus, não é por força em tudo virtuosa apenas”…

– Tenho tenha pena de lá não teres estado! E agora, maior é ela ainda quando leio que sentes e dizes mesmo, na solidão confessada, não quereres cair na lamúria.



É que – entendes? – cá por esta “Treceira de Jasus”, com os seus pretensos ou supostos donos e proverbiais padrinhos e puxadores de dança e contradança vária, em tanta corrida, passo e queda se quedarem alguns infelizes, diletantes e aduladores, que já nem ao nível do chão vão, antes de lá e amiúde dele nem conseguem levantar-se, no que aliás seguem em razão inversa às dos conceitos predicáveis do Sermão da Caída…

Mas seja lá como for, ou não seja, também agora te quero afiançar das minhas saudades da tua Maia e desse calor tão franco e mais reanimador, e tão diverso e tão nobre, ao menos na esperança e na sua inteireza singela de pão e mesa e caldo de tanto ideal e persistente sonho fraterno…

– Lembro-me muito bem de tudo isso, de novo aqui, longe da mão da porta e do sentido-mãe das ruas e das casas, e da minha casa na Praia, e do rosto materno e definido das pessoas e das coisas, mas ainda mais hoje, depois do tempo e do espaço, das mães universais que lá e cá (como de facto e na genuína solidez da Vida e do Amor, em todo o lado) sempre nos hão-de fazer pensar, sentir e agir, crescendo interiormente para o mais que importa e vale!

A terminar, saúdo-te, de novo, na certeza de um dia poder acolher-te pessoalmente na nossa real Praia da Vitória. Aí hei-de mostrar-te, por minha própria mão, responsabilidade, olhar e coração, aqueles recantos de Nemésio e da Praia-Pátria Açoriana e universal de sempre que só é conhecida e reconhecível por aqueles que a amam e compreendem; ou vice-versa, tanto faz, porque, como tu também sabes, entre o paciente amor da Sabedoria e a sabedoria paciente do Amor, talvez não valha a pena acentuar mais nenhum daqueles usuais, às vezes pérfidos e rasteiros, esquemas de dualismo racional, poético e ético, – todos eles em que, tantas e escusadas vezes, por entre fúteis e crispadas letras, se perdem as palavras sapientes e se desencontram os afectos e os espíritos, por melhores que sejam as literaturas e o que delas há-de restar!




Sem mais, por aqui agora me deixo também ficar sem lamúria mas grande tristeza, para procurar continuar a aprender com tudo e com todos, enviando-te um grande e definitivo abraço firme e fraterno, e pedindo-te que aceites todo o respeito e a minha admiração, ao ver-te partir para onde, junto aos nossos todos juntos, esperarás certamente por nós, na Saudade do Futuro.
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Em “DA” (“Diário dos Açores”, Ponta Delgada, 29.05.2013);
Visualização e Download aqui:
“Os Sinais da Escrita”:
RTP-Açores:
e Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2364&tipo=col.









sexta-feira, maio 24, 2013


Um País Paranormal


Mais do que aos famosos Pastéis de Belém, saborosos e cremosos produtos da nossa nacional Doçaria, tanto mais apetecíveis quanto mais polvilhados estiverem de Canela…, – coisa também ainda mercantilizável como iguaria de marca eleita pelo ministro da Economia do Governo de Lisboa, a par do castiço frango de churrasco, como factor decisivo para um potencial relançamento pantagruélico das nossas periclitantes transacções comerciais (ou não fora suplementarmente essa Especiaria ainda resquício de antigos condimentos de sonho e grandeza que trouxemos lá do longínquo Ceilão no bojo das míticas naus do Império Português do Oriente e na onda da Primeira Globalização Planetária, para a qual aliás abrimos mares nunca dantes navegados, e terras e gentes sempre cobiçadas por quem as quis e de lá conseguiu retirar o que os Portugueses a tanto não quiseram, não souberam ou não puderam tão cruamente aventurar-se) …

Porém – vinha a dizer –, mais do que à voraz mastigação e deglutição daquelas iguarias de massa e creme belenenses, aquilo a que nos últimos dias mais deliciosamente assistimos, a partir do político e comediante chamatório dos estúdios das TVs, bancas de jornais, cadeirões políticos e carroçarias partidárias de alto estofo, cabedal ou cilindrada (junto ou portas adentro do Pátio e do Palácio presidencial), foi certamente a verdadeira tragicomédia que antecedeu, ocorreu durante e sucedeu ao último Conselho de Estado!



– Na verdade, desde o falario antecipatório e/ou dedutivo dos sempre presumidos espalha-brasas, sofistas ou ficcionais analistas das Redes e OCS que temos, até às mais desbragadas metáforas dos diferentes feirantes e circenses gémeos actuais dos Palma Cavalões de outrora (com as respectivas Cornetas do Diabo…), passando pela retórica oca de caducos politiqueiros e inconscientes institucionais de carreira consolidada, – a tudo isso o País – de rastos, revoltado, angustiado, espoliado, porém submisso, ou simplesmente descrente (até à invocação leviana e vã de Fátima!) – foi assistindo:

Desses sinais, em portas e passos, entre vida e morte (trocadilhos ora em voga numa Nação em pré-coma induzido…), ficaram os Açores quase a ver, e vistos, de longe!

– Todavia, paranormalmente também, para não destoar…
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Em Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 26.05.2013),
e RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?article=32308&visual=9&layout=17&tm=41
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo (25.05.2013).

segunda-feira, maio 20, 2013

sexta-feira, maio 10, 2013


As Culturas da Rádio
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A História da Rádio nos Açores nunca foi feita de modo minimamente alargado, articulado e sistemático, pese embora a existência de alguns projectos idealizados e de específicos trabalhos monográficos (como o de Pedro de Merelim sobre o RCA) e a concretização de diversos outros apontamentos dispersos e registos pontuais (conferências institucionais evocativas, crónicas, exposições, mostras e reportagens de tipo jornalístico).

– Mas tal lacuna não assentará certamente na falta de significativos historiais deste importante meio de Comunicação Social no Arquipélago, nomeadamente em S. Miguel, Santa Maria e Terceira, cujos pioneirismos remontam a 1941 e 1947 (com as instalações do Emissor Regional dos Açores da EN, depois RDP, Asas do Atlântico e Rádio Clube de Angra), coincidindo assim temporalmente com os meados da chamada época de ouro radiofónica em Portugal.

Todavia – e apesar de muitos elementos materiais, documentais e técnicos, preciosos para a realização de tal levantamento e consequente estudo, se terem perdido, gastos pelo tempo, incúria ou inconsciência das respectivas agremiações e ausência de políticas culturais, patrimoniais e museológicas mais amplas e multidisciplinarmente fomentadas… –, talvez fosse hoje ainda possível fazer uma proveitosa investigação temática e uma metódica abordagem socio-histórica, sociológica e política sobre tão importante sector, sendo que tal trabalho, a chegar aos nossos dias (com a relativamente mais recente implantação das novas estações e modelos institucionais, comerciais, associativos ou apenas locais de Rádio), não deixaria de fornecer abundante matéria para análise crítica deste relevante campo mediático, histórico-cultural, informativo, formativo e lúdico, nas suas diversas etapas, qualificações e instrumentos, e tanto naquilo que aí também se manifesta e representa de universal como de particular.

– Oxalá esta problemática, que é assim e afinal da ordem da Cultura e da Cidadania – e que se articula com a tão mal debatida e ainda menos bem encaminhada questão do serviço público de Radiodifusão (e da participação, ou ingerência, do Estado, do Governo e de muitas, desreguladas e obscuras redes de interesse e teias de Poder nos OCS…) –, fosse mesmo levada a sério por toda a sociedade civil e pela própria “classe jornalística” (tão amiúde permeável ao mais abjecto tráfico de favores e contra-favores que as lógicas partidárias e as propagandas administrativas sempre tem a tentação de gerar, reclamar e impunemente perpetuar)!

Por outro lado, é de notar que uma observação atenta às grelhas de programação e aos conteúdos individuais de muitos Programas de algumas Estações de Rádio nos Açores (melhor sendo nem falar, por agora, da Televisão que nos foi impingida para desencanto, desmobilização, des-edificação e des-identificação colectivas e individuais…), em comparação com produções e realizações bastante anteriores e muito mais parcas em meios técnicos e humanos, não poderá deixar de fazer constatar uma acentuada quebra na qualidade, na capacidade criativa, na pertinência sociocultural, na relevância artística, na correspondência às dinâmicas comunitárias regionais, na objectividade factual e na aceitação das audiências…

– Porém, depois e no meio do deserto nacional ou da vacuidade gerais, lá nos aparecem pequenos espaços encantadores e muito bem conseguidos na sua simplicidade, contenção e singeleza, revestindo-se, por isso, de uma feição bem atractiva e de verdadeira promoção cultural, cívica, crítica, estética e intelectual. E é neste quadro que quero até referir e salientar pela positiva o Programa “À Volta dos Livros” de Ana Daniela Soares, transmitido na Antena 1!


Trata-se de uma conversa serena, de um sugestivo diálogo diário com Autores portugueses e suas Obras mais recentes, nuns breves mas ricos minutos radiofónicos por onde já passaram, entre outros e variadamente, Eduardo Lourenço, Miguel Real, Alice Vieira, José Eduardo Franco, Bagão Félix, Helena Matos, Pacheco Pereira, Nazaré Barros e Mendo Henriques…

– Certamente um pequeno exemplo a seguir, para além do mais e ao seu nível próprio, por tantas estações e frequências de afugentar os olhos e queimar os ouvidos, deste e do outro lado do mar das ilhas…
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 11.05.2013):



























RTP-Açores:
http://sinaisdaescrita.blogspot.pt/,
Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2358&tipo=col,
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 12.05.2013):




sexta-feira, maio 03, 2013


Memória de um Projecto Cristão
para Desenvolvimento dos Açores



Nesta efeméride da passagem de meio século sobre a ocorrência de acontecimentos históricos muito marcantes e decisivos na vida da sociedade açoriana de meados do Século XX, tive já oportunidade de evocar aqui dois deles – a II Semana de Estudos dos Açores e o início dos Cursos de Cristandade no Arquipélago –, relacionando-os especialmente com a publicação da Encíclica Pacem in Terris, a realização e a recepção do Concilio Vaticano II, a Doutrina Social da Igreja e o Pensamento Humanista Cristão, – factos e factores que conjugadamente moldaram uma ilustríssima geração de Açorianos e balizaram os seus horizontes, ideários, projectos e comprometimentos espirituais, sociais, culturais e políticos.

1. Hoje abordarei sucintamente mais um exemplo desses acontecimentos e recepção dessas ideias, recordando a paradigmática confluência verificada entre aquele que seria afinal o principal lema das Semanas de Estudos e uma sua interpretação ortoprática tal como foram subscritas no discurso de um distinto homem da sociedade e da imprensa micaelenses da época, – precisamente o Dr. Manuel Carreiro, então Director do “Diário dos Açores” (e cujo filho Manuel/“Mani” viria a falecer, morto em combate na Guiné, durante a Guerra Colonial que o regime deposto em 25 de Abril sustentaria durante décadas de opressivos sacrifícios, injustiças, logros, arbitrariedades e impasses nacionais, regionais e pessoais…). 

– E foi assim que na Apresentação do Livro da II Semana de Estudos (realizada em Angra do Heroísmo entre os dias 3 e 10 de Abril de 1963) o seu genial animador e incansável Secretário, Doutor José Enes (na pintura-retrato de Aristides Ambar que ilustra este texto), depois de salientar o “nível das conferências e dos debates, o interesse activo e o admirável espírito de compreensão, sinceridade e tolerância” que haviam timbrado as respectivas sessões com “um valor cultural e humano verdadeiramente invulgar”, acabaria por colocar aquele ímpar projecto pan-açoriano sob o programático lema de “Mais saber para melhor viver”!

Porém aquela formulação fora possivelmente inspirada e como que parafraseava filosoficamente uma célebre passagem da Encíclica Mater et Magistra (de João XXIII), por sua vez recolhida da não menos indicativa expressão – “Ver, julgar, agir” – do método pastoral do cardeal Joseph Cardijn, fundador da Juventude Operária Católica (JOC) e que tinha aliás desempenhado activo papel como um dos mais empenhados e primeiros responsáveis católicos a pedir ao Papa, em Memorando próprio, a publicação de nova Encíclica social para marcar o 70º. Aniversário da Rerum Novarum (1891) de Leão XIII. E de facto, na Mater et Magistra (15 de Maio de 1961), no articulado relativo a “Sugestões práticas”, viria depois a ler-se:

– «Para levar a realizações concretas os princípios e as directrizes sociais, passa-se ordinariamente por três fases: estudo da situação; apreciação da mesma à luz desses princípios e directrizes; exame e determinação do que se pode e deve fazer para aplicar os princípios e as directrizes à prática, segundo o modo e no grau que a situação permite ou reclama. São os três momentos que habitualmente se exprimem com as palavras seguintes: "ver, julgar e agir"» …

2. Ora é neste contexto socio-histórico e teórico-prático que José Enes, citando Manuel Carreiro, depois de afiançar que como portugueses e como açorianos tínhamos consciência de que a hora não era “para divagações estéreis nem para discussões bizantinas”, destacava o argumento a relevar e subscrever com o Director do “Diário dos Açores” quando este dizia que “de mãos dadas, olhando-nos de frente e nunca indiferentes, poderemos discutir, limar arestas, e resolver grandes problemas açorianos, há muito aguardando solução satisfatória. Só assim, francos e descontraídos, poderemos dar ao Arquipélago aquela coesão e força anímica de que tanto carece, para que mais se valorize e prestigie”!

Por seu lado e do mesmo modo, justa e finalmente José Enes concluía, com toda a previdente lucidez da sua tão reflectida e avisada prospectiva: – “E é desta forma que as ideias entram na convivência humana, ao nível da consciência colectiva, transformando-se em sistemas de dominantes teóricas e práticas. Quer dizer: é assim que se elabora a cultura vivida.

“Com o desejo de mais saber para melhor viver, comecemos, portanto, sob o signo da boa vontade, da sinceridade e da tolerância”…

3. Todavia, agora e aqui, passado meio século, talvez seja urgente e proveitoso repensarmos todos e analogamente o estado de coisas a que chegámos, e tudo aquilo que não soubemos (ou não nos deixaram…) construir como homens e como cristãos portugueses dos Açores, no País, para a nossa Região Autónoma e com todos os Açorianos, sendo que talvez com isso nos tornaríamos mais dignos das esperanças e lutas do passado… Ou não permanecessem ainda vigentes e actuais as históricas palavras da mesma Encíclica, lá pelos idos (?) anos 60, ao analisar os antecedentes do século, assim:

–“Como é sabido de todos, o conceito do mundo económico, então mais difundido e posto em prática, era um conceito naturalista, negador de toda a relação entre moral e economia. (…) Juros dos capitais, preços das mercadorias e dos serviços, benefícios e salários, são determinados, de modo exclusivo e automático, pelas leis do mercado. (…) Num mundo económico assim concebido, a lei do mais forte encontrava plena justificação no plano teórico e dominava no das relações concretas entre os homens. E daí derivava uma ordem económica radicalmente perturbada.

“ (…) Enquanto, em mãos de poucos, se acumulavam riquezas imensas, as classes trabalhadoras iam gradualmente caindo em condições de crescente mal-estar. (…) Sempre ameaçador o espectro do desemprego.

“ (…) Não devemos, pois, admirar-nos, se os católicos mais eminentes, atendendo aos apelos da Encíclica, empreenderam iniciativas múltiplas, para traduzirem em prática os seus princípios. De facto, nessa tarefa se empenharam, sob o impulso de exigências objectivas da natureza, homens de boa vontade de todos os países do mundo.

“Por isso, a Encíclica, com razão, foi e continua a ser considerada como a Magna Carta da reconstrução económica e social da época moderna”…
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Em RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?article=32031&visual=9&layout=17&tm=41;
Azores Digital:
Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 03.05.2013)

quarta-feira, maio 01, 2013


Revista “Nova Águia” publica
ensaio sobre figuras açorianas

Acabado de sair, o nº. 11 (Março de 2013) da “Nova Águia” – Revista de Cultura para o Século XXI (Lisboa, Edições Zéfiro) inclui um ensaio dedicado a Agostinho da Silva e à sua ligação aos Açores e a Açorianos.




Da autoria do investigador, ensaísta e professor universitário Eduardo Ferraz da Rosa, o texto aborda a vida e o pensamento daquele grande pensador, filósofo e escritor português, nas suas relações pessoais e académicas com duas outras personalidades açorianas – os terceirenses Vitorino Nemésio e Alberto Machado da Rosa, com quem os seus percursos históricos, existenciais e universitários, tal como a sua plurifacetada obra, se cruzaram ao longo dos anos, em Portugal, no Brasil e nos Estados Unidos.

Intitulado “Memórias Açorianas de Agostinho da Silva, Vitorino Nemésio e Alberto Machado da Rosa”, o estudo de Eduardo Ferraz da Rosa retoma, agora com novos desenvolvimentos e maior amplitude, um anterior trabalho que fora publicado no seu livro O Risco das Vozes (editado em Lisboa, com Prefácio de Carlos Reis, em 2006, pela Academia Internacional da Cultura Portuguesa, presidida por Adriano Moreira).

O presente trabalho de Eduardo Ferraz da Rosa regista o convívio intelectual e encontros pessoais com Agostinho da Silva, traçando o seu perfil filosófico, atribulações políticas e académicas, principais núcleos temáticos de reflexão e o seu papel na criação e desenvolvimento de academias, universidades e centros de estudos luso-brasileiros, analisando ainda as ligações de Agostinho da Silva à Tradição Paraclética e ao Culto do Espírito Santo nos Açores, e bem assim os seus diálogos com aquele que foi, até hoje, um dos mais destacados, inovadores e críticos estudiosos de Eça de Queirós, precisamente o académico Alberto Machado da Rosa (Angra do Heroísmo, 1924 - Monsaraz, 1974), doutor em Literaturas Hispânicas, investigador e professor universitário nos Estados Unidos (Wisconsin e California, Los Angeles), sendo depois todas estas referências articuladas com a vida e o pensamento de Agostinho da Silva, cuja figura, por sua vez, é relacionada com Vitorino Nemésio nos âmbitos culturais, filosóficos e literários referidos e detectados neste muito curioso e pertinente ensaio, aonde, por exemplo, são reproduzidos testemunhos únicos de outros amigos, companheiros ou colegas comuns de Machado da Rosa, que foram pesquisados por Eduardo Ferraz da Rosa (como o médico Hélio Flores Brasil, o livreiro José Teixeira de Borba e o escritor e jornalista João Afonso).

Com sucessivos lançamentos a decorrer em todo o País, este número da “Nova Águia” – herdeira da revista A Águia e do ideário do chamado Movimento da Renascença Portuguesa (Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, António Carneiro, António Sérgio, Fernando Pessoa, Leonardo Coimbra e próprio Agostinho da Silva) –, actualmente dirigida por Renato Epifânio, Miguel Real e Luísa Janeirinho, inclui vasta lista de Colaboradores, entre os quais, para além de Eduardo Ferraz da Rosa (que é também membro do seu Conselho de Direcção), Adriano Moreira, António Carlos Carvalho, António Braz Teixeira, José Eduardo Franco, Manuel Ferreira Patrício, Manuel J. Gandra, Maria Leonor Xavier e Pinharanda Gomes.
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Em "Diário dos Açores (Ponta Delgada, 01.05.2013);