sábado, outubro 19, 2013


Lições dos Processos do PSD 

A justamente demarcante divulgação – alegadamente “com alguma serenidade” – da posição da Comissão Política Regional do PSD-Açores face ao PSD nacional, chefiado por Pedro Passos Coelho, ter acabado há dias por decidir mesmo avançar com um libelo de acusação aos seus Deputados eleitos pelos Açores à Assembleia da República (AR) – João Bosco Mota Amaral (micaelense), Joaquim Ponte (terceirense) e Lídia Bulcão (faialense) –, devido a estes três social-democratas Açorianos terem votado no Parlamento da República Portuguesa contra a Lei das Finanças Regionais, é um importante e muito significativo facto político-jurídico (e mais ainda filosófico-político, sociopolítico e político-partidário…) que não deveria continuar a merecer muito daquele silêncio acrítico a que – em diversas e surpreendentes instâncias intelectuais, autonómicas e democráticas (e mediáticas também…), com honrosas excepções, tem sido surpreendentemente remetido nas nossas encabuladas ilhas!

– De resto, uma palavra de louvor é aqui devida à direcção do PSD-A por ter manifestado “total solidariedade” àqueles Deputados, “reafirmando que eles defenderam, e bem, os interesses específicos dos açorianos”, de acordo aliás, conforme mais afiançaram – ou em (des)necessário reforço e alívio de causa? –, “com as orientações do PSD/Açores”…

Todavia, por igual neste contexto de contencioso, vale a pena começar por recordar que já em Agosto último, conforme então noticiado, Mota Amaral tinha declarado que a direcção da bancada parlamentar do PSD na AR havia enviado à respectiva direcção partidária uma “denúncia” de intenção disciplinar pelos motivos acima referidos, sendo que, na sequência de um pressuroso “inquérito preliminar” ali a decorrer, era de esperar um pronunciamento superior do Conselho de Jurisdição Nacional do partido capitaneado por Pedro Passos Coelho (actual PM), no sentido de avançar-se, ou não, com uma formal nota de culpa, para accionamento de um subsequente Processo Disciplinar (o que veio agora a consumar-se)!


– Ora perante tudo isto, e face a estes procedimentos próprios de “partidos não democráticos” (como muito bem e em reacção logo afirmou Mota Amaral ao precisar que Deputados, conscienciosamente eleitos, nunca devem perder “personalidade”), doravante apenas restará aos três parlamentares Açorianos em causa, se forem efectivamente condenados, um possível, firme, fundamentado e competente recurso para o Tribunal Constitucional, com articuladas bases e em adequadas e sucessivas instâncias – conforme mais sinalizou o antigo Presidente do Governo dos Açores e da Assembleia da República – tanto em Direito Constitucional e na Lei Orgânica dos Partidos Políticos como em Ciência Política

Por outro lado – e deixando realmente para outra mais propícia e desenvolvida ocasião uma abordagem bem enquadrada e plenamente justificada deste apelativo tema para a Ciência e a Filosofia Políticas –, talvez valha a pena realçar aqui também o facto de não estarmos perante um acontecimento inédito no PSD, porquanto, em meados dos anos 80, na vigência do governo do Bloco Central, idêntica medida chegou a ser tomada contra os Deputados social-democratas dos Açores que se recusaram votar a favor do Orçamento de Estado, e que – após instauração de Processo Disciplinar – “sob alegação de violação da disciplina de voto” viram ser-lhe “aplicada a pena de suspensão do direito de elegerem e serem eleitos para os órgãos partidários durante o período de dois anos”, pena da qual se livraram depois, conforme testemunho recente de Mota Amaral, que escrevia assim:

– “Poucos meses depois, no seguimento de diligencias minhas junto de Carlos Mota Pinto, ao tempo líder do PSD, por deliberação unânime do Conselho Nacional, a situação em causa foi abrangida por uma amnistia interna, destinada a comemorar o cinquentenário do nascimento do Fundador do Partido, Francisco Sá Carneiro, ficando portanto eliminada a alegada falta e também, obviamente, a sanção correspondente”…

E depois ainda: “Em diversas outras ocasiões, os Deputados social-democratas açorianos fizeram votações diferentes da generalidade do Grupo Parlamentar do PSD, sem que daí derivassem quaisquer consequências, disciplinares ou outras. Em regra por se entender que a sua posição é peculiar, na medida em que representam uma Região Autónoma, com interesses próprios e até específicos, incumbindo-lhes defendê-los no Parlamento, ainda que por algum motivo não possa o PSD na totalidade acompanhar os seus pontos de vista. E isso aconteceu em circunstâncias e sob lideranças variadas, mesmo naquelas tidas por mais fortes e até com alguma tendência para o autoritarismo…”.

Como se vê e assim o caso tem que se lhe diga, e vai continuar por certo a dar que pensar, agir, reagir e escrever…


– Talvez não dê é para que alguns dos nossos formosos e impantes actores e agentes partidários, lá e cá, dele se aproveitem para atirar pedras, setas ou murros aos telhados e portas dos seus vizinhos, companheiros, amigos ou camaradas (internos e externos…), com e sem processos disciplinares, ou outros de pior intenção de luta pelo Poder, à vista desarmada, a golpes de pura e insensata miopia política, ou para indigno revanchismo pessoal. Porém, em qualquer caso, sem nenhuma Lei nem Moral verdadeiramente dignas desse nome!
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Em Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 19.10.2013)


e Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2453.


Outra versão ("Os Processos do PSD") em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 19.10.2013).



sábado, outubro 12, 2013



Arquitecturas de Felicidade




Alain de Botton é um dos escritores nossos contemporâneos (nasceu em 1969) cujos ensaios sobre algumas das formas quotidianas e geralmente ditas “pós-modernas” de viver, de pensar e de agir tem granjeado bastante popularidade em todo o mundo (e mais recente e editorialmente também em Portugal), talvez por constituírem uma espécie de escrita intertextual e disciplinarmente eclética, onde diferentes conteúdos psico-existenciais e múltiplos registos socio-experienciais, afectivo-vivenciais, discursivos, éticos e estéticos aparecem articulados de modo sugestivo (conquanto às vezes mais ficcionalmente reconfigurados, aplicados ou acomodados metodicamente de forma nem sempre muito rigorosa ou fiel relativamente às respectivas matrizes, tradições ou universos conceptuais específicos…).



 Por outro lado – ou talvez por isso mesmo – muitas das abordagens e leituras culturais de Botton (vulgarmente e amiúde adjectivado de “filósofo” pop e “filósofo” do quotidiano) tem sido adaptadas empresarialmente, usadas em marketing ou programadas para difusão mediática (televisiva, especialmente), inserindo-se modelarmente em simpósios para gestores e decisores administrativos, espectáculos encenados, live-shows e talk-shows mais ou menos difusores de formas reconhecidamente light ou soft de reflexão (quando não humorísticas, catárticas, pedagógicas e lúdicas), perante plateias aplaudindo em gravação regida, comovedores happenings de estúdio ou sessões que não deixam de ter vários dos perfis e estilos próximos de uma variedade leiga e laica de televangelismo (amiúde maquilhado de retórica “sapiente”, “moral”, “terapêutica” e “científica”…), ou – pelos menos – recheada de referências, provérbios, citações e lugares selectos desse denso, radical, fundamentado, autêntico, exigente e assumido universo hermenêutico-conceptual e ético que constitui, outrossim e então legitimamente, o campo histórico-crítico e o domínio reflexivo e prático próprios da Filosofia!


De entre os vários títulos de Alain de Botton traduzidos em português contam-se Alegrias e Tristezas do Trabalho, O Consolo da Filosofia, A Arte de Viajar, Como Proust pode mudar a sua Vida, Religião para Ateus e Arquitectura da Felicidade (original de 2006).



– Esta última e muito sugestiva obra, que também contém muitas ilustrações apropriadas ao deveras fascinante assunto ali tratado, conforme a recente edição da Leya/D. Quixote (2013) precisamente salienta, parte do direccionamento intencional de olhares e da formulação de perguntas filosóficas sobre toda uma série de fenómenos estéticos, simbólicos e existenciais (pluriculturais e inter-civilizacionais) ligados à Arquitectura e ao seu Significado, ao Estilo e ao Gosto, à Construção Material, à Ordem do Edifício e ao Ideal de Casa, trabalhando assim questões aparentemente tão simples, mas afinal tão potencialmente complexas e virtualmente incondicionadas, como:

– “O que faz verdadeiramente uma casa ser bonita?”, “Porque existem tantas casas feias?”, “Porque discutimos tão amargamente sobre sofás e quadros?”, ou “Poderá o minimalismo fazer-nos mais felizes que a ornamentação?”.
 

Ora é para procurar respostas a “estas e outras perguntas” que Alain de Botton olha para “edifícios dispersos pelo mundo inteiro, das casas de madeira medievais aos modernos arranha-céus; examina sofás e catedrais, serviços de chá e centros empresariais, ao mesmo tempo que tece um conjunto de surpreendentes provocações filosóficas, “convidando-nos a viajar” – e a aprofundadamente dialogar, ou chamar ao mesmo diálogo, os grandes Filósofos que pensaram fenomenologicamente o espaço vivido e as suas estruturas reais e matérias reais e imaginárias… –, “através da história e psicologia da arquitectura e do design, permitindo-nos alterar a forma como olhamos para as casas em que vivemos – e ajudando-nos a tomar melhores decisões”…


– Oxalá que a tanto nos decidíssemos individual e colectivamente, em todas as áreas onde se constrói a felicidade (e a infelicidade) dos povos e das gerações, mais que não fosse por esta última razão de ajuda (que é de Vida, de Cultura, de Património e de Identidade), cada vez mais necessárias a um País como o nosso, que empobrece em tudo menos na arquitecturada infelicidade do presente e na fealdade do seu futuro próximo!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 12.10.2013):




























RTP-Açores:

Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2450,

e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.10.2013):






sexta-feira, outubro 11, 2013



O Sol-e-Dó da Luz


No tempo em a Praia da Vitória falava pela voz independente do seu saudoso jornal (JP) – há 30 anos já… – publicava-se ali uma Crónica cujo conteúdo relembramos hoje (como a tantos outros frontalmente abordados em páginas que vale a pena reler…).

Intitulado “Concerto Macabro”, o texto relatava deste modo, com humor amargo, conforme respigo da narrativa, um rocambolesco episódio ocorrido na Praça F. O. da Câmara, numa claramente simbólica noite de Agosto de 1983:

– “Grande azáfama: montar um coreto, ornado a faia-da-terra, no frontispício do qual foi laboriosamente aplicada uma lápide, em dimensão aproximada de 20X13 centímetros, anunciando um concerto pela Banda da Força Aérea dos EUA”.




Depois vinha a descrição do cenário de remedeio para mais uma daquelas recorrentes falhas com que a EDA (antes dela Serviços Municipalizados), historicamente vem ensombrando vidas, economia, trabalho, festas, serviços, comércio, indústria, máquinas, utensilagens, OCS e outros “aparelhos” dos terceirenses, – desde oportunistas ou incompetentes cérebros técnicos e administrativos, a decisores e gestorzecos políticos – a quem temos sido entregues a eito e que sempre nos foram moendo os olhos com apagões de energia, (in)consciência e (ir)responsabilidade chocantes!

– Ora então lá estava “aos pés escorados do balcão da Câmara, um camião do Exército americano, carregado com uma resfolegante geradora eléctrica de campanha, ligada a um instrumento sonoro”, enquanto em casa fronteiriça se amenizava “as trevas da noite, colocando velas caridosas nas janelas, – de resto as únicas luzes que na altura se acenderam”.

E mais tarde, ao final daquele apoteótico, terceiro-mundista e honroso evento “people-to-people”, duas camionetas made in USA ainda puderam iluminar, “com os seus potentes faróis nos médios, a rápida desmontagem do aparato de orquestra”…

– A cena, antiga, é apenas uma das que poderíamos reacender em décadas a fio desses fatídicos e paradigmáticos “cortes” com que sorrateira e ratoneiramente nos fustigam (de modo vário e impune!), sabe-se lá até quando irremediavelmente (?) mal servindo a Terceira, sob tutela governamental mas por conta e risco de todos os açorianos…
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Em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2447;
RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=33960&visual=9&layout=17&tm=41;
Jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 12.10.2013),
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 17.10.2013).







sexta-feira, outubro 04, 2013


Retórica e Responsabilidade Política

A semana que agora termina foi grandemente marcada pela realização das Eleições Autárquicas e por toda uma subsequente série de exames sobre os seus já mais ou menos previsíveis resultados – embora com relativas surpresas pontuais e globais… –, multiplicando-se assim e depois, em todos os OCS nacionais, regionais e locais, como é habitual, as mais díspares e retóricas conjugações de juízos, avaliações, balanços e (des)culpabilizações sobre os respectivos desenlaces – venturosos uns, desastrosos outros –, conforme as bitolas partidárias, os interesses pessoais e corporativos, e os mecanismos de (auto)imunidade e impunidade institucionais em jogo!


 Todavia – com apenas raras e honrosas excepções, e quaisquer que tenham sido as proveniências ou descendências sociopolíticas, partidárias e ideológicas dos ditos analistas, comentadores e observadores na citada função –, a maioria das opiniões mediaticamente emitidas a este propósito, bastante ao contrário do que antigamente se verificava, procurou nunca problematizar, ou seja nunca tematizar criticamente os motivos ou factores que terão levado a que muitos eleitores e eleitorados (diga-se assim no plural e na sua inerente quando não até antagónica diversidade…) tenham dirigido os seus votos tal qual o fizeram, sem avaliação de uma outrossim obrigatoriamente conjugação de múltiplos factores, dinâmicas (ou inércias!) da cidadania, da autonomia das vontades e de uma esclarecida consciência electiva…

– E foi por esta mesma lacuna fundamental que a maior parte das vezes aquilo a que assistimos, como se de reais observações compreensivas (mesmo que não tendencialmente sequer explicativas …) se tratasse, foi a um mero exercício, mais ou menos formal ou abstracto (meras suposições ou equações cenaristas, afinal…), de outras condicionantes, outros comportamentos, reflexos e atitudes, e outras determinantes sociais, psicológicas, culturais e informativas, estas então própria, concreta e situadamente da ordem (mais observante e objectiva!) da filosofia, da sociologia, da economia e da fenomenologia políticas!

Ora tudo isto naturalmente que haveria de ter feito relativizar, embora não anulasse totalmente, os méritos ou os deméritos de certos resultados alcançados, quando ou porque não apenas, nem principalmente, devidos a convencimentos ou exemplaridades do carácter ético-politicamente provado ou da imagem pessoal, imaginada ou artificialmente construída, de candidatos nascidos das forjas e alforges partidários (aliás ao contrário, nesta vertente, do que aconteceu com alguns dos meritórios movimentos e mobilizações de muitos agora ditos ou feitos independentes…).

– De resto, neste rescaldo das nossas Autárquicas, não faltaram também testemunhos e propostas que despudoradamente raiaram a mais surrealista leitura, ou um despudorado e patético desfasamento político-esquizóide da realidade – veja-se os afoitos (des)nivelamentos de alguns líderes institucionais, de soberania e partidarite aguda… –, a par de ilibações e outras desresponsabilizações de faixas crescentes de tanto eleitorado absorto, falho da percepção fundamentada de objectivos e valores sólidos, – ao contrário, por exemplo, das firmes posições de crescentes extractos da sociedade civil e de tantos eleitores (à esquerda, ao centro e à direita)…

Neste sentido – e tendo em atenção alguns dos fenómenos novos que as últimas eleições e as opções e resultados deles saídos atestaram, como justamente acaba de salientar o IDP (Instituto da Democracia Portuguesa) – é de facto imperioso ver neles e nelas uma forma “ordenada e consistente” de repúdio da “alternância partidocrática em que degenerou a democracia portuguesa”, tanto mais quanto ali fica sinalizado ainda que, não bastando contar com “grupos de cidadãos’ para a “reforma do sistema político”, é também necessário proceder já a “uma restauração dos partidos existentes, do seu modo de liderança e recrutamento, por forma a dar expressão a interesses de grandes grupos populacionais e não de cliques dirigentes”!

– Em todo o caso, agora que foram (mal ou bem, veremos depois…) eleitos novos (e velhos, ou apenas remoçados…) governantes autárquicos, mesmo quando as nossas comunidades possam ser consideradas menos democraticamente preparadas, ou em estado de menoridade de consciência e submissão de vontades (segundo parâmetros objectivos de livre e justa existência societária e personalista, obviamente), como escrevia Julien Freund – é sempre aos agentes e actores políticos que caberá, enquanto ocupantes transitórios de um poder democraticamente instituído mas parcialmente delegado, a principal assumpção das decorrentes responsabilidades, pelo que o mais que se pode dizer aqui, no que concerne a colectividade, enquanto comunidade de eleitores, é que, também ela há-de suportar essa responsabilidade na medida em que primeiramente, ela própria, é que sofrerá “a consequência das decisões inábeis ou más dos seus governantes” escolhidos…
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Em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 05.10.2013);
Azores Digital:
Outra versão: Escolhas e Responsabilidades,
em «Diário Insular» (Angra do Heroísmo, 05.10.2013).