sábado, novembro 30, 2013



Uma Leitura alargada
dos Referenciais do Outono

1. Em Crónica como habitualmente publicada há uma semana aqui em DI, sinalizámos então, quase em jeito de sumário, uma série de indicadores, ou – conforme os denominámos – de referenciais relativos a uma série de acontecimentos que marcaram a actualidade portuguesa nos últimos dias e que, como tal, foram motivo de destacada abordagem, análise e comentário em praticamente todos os OCS nacionais. Todavia, retomamos hoje, mais desenvolvidamente para este jornal terceirense, algumas dessas leituras, à luz daqueles factos e de algumas das novas sequências mais elucidativas dos mesmos e das suas lógicas……

Na verdade, conforme dissemos, os últimos dias da vida nacional foram marcados por factos e acontecimentos que devem ser lidos como verdadeiros e importantes sintomas, sinais ou factores referenciais – conquanto díspares, contraditórios ou até controversos… – para a aferição de algumas das conjunturas e respectivos rumos possíveis que no nosso País se perspectivam.


 Deixando logo no seu circunscrito e mais esquecido lugar o “glorioso” e gloriado apuramento de Portugal para o Mundial de Futebol – feito que, perante o último triunfo da “selecção das quinas”, pontualmente galvanizou a nação e preencheu manchetes do quotidiano, brios, paixões míticas e arroubos de patriotismo mais ou menos imaginário, efémero ou fictício, enquanto despoletou expectáveis indignações perante afrontas como aquela de que foi alvo mediático e alegórico a efígie de Ronaldo, em consonância, de modo quase totémico, com o neo-tribalismo que aquele e outros semelhantes espectáculos de massas proporcionam…

– Ladeando pois esse acontecimento desportivo – vinha a dizer – julgo valer a pena tornar a registar outras manifestações cuja lógica objectiva e material é bem mais reveladora do estado de espírito que persiste em varrer Portugal de lés a lés, conforme paradigmaticamente o vemos configurar-se e reincidir ainda nesta semana.

E é assim que de entre todas essas julgo merecer atenta e aprofundada reflexão o teor das sucessivas e reincidentes tiradas socio-político-económico-religiosas que o docente universitário da UCP, João César das Neves (JCN), vem tecendo em vários OCS, dizendo e escrevendo coisas tão espantosas quanto estas:

– “Nos anos 1960, Portugal era um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres. (…) Havia quem abusasse da sua dedicação, e ele sabia-o. Sentia-se enganado, mas apesar disso trabalhava com afinco. (…) Um dia, Portugal recebeu uma boa notícia da terra. Aqueles que abusavam dele tinham sido afastados. (…) Só que a euforia da liberdade financeira criou um problema de endividamento. Dez anos depois de entrar no euro, Portugal estava falido, com a troika à porta, exigindo pagamento. O choque foi grande. Portugal compreendeu que, afinal, não era como os países ricos. (…). O buraco era enorme. Não havia solução”!


 E como se não bastasse nem se cresse em tanta inspiração – com as habituais e histriónicas gratuidades ou subterfúgios da sua retorcida teoria económico-financeira e respectiva retórica neo-liberal (só?) amiúde insolentemente banhada em fórmulas e receitas falidas e cruelmente predatórias de vidas pobres e exploradas – o dito economista dos almoços sempre pagos veio agora conspurcar e ofender (ainda mais) as agonias e sofrimentos dos pensionistas e dos pobres de Portugal, atabalhoando argumentos, gemidos e esganiços para defender a aplicação de mais cortes (sic) nos salários e pensões do Povo Português – que nem voz teria, nem talvez a merecesse, segundo JCN, a não ser por préstimo e empréstimo de uns tantos, intrometidos e interessados advogados seus, pais e mães (quem sabe!?) de aluguer ou substituição na cabeça e nas barbichas cofiadas e confiadas daquele antigo conselheiro cavaquista, cujas mansas e conhecidas leituras de S. Tomás de Aquino, diga-se de passagem, parecem ignorar o que, no Doutor Angélico, é pensado sobre a usura, em todas as suas modalidades históricas, éticas e antropologicamente situadas…

É claro que JCN nem mereceria sequer duas linhas de comentário ou contra-argumento de ninguém em real estado ético e estádio moral de juízo… Todavia apetece citá-lo ainda aqui, concitando-o ao que ele próprio mais escreveu e lhe assenta, sem beatice mas agonicamente talvez e a rebate, que nem látego em (má) consciência ou luva de desafio e arrependimento (outrossim, esses corajosamente cristãos):

“Não há felicidade maior do que saber que Deus (…) se entregou à morte para me salvar. (…) Nas nossas cidades e aldeias, nas casas e capelas de Portugal (…) tudo lembra este facto radical. (…) Ele está pendurado por minha causa. Nas paredes das salas, nas frontarias das igrejas, nos quadros dos museus, até no meu peito, em todo o lado a imagem da cruz lembra que Aquele ali, coberto de sangue, foi condenado à morte por minha causa. (…) As razões da condenação acumulo-as a cada momento. Pequenas e grandes traições, mentiras e violências, egoísmo e mesquinhez; sobretudo a terrível tibieza e mediocridade em que mergulham os meus dias. De fora não se vê a podridão que tenho dentro…” (sic).

– Caso portanto para dizer a JCN: Bendito o que vem (em vão, agora?) invocar o nome do Senhor dos deserdados da Terra!


2. O segundo referencial que durante esta semana se aprofundou foi sem dúvida todo o movimento gerado, com enorme e significativa dimensão, à volta da Homenagem ao General Ramalho Eanes, cuja cerimónia decorreu em Lisboa, no dia 25 de Novembro (data bem lembrada…), no Centro de Congressos da AIP.



 – Reunindo muitas adesões, animada e subscrita por um grupo de distintas (conquanto díspares…) personalidades de diversos quadrantes – entre outros integrando a respectiva Comissão de Honra, desde Adriano Moreira a Rocha Vieira; de Bruto da Costa a Eduardo Lourenço e Mota Amaral; de Jaime Gama e Medeiros Ferreira a Laborinho Lúcio e José Gil; de Loureiro dos Santos, Garcia Leandro e Mendo Henriques a Sobrinho Simões; de Almeida Bruno e Rosa Mota a António Capucho, António Costa e João Salgueiro; de Jorge Miranda e Sampaio da Nóvoa a Medina Carreira e Belmiro de Azevedo; de Alexandre Quintanilha a Vasco Graça Moura; de João Lobo Antunes e Pinto da Costa e Manuel Alegre, Mário Mesquita e Bagão Félix, e de António Barreto a D. Duarte de Bragança… –, longa é a lista dos que na sentida e vibrante iniciativa se juntaram ao antigo e ético-politicamente referencial Presidente da República, – a quem, recordo, os Açores devem formal e respeitoso reconhecimento autonómico, e de quem mereceram pronta solidariedade institucional e pessoal em dolorosas e lembradas situações como a do Sismo de 80!



 Num Auditório repleto de amigos, camaradas de armas, admiradores civis, políticos e intelectuais – com destacadas e reconhecíveis presenças (e ausências…) açorianas, conforme pessoalmente lá constatámos… –, foi então ali apresentado por Mendo Henriques o recém criado Prémio António Ramalho Eanes, e bem assim traçado um expressivo quadro de louvores (por Guilherme Oliveira Martins, Garcia Leandro e João Lobo Antunes) às dimensões e facetas humanas, políticas, éticas, militares e de cidadania do homenageado, ao que se seguiu, antes da própria alocução final pelo próprio General Eanes, uma mesa-redonda moderada por Fátima Campos Ferreira (com a participação dos jornalistas Fernando Dacosta, Henrique Monteiro e Paulo Baldaia).

– E ainda na mesma sessão pudemos ouvir dois reveladores e emocionantes depoimentos, de surpresa solicitados e de improviso proferidos, por Adriano Moreira e Eduardo Lourenço, cujos discursos ainda mais nobilitaram o perfil cívico, patriótico e democrático do estratega do 25 de Novembro, membro do Grupo dos Nove e companheiro tão confiante e fraterno de Melo Antunes (outro dos nomes açorianos evocados na ocasião, tal como Natália Correia e Vitorino Nemésio, cujos percursos e ideários se cruzaram com o de Eanes).

E isto enquanto, por outro lado, nas Redes Sociais se multiplicam ainda as Páginas que lhe são dedicadas – como esta https://www.facebook.com/mareramalhoeanes e esta
https://www.facebook.com/pages/EANES-Testemunho-P%C3%BAblico/509462219161171?fref=ts –, cujos testemunhos se revestem de um claro sentido e de um sentir que revela algo de muito profundo na consciência do País, como apelo racional, argumento consensual e indesmentível anseio de valores como a integridade, a honradez, a transparência, a rectidão de procedimentos, a firmeza de carácter, o sentido de despojamento e de missão ao serviço dos supremos interesses do Povo Português e dos interesses permanentes de Portugal no concerto das Nações e dos Povos (nomeadamente daqueles que partilham a mesma Língua).



– E é assim que as razões desta bem simbólica, mobilizadora e oportuna homenagem, mais fortemente ainda significativa nesta altura de grave e sistémica crise nacional – que é de identidade, soberania, credibilidade, valores, esperança, confiança, justiça, honra, responsabilidade e verdade! –, estão bem expressas no conteúdo do respectivo e divulgado manifesto, que fala por si e por todos nós afinal – estando disponível aqui: http://testemunhopublico.pt/Comiss%C3%A3o%20de%20honra.pdf –, para olhar o futuro, sem esquecer as lições do passado e os impasses do presente!


3. Finalmente e em terceiro lugar, nestes referenciais do Outono (à espera de um novo Abril?) em Portugal, deve ser registado o grande Fórum (dubiamente apelidado de “congresso das esquerdas”), promovido por Mário Soares, “em defesa” da Constituição da República, ou no combate e luta pelos valores sociais, legislativos e jurídicos básicos que nela historicamente estão plasmados, como incisivamente disse Pacheco Pereira numa notável e muito justamente aplaudido discurso, cuja apreciação recomendamos e que pode ser lido no seu Abrupto (http://abrupto.blogspot.pt/), e visto e ouvido em http://www.youtube.com/watch?v=-VUDfR0JUzM.


  Este evento – que de algum modo se contrapõe ideologicamente às teses neo-liberais da governança de Passos/Portas/Troika veiculadas pelo tal académico, qual novo “Xerife de Notthingham”, como a JCN apelidou Mendo Henriques (retomando uma imagem usada, em 2008, por Paulo Portas, aqui na Terceira, ao referir-se ao então primeiro-ministro Sócrates…) –, mas que estrategicamente não coincidirá em toda a linha com o Movimento eanista, ainda irá certamente dar que falar, até porque não deixa de trazer à lembrança propostas de reflexão comparativa (apesar das circunstâncias histórico-políticas dissemelhantes) com movimentações de frentismo comum que marcaram alguns projectos (falhados uns, conjunturalmente unitários, divergentes ou político-partidariamente consensuais outros), como o MUNAF, o MUD, o MND, a CDE, a CEUD, ou MDP-CDE (para já nem referirmos outros trajectos conhecidos, desde o longínquo e monárquico Integralismo Lusitano ao efémero PRD…).

Ora é por todas estas razões que parafraseando o título de conhecidas obras históricas e literárias já clássicas, também contemporaneamente se espera que, para além do cada vez mais eminentemente degradado Outono dos hierarcas do actual regime político-partidário, não venhamos a cair num outro, sempre obsessivamente presente, possível e perigoso Inverno da própria Democracia

– Talvez também por isso a razão e o coração dos Portugueses estejam realmente bem mais do lado dos dois últimos referenciais aqui nomeados, contra a retórica desumana e a opressiva tentação predatória, agressiva e exploradora do primeiro, e de tudo aquilo que ele encarna e despudoradamente reproduz!
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Em Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 01.12.2013):





Artes & ofícios da FLAD

A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) é uma “instituição portuguesa”, “de direito privado”, “financeiramente autónoma” e tendo por missão “contribuir para o desenvolvimento de Portugal, através do apoio financeiro e estratégico à cooperação entre a sociedade civil portuguesa e americana”.


– Olvidando sucessivas reivindicações para que se inaugurasse aqui uma secção (“consular” ou adido “gabinete de negócios”), a FLAD continua porém a manter-se instalada apenas em Lisboa, embora (devido à diligente influência de Mário Mesquita) tenha vindo a aumentar presença e protocolos com e nos Açores (projectos de estudo, edições culturais e académicas, bolsas, fóruns, etc.).

Criada em 1985, a FLAD nasceu para promover relações Portugal-EUA, pelo que, dotada de cabedais financeiros e patrimoniais vastos – a partir de um pecúlio inicial (85 Milhões de Euros), constituído “através de transferências monetárias feitas pelo Estado Português, e provenientes do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA (1983)”, isto é, fundamentalmente, ao abrigo ou à sombra, da Base das Lajes! –, a Fundação declara viver, desde 1992, “exclusivamente do rendimento do seu património” (do qual consta uma “Colecção de Arte” e outros valores que recentemente reacenderam polémicas à volta de Machete e de velhos dissídios gestionários entre tutelares agentes e diplomáticos parceiros envolvidos nesta selecta agremiação).


Ora a FLAD, ao sabor de novos alinhamentos e agenciamentos político-governamentais luso-americanos, está em parto de profundas recomposições executivas, curadoras, técnicas e individualmente representativas, conquanto quase todas e todos ali se afigurem (ou não!?) pouco claros, definidos e justificados…

– E é por isto tudo, e porque o assunto diz respeito aos softmaterial andstrategic powers dos USA em Portugal (e nos Açores por maioria de razão e valias), que não podemos (ou não deveríamos) neste cenário continuar a figurar com máscaras dissimuladoras, ou (pior ainda) “de tanga”, tal como não deveríamos contentar-nos, pedintes e ignorantes, com os restos de não sei que hodierno discurso e pacote people-to-people!

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Em Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 30.11.2013):


Azores Digital:


RTP-Açores:



Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 03.12.2013):




sexta-feira, novembro 22, 2013


Os Referenciais do Outono


A semana que agora termina foi marcada por factos e acontecimentos que devem ser lidos como verdadeiros sintomas, sinais ou factores referenciais – conquanto díspares, algo contraditórios ou controversos… – para a actualidade e para os rumos que o nosso País, nalguns aspectos, poderá assumir e seguir no futuro próximo…

 Deixaremos todavia no seu devido e circunscrito lugar o apuramento de Portugal para o Mundial de Futebol que terá lugar em terras de Vera Cruz – feito que, perante a expressiva vitória da “selecção das quinas”, pontualmente galvanizou a nação e preencheu manchetes do quotidiano, brios, paixões míticas e arroubos de patriotismo mais ou menos imaginário, efémero ou fictício, enquanto despoletou compreensivas e expectáveis indignações (de consequência duvidosa…) perante afrontas como aquela de que foi alvo mediático e alegórico a efígie de Ronaldo…) –, todos de resto, em consonância com o neo-tribalismo que aqueles e outros espectáculos de massas, de modo quase totémico, proporcionam…


1. Assim, ladeando aquele acontecimento desportivo – vinha a dizer – julgo valer a pena começar por sinalizar outras manifestações cuja lógica objectiva e material é bem mais reveladora do estado de espírito e da respectiva pobreza ou indigência que persistem em varrer Portugal de lés a lés. E é assim que julgo merecer já atenta e aprofundada reflexão o teor das sucessivas e reincidentes tiradas socio-político-económico-religiosas que o docente universitário J. C. das Neves (JCN) vem tecendo em vários OCS, dizendo e escrevendo destas espantosas coisas:

– “Nos anos 1960, Portugal era um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres. (…) Havia quem abusasse da sua dedicação, e ele sabia-o. Sentia-se enganado, mas apesar disso trabalhava com afinco. (…) Um dia, Portugal recebeu uma boa notícia da terra. Aqueles que abusavam dele tinham sido afastados. (…) Só que a euforia da liberdade financeira criou um problema de endividamento. Dez anos depois de entrar no euro, Portugal estava falido, com a troika à porta, exigindo pagamento. O choque foi grande. Portugal compreendeu que, afinal, não era como os países ricos. (…). O buraco era enorme. Não havia solução”!




E como se não bastasse nem se cresse em tanta inspiração – com as habituais e histriónicas gratuidades ou subterfúgios da sua retorcida teoria económico-financeira e respectiva retórica neo-liberal (só?) amiúde insolentemente banhada em fórmulas e receitas historicamente falidas e cruelmente predatórias de vidas pobres e exploradas, ultrajando rostos e tentando subjugar a resistente e memorial consciência dos povos –, o dito economista dos almoços sempre pagos veio agora conspurcar e ofender (ainda mais) as agonias e sofrimentos dos pensionistas e dos pobres de Portugal, atabalhoando argumentos, gemidos e esganiços para defender acrescidos cortes (sic) nos salários e pensões do Povo Português – que nem voz teria, nem talvez a merecesse, segundo JCN, a não ser por préstimo e empréstimo de uns tantos, intrometidos e interessados seus advogados, pais e mães (quem sabe!?) de aluguer ou substituição na cabeça e nas barbichas cofiadas e confiadas daquele antigo conselheiro cavaquista, cujas conhecidas leituras fáceis, diga-se de passagem, de S. Tomás parecem ignorar o que, no Doutor Angélico, tem a ver com a usura (em todas as suas paradigmáticas modalidades…).

É claro que JCN nem mereceria sequer duas linhas de comentário ou contra-argumento de ninguém em real estado ético e estádio moral de juízo… Todavia apetece citá-lo aqui, concitando-o ao que ele próprio acaba de escrever e lhe assenta, sem beatice mas agonicamente talvez e a rebate que nem látego em (má) consciência ou luva de desafio e arrependimento, outrossim essas corajosamente cristãs: “Não há felicidade maior do que saber que Deus (…) se entregou à morte para me salvar. (…) Nas nossas cidades e aldeias, nas casas e capelas de Portugal (…) tudo lembra este facto radical. (…) Ele está pendurado por minha causa. Nas paredes das salas, nas frontarias das igrejas, nos quadros dos museus, até no meu peito, em todo o lado a imagem da cruz lembra que Aquele ali, coberto de sangue, foi condenado à morte por minha causa. (…) As razões da condenação acumulo-as a cada momento. Pequenas e grandes traições, mentiras e violências, egoísmo e mesquinhez; sobretudo a terrível tibieza e mediocridade em que mergulham os meus dias. De fora não se vê a podridão que tenho dentro…” (sic).

– Caso portanto para dizer a JCN: Bendito o que veio (em vão?) invocar o nome do Senhor dos deserdados da Terra!

2. O segundo referencial que esta semana se aprofundou, parece-me ser todo o movimento gerado, com enorme e significativa dimensão, à volta da homenagem ao general Ramalho Eanes, cuja cerimónia pública vai decorrer em Lisboa, no dia 25 de Novembro (data bem lembrada…).


Reunindo crescentes adesões, animado e subscrito por um grupo de distintas (conquanto díspares!) personalidades de diversos quadrantes – entre muitos outros, de Adriano Moreira a Rocha Vieira, de Bruto da Costa a Eduardo Lourenço e Mota Amaral, de Jaime Gama e Medeiros Ferreira a Laborinho Lúcio e José Gil, de Loureiro dos Santos, Garcia Leandro e Mendo Henriques a Sobrinho Simões, de Almeida Bruno e Rosa Mota a António Capucho, António Costa e João Salgueiro, de Jorge Miranda e Sampaio da Nóvoa a Medina carreira e Belmiro de Azevedo, de Alexandre Quintanilha a Vasco Graça Moura, de João Lobo Antunes a Pinto da Costa, de Manuel Alegre e Mário Mesquita a Bagão Félix, António Barreto e D. Duarte de Bragança… –, longa é a lista já divulgada  – conforme pode ser apreciado e conhecido na página acessível aqui http://testemunhopublico.pt/Comiss%C3%A3o%20de%20honra.pdf – dos que na decorrente iniciativa e na respectiva comissão de honra se juntaram ao antigo e ético-politicamente referencial Presidente da República, – a quem, recordo, os Açores devem formal e respeitoso reconhecimento autonómico e de quem mereceram pronta solidariedade institucional e pessoal em dolorosas situações como a do Sismo de 80!

Entretanto continua a merecer destaque a página do Facebook especificamente destinada a testemunhar o apreço e respeito que Ramalho Eanes continua a merecer em todo o País, nas mais relevantes instituições e pelas mais sólidas e fundamentadas razões, conforme pode ser confirmado aqui:

https://www.facebook.com/pages/EANES-Testemunho-P%C3%BAblico/509462219161171

– E é assim que as razões desta bem simbólica, mobilizadora e oportuna homenagem, mais fortemente ainda significativa nesta altura de grave e sistémica crise nacional – que é de identidade, soberania, credibilidade, valores, esperança, confiança, justiça, honra, responsabilidade e verdade! –, estão bem expressas no conteúdo do respectivo e divulgado manifesto, que fala por si e por todos nós afinal…

3. Finalmente e em terceiro lugar, nestes referenciais do Outono (à espera de um novo Abril?) em Portugal, deve ser registado o grande Fórum (dubiamente apelidado de “congresso das esquerdas”), promovido por Mário Soares, “em defesa” da Constituição da República, ou no combate e luta pelos valores sociais, legislativos e jurídicos básicos que nela historicamente estão plasmados (como incisivamente disse Pacheco Pereira).

– Assinalável peça de intervenção cívica, revestida de uma verve crítica, humorística e política muito apreciada por toda a assistência presente, o discurso de José Pacheco Pereira, disponível em http://abrupto.blogspot.pt/, também merecidamente pode ser visto e ouvido, na íntegra, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=-VUDfR0JUzM&feature=share


 Este evento – que de algum modo se contrapõe ideologicamente às teses neo-liberais da governança de Passos/Portas/Troika veiculadas pelo tal académico, qual novo “Xerife de Notthingham (como a JCN apelidou Mendo Henriques, curiosamente retomando até uma imagem usada, em 2008, por Portas, por acaso na ilha Terceira, ao referir-se ao então primeiro-ministro Sócrates…) – mas que estrategicamente não coincidirá em toda a linha com o Movimento eanista em marcha, ainda irá certamente dar muito que falar, até porque não deixa de trazer à viva lembrança uma proposta de reflexão comparativa (apesar das circunstâncias histórico-políticas dissemelhantes) com as movimentações de frentismo comum que marcaram alguns projectos (falhados uns, conjunturalmente unitários, divergentes ou político-partidariamente consensuais outros), como o MUNAF, o MUD, o MND, a CDE, a CEUD, o MDP-CDE (para já nem referirmos outros trajectos conhecidos, desde o longínquo e monárquico Integralismo Lusitano ao efémero PRD…).

Ora é por todas estas razões que parafraseando o título de conhecidas obras históricas e literárias já clássicas, também contemporaneamente esperemos que, para além do cada vez mais eminentemente degradado Outono dos hierarcas do actual regime político-partidário, parlamentar e governativo, não venhamos a cair mesmo num outro, sempre obsessivamente presente, possível e perigoso Inverno da própria Democracia


– Talvez também por isso a razão e o coração dos Portugueses (de nós todos, cidadãos…) estejam realmente bem do lado dos dois últimos referenciais aqui nomeados, contra a retórica desumana e a opressiva tentação predatória, agressiva e exploradora do primeiro, e de tudo aquilo que ele encarna e despudoradamente reproduz!

Ilha Terceira, Açores, 22 de Novembro de 2013
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 23.11.2012):


Azores Digital:

e RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=34485&visual=9&layout=17&tm=41:


 Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 23.11.2013):




quarta-feira, novembro 20, 2013

domingo, novembro 17, 2013


Memória e Presença
de Albert Camus

1. No passado dia 7 de Novembro ocorreu o centésimo aniversário do nascimento de Albert Camus, escritor, ensaísta, dramaturgo, jornalista e filósofo francês nascido na Argélia (Mondovi, Constantina, 1913) e falecido em França (Villeblevin, Yonne), num acidente de viação, a 4 de Janeiro de 1960, conforme sucintamente tivemos já ocasião de evocar aqui. 


 – Todavia, por sugestão feita ao DI, retomamos hoje desenvolvidamente o texto dessa memória, registando ainda que o desaparecimento de Camus foi então também assinalado entre nós, neste mesmo jornal angrense, logo na sua edição de 5 de Janeiro, e ainda com uma posterior e específica evocação inserida na sua página de Letras e Artes (Nº. 284, 1º. da 2ª. Série), então dirigida por Emanuel Félix, na qual foi inserido, em caixa, um breve mas denso e significativo extracto de La Chute (A Queda), no qual se desenha uma característica reflexão camusiana sobre a morte, o suicídio, o martírio, o esquecimento, o escárnio, o aproveitamento e a complexidade existencial da compreensão…

Figura de referência na Literatura do Século XX, Camus é autor de uma vasta obra que inclui, entre outras títulos, O Estrangeiro (adaptado ao cinema, em 1967, por Visconti), A Peste, O Homem Revoltado, O Mito de Sísifo, Os Justos, O Exílio e o Reino, A Queda e Cartas a um Amigo Alemão (com um desenho de capa por Lima de Freitas), todos editados pelos “Livros do Brasil”, muitos deles traduzidos em português (nomeadamente por António Quadros, Urbano Tavares Rodrigues, José Carlos Gonzalez e Virgínia Motta), sendo que alguns incluíam notáveis e pioneiros Prefácios ou Estudos originais no nosso País (especialmente no caso de António Quadros); versões das respectivas introduções às edições francesas, como a de Jean-Paul Sartre (de quem aliás Camus se afastaria em 1952 por divergências políticas e filosóficas) para O Estrangeiro, traduzida de Rogério Fernandes; a de Jean Sarochi para A Morte Feliz; a de Paul Viallaneix para Cadernos II - Escritos de Juventude), e outras sugestivas explanações informativas ou ensaísticas (como a do posfácio de Liselotte Richter a O Mito de Sísifo).


2. Filho de um humilde trabalhador rural e apesar de grandes dificuldades materiais, Camus frequentou a Universidade de Argel, onde terminaria uma licenciatura em Filosofia com uma tese sobre S. Agostinho e Plotino. Depois, tendo sido forçado a deixar a carreira académica por motivos de saúde, dedica-se ao teatro e ao jornalismo, tendo trabalhado no Paris-Soir e sido chefe de redacção (terminada a II Guerra Mundial e a ocupação nazi da França, contra a qual lutara ao lado da Resistência) no jornal Combat.

Prémio Nobel da Literatura (1957), todo o pensamento, as acções e os livros de Albert Camus foram exemplar e genuinamente moldados e movidos por profundas inquietações existenciais, humanistas e metafísicas, e político-ideológicas e éticas, estando fundamentalmente marcados por recorrentes motivos de reflexão e tematização sobre a condição humana, a finitude e a angústia, o absurdo e a revolta, os totalitarismos e a resistência moral, a arte e a paixão pela vida, o compromisso e o perdão, o sofrimento e a violência, o medo e a morte, a justiça e a felicidade.

Esta efeméride camusiana tem vindo a ser assinalada um pouco por todo o mundo, sendo todavia que na própria França não foi possível promover nenhuma comemoração oficial sob a égide do seu Ministério da Cultura e da Comunicação, não tendo igualmente chegado a concretizar-se qualquer evento evocativo na Biblioteca Nacional, nem sequer tendo chegado a ter lugar consensual a prevista Exposição, no âmbito da capital europeia da cultura, em Marselha e Aix-en-Provence…


– E assim, pelos vistos, a memória de Camus, o seu pensamento, as suas tomadas de posição, as suas acções e militâncias, e tudo aquilo que ainda nele foi matéria de controvérsia, dissensão ou dissidência (a questão da Argélia, a experiência comunista soviética, o desalinhamento partidário, a diferenciação face ao existencialismo e ao marxismo, a demarcação perante o recurso ao terrorismo armado, etc.), tudo isso continua a pesar na multiplicidade divergente, ou contraditória, com que o autor de O Avesso e o Direito continua a ser visto, lido, situado… e dificilmente recuperável (como até com os seus restos mortais o figurão de Sarkozy tentou instrumentalizá-lo ao pretender transferir o que deles (não dele!) restaria para o Panteão parisiense…

Por outro lado, muitas tem sido as edições, congressos, simpósios, colóquios e debates que a vida e obra de Albert Camus tem suscitado em vários países, academias e órgãos de comunicação social, inclusive em Portugal (Universidades do Porto e Évora, Centro Cultural de Belém, Academia das Ciências, em Lisboa, etc., sendo que nesta última proferiu uma Conferência evocativo de Camus pelo embaixador Marcello Duarte Mathias, referencial autor do consagrado e pioneiro ensaio A Felicidade em Albert Camus, original de 1975, entretanto reeditado e aumentado).


3. Entre nós, aqui em Angra, as obras de Camus foram conhecidas e divulgadas, constituindo as respectivas edições pelos “Livros do Brasil” – recordo – presença regular, nomeadamente, pela mão de José Teixeira de Borba, na antiga secção e atenta montra de livraria da Loja do Adriano.

– Ali amiúde as discuti com o meu saudoso amigo e professor de Filosofia no Liceu, Dr. Hélder Lima, com uma abertura e uma sensibilidade críticas que os programas oficiais e os nossos velhos e secos manuais escolares adoptados por si só não permitiam…, apesar das diferenças em métodos e objectivos, bem notórias entre o austero e formal Augusto Saraiva e as Antologias de Psicologia e de Filosofia muito bem organizadas por Jorge de Macedo, Joel Serrão e Rui Grácio, que tínhamos de seguir em conformidade (mais ou menos oficiosa…) com os programas curriculares e disciplinares daquela época, se bem que, alguns deles, vistos à distância e comparados com alguns critérios, (des)orientações e competências actuais, não fossem, talvez, assim tão mal formadores como científica (e ideologicamente!) os pintam às vezes…



Para mim, que li e estudei Albert Camus praticamente todo e desde muito novo (e que o debati tantas vezes, como referi, à margem das aulas liceais e depois universitárias de Filosofia…), reconheço nele ainda hoje a mesma e perfeita síntese “viva e intacta” da sua reflexão, timbrando inesquecivelmente “a cintilação intelectual e humana que rodeia o seu nome”, como justamente escrevia Duarte Mathias:

– “E bem é que assim seja, porquanto muitos dos problemas por ele abordados, das causas por ele defendidas como das forças ocultas cuja marcha ele não se cansou de denunciar, permanecem instalados no nosso tempo, quando não em nós mesmos. A isto se deve, em grande parte, aliás, a sua popularidade e a actualidade do seu pensamento”, pelo que identicamente “para muitos da minha geração, o autor de O Estrangeiro logrou ser, pelo que escreveu e pelo que foi, mais do que uma fonte de inspiração, uma presença amiga e estimulante”.

De resto, sobre Albert Camus, entretanto, tem-se multiplicado, em Portugal e (ainda mais) no Brasil, estudos e teses académicas no âmbito da língua e da cultura portuguesas, confrontando a sua obra com a de outros escritores e pensadores de diversas áreas, correntes, estilos e visões do homem e do mundo (casos de José Saramago e de Vergílio Ferreira), enquanto muito ainda há a trabalhar e (re)descobrir no âmbito da sua obra literária, filosófica, política e ética, para com ele e nele, e citando-o, depois de termos falado “da nobreza do mister de escrever”, repormos verdadeiramente

“o escritor no seu verdadeiro lugar, sem outros títulos que não sejam os que partilha com os seus companheiros de luta, vulnerável mas teimoso, injusto e apaixonado pela justiça, construindo a sua obra sem vergonha nem orgulho à vista de todos, sempre dividido entre a dor e a beleza, e dedicado, enfim, a tirar do seu duplo ser as criações que obstinadamente tenta edificar no movimento destruidor da história"...



– E isto, para lhe darmos o direito à palavra e à esperança, como ele o mereceria no seu imaginativo e indomável carácter, reconhecendo-o ainda nos homens do nosso tempo e nesta actualidade às vezes tão absurda, tão injusta e tão desalmada nos seus pesados e dolorosos rochedos de Sísifo,

“junto de todos esses homens silenciosos que não suportam no mundo a vida que lhes é dada senão pela recordação ou o regresso de breves e livres felicidades”!

sexta-feira, novembro 15, 2013


A Banalização do Exílio



Mário Soares, ex-PR, ex-PM e fundador do PS, acaba de ser simbolicamente homenageado em França, tendo-lhe sido entregue pelo maire da “cidade luz” a Grande Médaille de Vermeil de la Ville de Paris.

– A linda cerimónia, no Hôtel de Ville, contou com a presença, entre figuras gaulesas e nacionais, de Jospin (ex-PM e ex-líder do PS francês), mas acabou por ficar, acima de tudo, marcada – embora sem notoriedade externa, mas mesmo assim como motivo de interesse na velha terra lusitana (agora, nas plagiantes e delico-doces sentenças do vice-PM, transformada em mísero e dependente “protectorado”) –, pela mui relevada e prestigiante comparência entre os convidados (presume-se que por oficioso conchavo protocolar inter-pares) do também ex-PM e ex-condottieri do ex-PS de Soares, José Sócrates!

Até aqui tudo estaria nos conformes, êxtases e desvanecimentos da ilustrada entourage daqueles camaradas euro-socialistas, não fosse o que de seguida mais assombrou a pompa da dita circunstância, quando Mário Soares, com a incauta (?) bonomia que é apanágio da sua magnânima personalidade, depois de evocar os seus propedêuticos e penosos tempos “de exílio” democrático, e após tanger forte e feio no primo-comissário Durão, na troika, na austeridade, em Merkel e no governo do seu País, dirigindo-se ao novel “mestre” ali acolhido – porém mediaticamente não encolhido! –, resolveu perorar neste laudatório:

– “Sou um grande amigo de Sócrates e penso que ele está a passar pelo mesmo que eu passei, que vivi aqui quatro anos no exílio – penso que ele, depois de dois anos em Paris, também é outro homem, com uma cultura que não tinha antes”...


A tais palavras, parolas (apenas paroles?), hão-de varrê-las, algum dia, limpos e novos ventos em Portugal (e talvez até no PS)!

Mas a tamanha falta de auto-estima, tão confrangedor aviltamento da imagem pessoal própria e tão ignóbil torção da verdade histórica, só a mais abjecta e ofensiva banalização ética de um exílio político poderia ter verbalizado em igual retórica cínica, gerando, no duplo espelhado da respectiva representação, o fantasma da sua vacuidade.
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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 16.11.2013).


Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2470



Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 20.11.2013):


RTP-Açores:



sexta-feira, novembro 08, 2013

Actualidade de Albert Camus

Na passada quinta-feira ocorreu o centésimo aniversário do nascimento de Albert Camus, escritor, ensaísta, dramaturgo, jornalista e filósofo francês nascido na Argélia (Mondovi, Constantina) a 07.11.1913 e falecido em França (Villeblevin, Yonne), num acidente de viação, a 4 de Janeiro de 1960.


Figura de referência na Literatura do Século XX, Camus é autor de uma vasta obra que inclui, entre outras títulos, O Estrangeiro (adaptado ao cinema, em 1967, por Visconti), A Peste, O Homem Revoltado, O Mito de Sísifo, Os Justos, O Exílio e o Reino, A Queda e Cartas a um Amigo Alemão (com um desenho de capa por Lima de Freitas), todos editados pelos “Livros do Brasil”, muitos deles traduzidos em português (nomeadamente por António Quadros, Urbano Tavares Rodrigues, José Carlos Gonzalez e Virgínia Motta), sendo que alguns incluíam notáveis e pioneiros Prefácios ou Estudos originais no nosso País (especialmente no caso de António Quadros), versões, em tradução, das respectivas introduções às edições francesas (como a de Jean-Paul Sartre para O Estrangeiro, traduzida por Rogério Fernandes, a de Jean Sarochi para A Morte Feliz, e a de Paul Viallaneix para Cadernos II/Escritos de Juventude), ou outras sugestivas explanações (como a do posfácio de Liselotte Richter a O Mito de Sísifo).


– Prémio Nobel da Literatura (1957), todo o pensamento, as acções e os livros de Albert Camus foram exemplar e genuinamente moldados e movidos por profundas inquietações existenciais, humanistas e metafísicas, e político-ideológicas e éticas, estando fundamentalmente marcados por recorrentes motivos de reflexão e tematização sobre a condição humana, a finitude e a angústia, o absurdo e a revolta, os totalitarismos e a resistência moral, a arte e a paixão pela vida, o compromisso e o perdão, o sofrimento e a violência, o medo e a morte, a justiça e a felicidade.


Esta efeméride camusiana tem vindo a ser assinalada um pouco por todo o mundo, sendo todavia que na própria França não foi possível promover nenhuma comemoração oficial sob a égide do seu Ministério da Cultura e da Comunicação, não tendo igualmente chegado a concretizar-se qualquer evento evocativo na Biblioteca Nacional, nem sequer tendo chegado a ter lugar consensual a prevista Exposição, no âmbito da capital europeia da cultura, em Marselha e Aix-en-Provence…

– E assim, pelos vistos, a memória de Camus, o seu pensamento, as suas tomadas de posição, as suas acções e militâncias, e tudo aquilo que ainda nele foi matéria de controvérsia, dissensão ou dissidência (a questão da Argélia, a experiência comunista soviética, o desalinhamento partidário, a diferenciação face ao existencialismo e ao marxismo, a demarcação perante o recurso ao terrorismo armado, etc.), tudo isso continua a pesar na multiplicidade divergente, ou contraditória, com que o autor de O Avesso e o Direito continua a ser visto, lido, situado… e dificilmente recuperável (como até com os seus restos mortais o figurão de Sarkozy tentou instrumentalizá-lo ao pretender transferir o que deles (não dele!) restaria para o Panteão parisiense…


Por outro lado, muitas tem sido as edições, congressos, simpósios, colóquios e debates que a vida e obra de Albert Camus tem suscitado em vários países, academias e órgãos de comunicação social, inclusive em Portugal (Universidades do Porto e Évora, Centro Cultural de Belém, Academia das Ciências, em Lisboa, etc., sendo que nesta última proferiu uma Conferência evocativo de Camus pelo embaixador Marcello Duarte Mathias, referencial autor do consagrado e pioneiro ensaio A Felicidade em Albert Camus, original de 1975, entretanto reeditado e aumentado).

­– Para mim, que li Camus praticamente todo e desde muito novo (e que o debati tantas vezes, à margem das aulas liceais e depois universitárias de Filosofia…), como noutra ocasião já referi, reconheço ainda hoje a mesma e perfeita síntese, “viva e intacta”, timbrando sempre “a cintilação intelectual e humana que rodeia o seu nome”, como justamente escrevia Duarte Mathias:

“E bem é que assim seja, porquanto muitos dos problemas por ele abordados, das causas por ele defendidas como das forças ocultas cuja marcha ele não se cansou de denunciar, permanecem instalados no nosso tempo, quando não em nós mesmos. A isto se deve, em grande parte, aliás, a sua popularidade e a actualidade do seu pensamento”, pelo que identicamente “para muitos da minha geração, o autor de O Estrangeiro logrou ser, pelo que escreveu e pelo que foi, mais do que uma fonte de inspiração, uma presença amiga e estimulante”.


– De resto, sobre Albert Camus, entretanto, tem-se multiplicado, em Portugal e (ainda mais) no Brasil, estudos e teses académicas no âmbito da língua e da cultura portuguesas, confrontando a sua obra com a de outros escritores e pensadores de diversas áreas, correntes, estilos e visões do homem e do mundo (casos de Saramago e Vergílio Ferreira), enquanto muito ainda há a trabalhar e (re)descobrir no âmbito da sua obra literária, filosófica, política e ética, para com ele e nele, e citando-o, depois de termos falado “da nobreza do mister de escrever”, repormos verdadeiramente “o escritor no seu verdadeiro lugar, sem outros títulos que não sejam os que partilha com os seus companheiros de luta, vulnerável mas teimoso, injusto e apaixonado pela justiça, construindo a sua obra sem vergonha nem orgulho à vista de todos, sempre dividido entre a dor e a beleza, e dedicado, enfim, a tirar do seu duplo ser as criações que obstinadamente tenta edificar no movimento destruidor da história”…


E isto, para lhe darmos o direito à palavra e à esperança, como ele o mereceria no seu imaginativo e indomável carácter, reconhecendo-o ainda nos homens do nosso tempo e nesta actualidade às vezes tão absurda, tão injusta e tão desalmada nos seus pesados e dolorosos rochedos de Sísifo, “junto de todos esses homens silenciosos que não suportam no mundo a vida que lhes é dada senão pela recordação ou o regresso de breves e livres felicidades”!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 09.11.2013):



Azores Digital:



RTP-Açores:



Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 09.11.2013):