sexta-feira, janeiro 25, 2013

O testamento das Lajes



– Lê-se e quase não se acredita no que ali está, mas aqui fica o texto disponível para consulta aberta e livre, neste endereço: http://www.azoresdigital.com/relatampv.baselajes.pdf.

Na verdade, na sequência de uma deliberação tomada, por unanimidade, na Assembleia Municipal da Praia da Vitória (AMPV), a 15.06.2012, foi a respectiva Comissão Permanente (CP) encarregada “de elaborar um trabalho para definir uma posição abrangente e, se possível, unânime, dos Órgãos de Poder Local da Praia da Vitória sobre a importância da presença Norte-americana na Base das Lajes […], bem como o grande impacto económico e social que esta presença tem para a Ilha Terceira e para os Açores”. 

E assim, nesse âmbito, foi decidido “realizar audições a várias entidades e personalidades que têm como área de intervenção e de investigação os assuntos relacionados com a presença Norte-Americana na Base das Lajes, nas suas diversas vertentes”…

Dito e feito: – Entre 30 de Julho e 9 de Novembro de 2012 a dita Comissão Permanente da AMPV promoveu quatro reuniões (sob a forma de “Audições”), nas quais participaram, a conhecidos e consignados títulos, as seguintes personalidades: Armando Mendes, Berto Messias, Emiliana Silva, Francisco Oliveira, Francisco Tavares, José Adriano Borges de Carvalho, João Manuel Barcelos, João Ormonde, José Paim, José Parreira, Norberto Messias, Paula Ramos, Paulo Borges, Paulo Ribeiro, Roberto Monteiro, Rui Castro e Victor Silva. 

Após tais consultas e o documento final elaborado, da responsabilidade da dita CP, dele foi dado devido conhecimento à AMPV, que o aprovou, a 14.12.2012, por unanimidade também!

E depois, ainda desta mesma crestomatia praiense foi feita solene e publicitada dádiva, no passado dia 11 do corrente, ao presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro, só não se sabendo, entrementes, quando ou se será entretanto a dita antologia de depoimentos também pomposa e formalmente entregue, como acordado, ao Governo da República!

Ora, independentemente daquilo que sobre tal ilustrado rebento municipal sobre a Base das Lajes terá de ser posteriormente dito, mas porque se trata de reais interesses e de imagens nossas (açorianas e portuguesas!), não posso deixar de confessar já ter sido com um misto de vergonha e de indignação que li semelhante e suposto "Relatório", para mais numa altura histórico-diplomática e com o destino estratégico e de soberania que, ainda por cima, lhe pretenderam e pretenderão dar…

– Bem sei (calculo...) que o dito “Relatório” não fará propriamente grande história (embora talvez provoque alguma mossa conjuntural, ou suscite dobradas e piedosas risotas historicamente humilhantes para todos nós!).

Todavia, e para além disso, que aquelas espantosas páginas hão-de certamente ficar para a História das nossas ilhas dos Açores (e de Portugal no seu todo, desde a mais humilde freguesia à mais científica e distinta Academia…) como um datado e pequeno monumento (significante na sua insignificância…)  à nossa menoridade, à nossa irresponsabilidade e ao nosso comprometedor e degradante retrocesso político, institucional, social, cultural e mental –, lá disso não haverá a mínima dúvida!

E ainda por cima quando o que ali fica arquivado para a posteridade provém de quem teve, e/ou tem, algumas (grandes e graves?) responsabilidades políticas (e partidárias) na nossa vida colectiva, por maioria de razão, o caso torna-se sobremaneira preocupante, angustiante e gerador de grande indignação, na exacta medida em que, em tão insólito, confrangedor e patético documento, o seu ultrajante e incauto conteúdo somente terá paralelo nas respectivas e quase inacreditáveis formas,  (i)literacias e arrojadas pretensões!

– Tudo isto, na verdade, é muito desolador (e seria carnavalesco, se não fosse dramático). Porém, francamente, ao fim de todos estes anos (de Democracia, de Autonomia e até de Escolaridade Básica...), chegarmos a tanto e a tão pouco, é mesmo de partir a alma!

Sem antecipar nada do que crítica e detalhadamente direi mais tarde, como me pedem, em contexto académico e no domínio de um estudo e abordagem crítica e socio-histórica – que verdadeiramente é aquilo a que me interessa especialmente atender nesta vasta problemática –, apenas quero hoje adiantar que – desde a inconcebível e desadequada metodologia usada, até à analfabeta transcrição técnica dos palavreados gravados; desde o comprometedor e escusado registo de afirmações e desabafos de estados viscerais e ultrajantes para o País e para as suas instituições e órgãos; desde as mais mirabolantes, desinformadas, irresponsáveis ou apenas levianas análises, até às mais inconsequentemente formuladas defesas dos nossos, esses sim, justos direitos, – quase nada do que ali consta abona a favor da Praia da Vitória, da mínima e exigível qualificação dos seus órgãos municipais, políticos e técnicos, até porque a todos eles e à nossa terra os expõe, mais do que o imaginável, a um atroz e ridículo estatuto institucional, pessoal, ético e cultural!

– E finalmente, ainda por cima ter-se pretendido provocar a chamada, e depois formalmente fazer inscrever nas Conclusões e Recomendações deste tosco testamento praiense sobre a Base das Lajes (da exclusiva e inconsciente responsabilidade daquela confrangedora e comissariada instância concelhia!) que se lamentava “o facto de o Comando Português e Comando Americano da Base das Lajes terem recusado ser ouvidos no âmbito deste trabalho”, francamente, nem sequer merece qualquer comentário sério…

Tudo isto que aqui adianto, evidentemente, não invalida o muito e importante que naquelas reuniões, em bruto, foi dito; o que questionamos e rejeitamos de todo é o modo como tudo isso foi tão mal e indevidamente trabalhado e relatado, chegando-se ao ponto de revestir o que ali foi validamente reflectido, ou irreflectidamente desabafado, na mais ridícula, leviana e improcedente demonstração narrativa da nossa dramática (e histórico-político-culturalmente imerecida?) condenação à subalternidade internacional e nacional, em conjugação com o nosso recorrente destino de menoridade e de exploração regional e local!
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Publicado em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 27.01.2013);
RTP-Açores:
e Azores Digital:
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 26.01.2013).