quarta-feira, abril 24, 2013


Igreja e Política nos Açores
durante o Século XX



Diário Insular (DI) – Tem salientado o papel da Igreja na transformação da sociedade açoriana do Século XX. Como perspectiva essa relação?

Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – O período referido – precisamente entre o final da década de 40 e a primeira metade dos anos 70 (até ao 25 de Abril) – constituiu de facto um ciclo histórico-político, psicossocial, cultural, intelectual e espiritual absolutamente único e decisivo na evolução da nossa sociedade, tendo sido por isso determinante para a construção possível da unidade do Arquipélago e a génese de uma nova consciência regional açoriana.

– Digo “nova consciência”, apesar de diferentes configurações axiológicas e societárias se terem verificado em outros períodos e contextos históricos; porém, nunca como ali se verifica tão profundamente a tematização e consciencialização dos Açores como comunidade dotada de personalidade colectiva e de unidade destinal, para usar a exemplar formulação filosófica de José Enes.

DI – Onde e como nasceram essas dinâmicas?

EFR – Os centros comuns de geração e de encontro desse progressivo e compósito processo reflexivo e programático regional – onde confluem (em campos, dimensões e carismas diferentes) várias instituições e movimentos (Seminário de Angra, IAC, Semanas de Estudo, Cursos de Cristandade, Acção Católica, LIC, JEC e JOC…) –, encontram-se justamente nos círculos de influência e nos quadros teórico-práticos da Igreja, da Doutrina Social e do Humanismo próprios do Cristianismo.

– Tudo o resto, no Pensamento e na Acção locais (inclusive nas esferas da Política, do Associativismo, da Educação e da Comunicação Social), tanto em termos de projecto de sociedade como de vida pessoal, assentou, directa ou indirectamente, nessa matriz, com a subsequente redescoberta, reconfiguração e correlativo entendimento dos sinais das “realidades terrestres” e da “ordem universal”, que o Vaticano II, a par da nova ordem mundial nascente, trouxeram até nós…

DI – Nesse contexto, como situa o 25 de Abril de 74?

EFR – … Depois, mas já numa fase de certo declínio, desencanto ou esgotamento daqueles ideais (em parte devido à situação política global e à fracassada “primavera marcelista”), foi só e apenas com algumas daquelas linhas e categorias (conseguidas umas, frustradas outras…) que chegámos ao 25 de Abril! Porém, tudo isso, que fora incarnado em pessoas e projectos concretos, sofre lamentáveis e regressivos adiamentos, bloqueios, desperdícios mentais, estruturais e institucionais, com intolerâncias, repressões e saneamentos que provocaram desmotivação, conformismo, cedências ou revolta, apesar das aspirações e conquistas autonómicas…

Ora com a libertação revolucionária (e outras arrumações ideológicas, crispações, subalternizações e enquistamentos partidários de muita gente, saberes e valores…), abriu-se também a porta a oportunismos, impasses, rupturas e insustentabilidades, com a agravante terminal de, contemporaneamente, ser até difícil a crença (esperança ou utopia…) numa Pátria mais justa, livre, desenvolvida e com sentido do futuro!

– É certo que a culpa formal e sistémica das nossas múltiplas falências não estará essencialmente na Democracia e na Autonomia! Todavia, os vigentes modelos, paradigmas e regimes societários, éticos e culturais, a perpetuarem-se, não garantirão nem a viabilidade material nem a legitimidade moral da sua (e nossa) sobrevivência, em moldes livres e dignos, por muito mais tempo…
________________

(*) Entrevista concedida ao jornal “Diário Insular” (25 de Abril de 2013).
Idem em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 25.04.2013);
RTP-Açores: