Memória de um Projecto Cristão
para Desenvolvimento dos Açores
para Desenvolvimento dos Açores
Nesta efeméride da passagem de
meio século sobre a ocorrência de acontecimentos
históricos muito marcantes e decisivos na vida da sociedade açoriana de
meados do Século XX, tive já oportunidade de evocar aqui dois deles – a II Semana de Estudos dos Açores e o
início dos Cursos de Cristandade no
Arquipélago –, relacionando-os especialmente com a publicação da Encíclica Pacem in Terris, a realização e a
recepção do Concilio Vaticano II, a Doutrina Social da Igreja e o Pensamento
Humanista Cristão, – factos e factores que conjugadamente moldaram uma
ilustríssima geração de Açorianos e balizaram os seus horizontes, ideários,
projectos e comprometimentos espirituais, sociais, culturais e políticos.
1. Hoje abordarei
sucintamente mais um exemplo desses acontecimentos e recepção dessas ideias,
recordando a paradigmática confluência verificada
entre aquele que seria afinal o principal lema das Semanas de Estudos e uma sua
interpretação ortoprática tal
como foram subscritas no discurso de um distinto homem da sociedade e da
imprensa micaelenses da época, – precisamente o Dr. Manuel Carreiro, então
Director do “Diário dos Açores” (e cujo filho Manuel/“Mani” viria a falecer,
morto em combate na Guiné, durante a Guerra Colonial que o regime deposto em 25
de Abril sustentaria durante décadas de opressivos sacrifícios, injustiças,
logros, arbitrariedades e impasses nacionais, regionais e pessoais…).
– E foi assim que na Apresentação
do Livro da II Semana de Estudos (realizada
em Angra do Heroísmo entre os dias 3 e 10 de Abril de 1963) o seu genial animador
e incansável Secretário, Doutor José Enes (na pintura-retrato de Aristides Ambar
que ilustra este texto), depois de salientar o “nível das conferências e dos
debates, o interesse activo e o admirável espírito de compreensão, sinceridade
e tolerância” que haviam timbrado as respectivas sessões com “um valor cultural
e humano verdadeiramente invulgar”, acabaria por colocar aquele ímpar projecto pan-açoriano sob o programático lema de
“Mais saber para melhor viver”!
Porém aquela formulação fora
possivelmente inspirada e como que parafraseava filosoficamente uma célebre
passagem da Encíclica Mater et Magistra
(de João XXIII), por sua vez recolhida da não menos indicativa expressão – “Ver,
julgar, agir” – do método pastoral do cardeal Joseph Cardijn, fundador da Juventude
Operária Católica (JOC) e que tinha aliás desempenhado activo papel como um dos
mais empenhados e primeiros responsáveis católicos a pedir ao Papa, em
Memorando próprio, a publicação de nova Encíclica social para marcar o 70º.
Aniversário da Rerum Novarum (1891) de
Leão XIII. E de facto, na Mater et
Magistra (15 de Maio de 1961), no articulado relativo a “Sugestões
práticas”, viria depois a ler-se:
– «Para levar a realizações
concretas os princípios e as directrizes sociais, passa-se ordinariamente por
três fases: estudo da situação; apreciação da mesma à luz desses princípios e directrizes;
exame e determinação do que se pode e deve fazer para aplicar os princípios e
as directrizes à prática, segundo o modo e no grau que a situação permite ou
reclama. São os três momentos que habitualmente se exprimem com as palavras
seguintes: "ver, julgar e agir"» …
2. Ora é neste contexto
socio-histórico e teórico-prático que José Enes, citando Manuel Carreiro, depois
de afiançar que como portugueses e como
açorianos tínhamos consciência de que a hora não era “para divagações
estéreis nem para discussões bizantinas”, destacava o argumento a relevar e
subscrever com o Director do “Diário dos Açores” quando este dizia que “de mãos
dadas, olhando-nos de frente e nunca indiferentes, poderemos discutir, limar
arestas, e resolver grandes problemas açorianos, há muito aguardando solução
satisfatória. Só assim, francos e descontraídos, poderemos dar ao Arquipélago
aquela coesão e força anímica de que tanto carece, para que mais se valorize e
prestigie”!
Por seu lado e do mesmo modo, justa
e finalmente José Enes concluía, com toda a previdente lucidez da sua tão
reflectida e avisada prospectiva: – “E é desta forma que as ideias entram na
convivência humana, ao nível da consciência colectiva, transformando-se em
sistemas de dominantes teóricas e práticas. Quer dizer: é assim que se elabora
a cultura vivida.
“Com o desejo de mais saber para melhor viver, comecemos,
portanto, sob o signo da boa vontade, da sinceridade e da tolerância”…
3. Todavia, agora e aqui,
passado meio século, talvez seja urgente e proveitoso repensarmos todos e analogamente o estado de coisas a que chegámos,
e tudo aquilo que não soubemos (ou não nos deixaram…) construir como homens e como cristãos portugueses
dos Açores, no País, para a nossa Região Autónoma e com todos os Açorianos,
sendo que talvez com isso nos tornaríamos mais
dignos das esperanças e lutas do passado… Ou não permanecessem ainda vigentes e actuais as históricas
palavras da mesma Encíclica, lá pelos idos (?) anos 60, ao analisar os antecedentes
do século, assim:
–“Como é sabido de todos, o
conceito do mundo económico, então mais difundido e posto em prática, era um
conceito naturalista, negador de toda a relação entre moral e economia. (…) Juros
dos capitais, preços das mercadorias e dos serviços, benefícios e salários, são
determinados, de modo exclusivo e automático, pelas leis do mercado. (…) Num mundo económico assim concebido, a lei do mais forte
encontrava plena justificação no plano teórico e dominava no das relações
concretas entre os homens. E daí derivava uma ordem económica radicalmente
perturbada.
“ (…) Enquanto, em mãos de
poucos, se acumulavam riquezas imensas, as classes trabalhadoras iam
gradualmente caindo em condições de crescente mal-estar. (…) Sempre ameaçador o
espectro do desemprego.
“ (…) Não devemos, pois,
admirar-nos, se os católicos mais eminentes, atendendo aos apelos da Encíclica,
empreenderam iniciativas múltiplas, para traduzirem em prática os seus
princípios. De facto, nessa tarefa se empenharam, sob o impulso de exigências objectivas
da natureza, homens de boa vontade de todos os países do mundo.
“Por
isso, a Encíclica, com razão, foi e continua a ser considerada como a Magna Carta da reconstrução económica e social da
época moderna”…
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