sexta-feira, novembro 22, 2013


Os Referenciais do Outono


A semana que agora termina foi marcada por factos e acontecimentos que devem ser lidos como verdadeiros sintomas, sinais ou factores referenciais – conquanto díspares, algo contraditórios ou controversos… – para a actualidade e para os rumos que o nosso País, nalguns aspectos, poderá assumir e seguir no futuro próximo…

 Deixaremos todavia no seu devido e circunscrito lugar o apuramento de Portugal para o Mundial de Futebol que terá lugar em terras de Vera Cruz – feito que, perante a expressiva vitória da “selecção das quinas”, pontualmente galvanizou a nação e preencheu manchetes do quotidiano, brios, paixões míticas e arroubos de patriotismo mais ou menos imaginário, efémero ou fictício, enquanto despoletou compreensivas e expectáveis indignações (de consequência duvidosa…) perante afrontas como aquela de que foi alvo mediático e alegórico a efígie de Ronaldo…) –, todos de resto, em consonância com o neo-tribalismo que aqueles e outros espectáculos de massas, de modo quase totémico, proporcionam…


1. Assim, ladeando aquele acontecimento desportivo – vinha a dizer – julgo valer a pena começar por sinalizar outras manifestações cuja lógica objectiva e material é bem mais reveladora do estado de espírito e da respectiva pobreza ou indigência que persistem em varrer Portugal de lés a lés. E é assim que julgo merecer já atenta e aprofundada reflexão o teor das sucessivas e reincidentes tiradas socio-político-económico-religiosas que o docente universitário J. C. das Neves (JCN) vem tecendo em vários OCS, dizendo e escrevendo destas espantosas coisas:

– “Nos anos 1960, Portugal era um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres. (…) Havia quem abusasse da sua dedicação, e ele sabia-o. Sentia-se enganado, mas apesar disso trabalhava com afinco. (…) Um dia, Portugal recebeu uma boa notícia da terra. Aqueles que abusavam dele tinham sido afastados. (…) Só que a euforia da liberdade financeira criou um problema de endividamento. Dez anos depois de entrar no euro, Portugal estava falido, com a troika à porta, exigindo pagamento. O choque foi grande. Portugal compreendeu que, afinal, não era como os países ricos. (…). O buraco era enorme. Não havia solução”!




E como se não bastasse nem se cresse em tanta inspiração – com as habituais e histriónicas gratuidades ou subterfúgios da sua retorcida teoria económico-financeira e respectiva retórica neo-liberal (só?) amiúde insolentemente banhada em fórmulas e receitas historicamente falidas e cruelmente predatórias de vidas pobres e exploradas, ultrajando rostos e tentando subjugar a resistente e memorial consciência dos povos –, o dito economista dos almoços sempre pagos veio agora conspurcar e ofender (ainda mais) as agonias e sofrimentos dos pensionistas e dos pobres de Portugal, atabalhoando argumentos, gemidos e esganiços para defender acrescidos cortes (sic) nos salários e pensões do Povo Português – que nem voz teria, nem talvez a merecesse, segundo JCN, a não ser por préstimo e empréstimo de uns tantos, intrometidos e interessados seus advogados, pais e mães (quem sabe!?) de aluguer ou substituição na cabeça e nas barbichas cofiadas e confiadas daquele antigo conselheiro cavaquista, cujas conhecidas leituras fáceis, diga-se de passagem, de S. Tomás parecem ignorar o que, no Doutor Angélico, tem a ver com a usura (em todas as suas paradigmáticas modalidades…).

É claro que JCN nem mereceria sequer duas linhas de comentário ou contra-argumento de ninguém em real estado ético e estádio moral de juízo… Todavia apetece citá-lo aqui, concitando-o ao que ele próprio acaba de escrever e lhe assenta, sem beatice mas agonicamente talvez e a rebate que nem látego em (má) consciência ou luva de desafio e arrependimento, outrossim essas corajosamente cristãs: “Não há felicidade maior do que saber que Deus (…) se entregou à morte para me salvar. (…) Nas nossas cidades e aldeias, nas casas e capelas de Portugal (…) tudo lembra este facto radical. (…) Ele está pendurado por minha causa. Nas paredes das salas, nas frontarias das igrejas, nos quadros dos museus, até no meu peito, em todo o lado a imagem da cruz lembra que Aquele ali, coberto de sangue, foi condenado à morte por minha causa. (…) As razões da condenação acumulo-as a cada momento. Pequenas e grandes traições, mentiras e violências, egoísmo e mesquinhez; sobretudo a terrível tibieza e mediocridade em que mergulham os meus dias. De fora não se vê a podridão que tenho dentro…” (sic).

– Caso portanto para dizer a JCN: Bendito o que veio (em vão?) invocar o nome do Senhor dos deserdados da Terra!

2. O segundo referencial que esta semana se aprofundou, parece-me ser todo o movimento gerado, com enorme e significativa dimensão, à volta da homenagem ao general Ramalho Eanes, cuja cerimónia pública vai decorrer em Lisboa, no dia 25 de Novembro (data bem lembrada…).


Reunindo crescentes adesões, animado e subscrito por um grupo de distintas (conquanto díspares!) personalidades de diversos quadrantes – entre muitos outros, de Adriano Moreira a Rocha Vieira, de Bruto da Costa a Eduardo Lourenço e Mota Amaral, de Jaime Gama e Medeiros Ferreira a Laborinho Lúcio e José Gil, de Loureiro dos Santos, Garcia Leandro e Mendo Henriques a Sobrinho Simões, de Almeida Bruno e Rosa Mota a António Capucho, António Costa e João Salgueiro, de Jorge Miranda e Sampaio da Nóvoa a Medina carreira e Belmiro de Azevedo, de Alexandre Quintanilha a Vasco Graça Moura, de João Lobo Antunes a Pinto da Costa, de Manuel Alegre e Mário Mesquita a Bagão Félix, António Barreto e D. Duarte de Bragança… –, longa é a lista já divulgada  – conforme pode ser apreciado e conhecido na página acessível aqui http://testemunhopublico.pt/Comiss%C3%A3o%20de%20honra.pdf – dos que na decorrente iniciativa e na respectiva comissão de honra se juntaram ao antigo e ético-politicamente referencial Presidente da República, – a quem, recordo, os Açores devem formal e respeitoso reconhecimento autonómico e de quem mereceram pronta solidariedade institucional e pessoal em dolorosas situações como a do Sismo de 80!

Entretanto continua a merecer destaque a página do Facebook especificamente destinada a testemunhar o apreço e respeito que Ramalho Eanes continua a merecer em todo o País, nas mais relevantes instituições e pelas mais sólidas e fundamentadas razões, conforme pode ser confirmado aqui:

https://www.facebook.com/pages/EANES-Testemunho-P%C3%BAblico/509462219161171

– E é assim que as razões desta bem simbólica, mobilizadora e oportuna homenagem, mais fortemente ainda significativa nesta altura de grave e sistémica crise nacional – que é de identidade, soberania, credibilidade, valores, esperança, confiança, justiça, honra, responsabilidade e verdade! –, estão bem expressas no conteúdo do respectivo e divulgado manifesto, que fala por si e por todos nós afinal…

3. Finalmente e em terceiro lugar, nestes referenciais do Outono (à espera de um novo Abril?) em Portugal, deve ser registado o grande Fórum (dubiamente apelidado de “congresso das esquerdas”), promovido por Mário Soares, “em defesa” da Constituição da República, ou no combate e luta pelos valores sociais, legislativos e jurídicos básicos que nela historicamente estão plasmados (como incisivamente disse Pacheco Pereira).

– Assinalável peça de intervenção cívica, revestida de uma verve crítica, humorística e política muito apreciada por toda a assistência presente, o discurso de José Pacheco Pereira, disponível em http://abrupto.blogspot.pt/, também merecidamente pode ser visto e ouvido, na íntegra, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=-VUDfR0JUzM&feature=share


 Este evento – que de algum modo se contrapõe ideologicamente às teses neo-liberais da governança de Passos/Portas/Troika veiculadas pelo tal académico, qual novo “Xerife de Notthingham (como a JCN apelidou Mendo Henriques, curiosamente retomando até uma imagem usada, em 2008, por Portas, por acaso na ilha Terceira, ao referir-se ao então primeiro-ministro Sócrates…) – mas que estrategicamente não coincidirá em toda a linha com o Movimento eanista em marcha, ainda irá certamente dar muito que falar, até porque não deixa de trazer à viva lembrança uma proposta de reflexão comparativa (apesar das circunstâncias histórico-políticas dissemelhantes) com as movimentações de frentismo comum que marcaram alguns projectos (falhados uns, conjunturalmente unitários, divergentes ou político-partidariamente consensuais outros), como o MUNAF, o MUD, o MND, a CDE, a CEUD, o MDP-CDE (para já nem referirmos outros trajectos conhecidos, desde o longínquo e monárquico Integralismo Lusitano ao efémero PRD…).

Ora é por todas estas razões que parafraseando o título de conhecidas obras históricas e literárias já clássicas, também contemporaneamente esperemos que, para além do cada vez mais eminentemente degradado Outono dos hierarcas do actual regime político-partidário, parlamentar e governativo, não venhamos a cair mesmo num outro, sempre obsessivamente presente, possível e perigoso Inverno da própria Democracia


– Talvez também por isso a razão e o coração dos Portugueses (de nós todos, cidadãos…) estejam realmente bem do lado dos dois últimos referenciais aqui nomeados, contra a retórica desumana e a opressiva tentação predatória, agressiva e exploradora do primeiro, e de tudo aquilo que ele encarna e despudoradamente reproduz!

Ilha Terceira, Açores, 22 de Novembro de 2013
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 23.11.2012):


Azores Digital:

e RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=34485&visual=9&layout=17&tm=41:


 Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 23.11.2013):