sábado, novembro 30, 2013



Uma Leitura alargada
dos Referenciais do Outono

1. Em Crónica como habitualmente publicada há uma semana aqui em DI, sinalizámos então, quase em jeito de sumário, uma série de indicadores, ou – conforme os denominámos – de referenciais relativos a uma série de acontecimentos que marcaram a actualidade portuguesa nos últimos dias e que, como tal, foram motivo de destacada abordagem, análise e comentário em praticamente todos os OCS nacionais. Todavia, retomamos hoje, mais desenvolvidamente para este jornal terceirense, algumas dessas leituras, à luz daqueles factos e de algumas das novas sequências mais elucidativas dos mesmos e das suas lógicas……

Na verdade, conforme dissemos, os últimos dias da vida nacional foram marcados por factos e acontecimentos que devem ser lidos como verdadeiros e importantes sintomas, sinais ou factores referenciais – conquanto díspares, contraditórios ou até controversos… – para a aferição de algumas das conjunturas e respectivos rumos possíveis que no nosso País se perspectivam.


 Deixando logo no seu circunscrito e mais esquecido lugar o “glorioso” e gloriado apuramento de Portugal para o Mundial de Futebol – feito que, perante o último triunfo da “selecção das quinas”, pontualmente galvanizou a nação e preencheu manchetes do quotidiano, brios, paixões míticas e arroubos de patriotismo mais ou menos imaginário, efémero ou fictício, enquanto despoletou expectáveis indignações perante afrontas como aquela de que foi alvo mediático e alegórico a efígie de Ronaldo, em consonância, de modo quase totémico, com o neo-tribalismo que aquele e outros semelhantes espectáculos de massas proporcionam…

– Ladeando pois esse acontecimento desportivo – vinha a dizer – julgo valer a pena tornar a registar outras manifestações cuja lógica objectiva e material é bem mais reveladora do estado de espírito que persiste em varrer Portugal de lés a lés, conforme paradigmaticamente o vemos configurar-se e reincidir ainda nesta semana.

E é assim que de entre todas essas julgo merecer atenta e aprofundada reflexão o teor das sucessivas e reincidentes tiradas socio-político-económico-religiosas que o docente universitário da UCP, João César das Neves (JCN), vem tecendo em vários OCS, dizendo e escrevendo coisas tão espantosas quanto estas:

– “Nos anos 1960, Portugal era um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres. (…) Havia quem abusasse da sua dedicação, e ele sabia-o. Sentia-se enganado, mas apesar disso trabalhava com afinco. (…) Um dia, Portugal recebeu uma boa notícia da terra. Aqueles que abusavam dele tinham sido afastados. (…) Só que a euforia da liberdade financeira criou um problema de endividamento. Dez anos depois de entrar no euro, Portugal estava falido, com a troika à porta, exigindo pagamento. O choque foi grande. Portugal compreendeu que, afinal, não era como os países ricos. (…). O buraco era enorme. Não havia solução”!


 E como se não bastasse nem se cresse em tanta inspiração – com as habituais e histriónicas gratuidades ou subterfúgios da sua retorcida teoria económico-financeira e respectiva retórica neo-liberal (só?) amiúde insolentemente banhada em fórmulas e receitas falidas e cruelmente predatórias de vidas pobres e exploradas – o dito economista dos almoços sempre pagos veio agora conspurcar e ofender (ainda mais) as agonias e sofrimentos dos pensionistas e dos pobres de Portugal, atabalhoando argumentos, gemidos e esganiços para defender a aplicação de mais cortes (sic) nos salários e pensões do Povo Português – que nem voz teria, nem talvez a merecesse, segundo JCN, a não ser por préstimo e empréstimo de uns tantos, intrometidos e interessados advogados seus, pais e mães (quem sabe!?) de aluguer ou substituição na cabeça e nas barbichas cofiadas e confiadas daquele antigo conselheiro cavaquista, cujas mansas e conhecidas leituras de S. Tomás de Aquino, diga-se de passagem, parecem ignorar o que, no Doutor Angélico, é pensado sobre a usura, em todas as suas modalidades históricas, éticas e antropologicamente situadas…

É claro que JCN nem mereceria sequer duas linhas de comentário ou contra-argumento de ninguém em real estado ético e estádio moral de juízo… Todavia apetece citá-lo ainda aqui, concitando-o ao que ele próprio mais escreveu e lhe assenta, sem beatice mas agonicamente talvez e a rebate, que nem látego em (má) consciência ou luva de desafio e arrependimento (outrossim, esses corajosamente cristãos):

“Não há felicidade maior do que saber que Deus (…) se entregou à morte para me salvar. (…) Nas nossas cidades e aldeias, nas casas e capelas de Portugal (…) tudo lembra este facto radical. (…) Ele está pendurado por minha causa. Nas paredes das salas, nas frontarias das igrejas, nos quadros dos museus, até no meu peito, em todo o lado a imagem da cruz lembra que Aquele ali, coberto de sangue, foi condenado à morte por minha causa. (…) As razões da condenação acumulo-as a cada momento. Pequenas e grandes traições, mentiras e violências, egoísmo e mesquinhez; sobretudo a terrível tibieza e mediocridade em que mergulham os meus dias. De fora não se vê a podridão que tenho dentro…” (sic).

– Caso portanto para dizer a JCN: Bendito o que vem (em vão, agora?) invocar o nome do Senhor dos deserdados da Terra!


2. O segundo referencial que durante esta semana se aprofundou foi sem dúvida todo o movimento gerado, com enorme e significativa dimensão, à volta da Homenagem ao General Ramalho Eanes, cuja cerimónia decorreu em Lisboa, no dia 25 de Novembro (data bem lembrada…), no Centro de Congressos da AIP.



 – Reunindo muitas adesões, animada e subscrita por um grupo de distintas (conquanto díspares…) personalidades de diversos quadrantes – entre outros integrando a respectiva Comissão de Honra, desde Adriano Moreira a Rocha Vieira; de Bruto da Costa a Eduardo Lourenço e Mota Amaral; de Jaime Gama e Medeiros Ferreira a Laborinho Lúcio e José Gil; de Loureiro dos Santos, Garcia Leandro e Mendo Henriques a Sobrinho Simões; de Almeida Bruno e Rosa Mota a António Capucho, António Costa e João Salgueiro; de Jorge Miranda e Sampaio da Nóvoa a Medina Carreira e Belmiro de Azevedo; de Alexandre Quintanilha a Vasco Graça Moura; de João Lobo Antunes e Pinto da Costa e Manuel Alegre, Mário Mesquita e Bagão Félix, e de António Barreto a D. Duarte de Bragança… –, longa é a lista dos que na sentida e vibrante iniciativa se juntaram ao antigo e ético-politicamente referencial Presidente da República, – a quem, recordo, os Açores devem formal e respeitoso reconhecimento autonómico, e de quem mereceram pronta solidariedade institucional e pessoal em dolorosas e lembradas situações como a do Sismo de 80!



 Num Auditório repleto de amigos, camaradas de armas, admiradores civis, políticos e intelectuais – com destacadas e reconhecíveis presenças (e ausências…) açorianas, conforme pessoalmente lá constatámos… –, foi então ali apresentado por Mendo Henriques o recém criado Prémio António Ramalho Eanes, e bem assim traçado um expressivo quadro de louvores (por Guilherme Oliveira Martins, Garcia Leandro e João Lobo Antunes) às dimensões e facetas humanas, políticas, éticas, militares e de cidadania do homenageado, ao que se seguiu, antes da própria alocução final pelo próprio General Eanes, uma mesa-redonda moderada por Fátima Campos Ferreira (com a participação dos jornalistas Fernando Dacosta, Henrique Monteiro e Paulo Baldaia).

– E ainda na mesma sessão pudemos ouvir dois reveladores e emocionantes depoimentos, de surpresa solicitados e de improviso proferidos, por Adriano Moreira e Eduardo Lourenço, cujos discursos ainda mais nobilitaram o perfil cívico, patriótico e democrático do estratega do 25 de Novembro, membro do Grupo dos Nove e companheiro tão confiante e fraterno de Melo Antunes (outro dos nomes açorianos evocados na ocasião, tal como Natália Correia e Vitorino Nemésio, cujos percursos e ideários se cruzaram com o de Eanes).

E isto enquanto, por outro lado, nas Redes Sociais se multiplicam ainda as Páginas que lhe são dedicadas – como esta https://www.facebook.com/mareramalhoeanes e esta
https://www.facebook.com/pages/EANES-Testemunho-P%C3%BAblico/509462219161171?fref=ts –, cujos testemunhos se revestem de um claro sentido e de um sentir que revela algo de muito profundo na consciência do País, como apelo racional, argumento consensual e indesmentível anseio de valores como a integridade, a honradez, a transparência, a rectidão de procedimentos, a firmeza de carácter, o sentido de despojamento e de missão ao serviço dos supremos interesses do Povo Português e dos interesses permanentes de Portugal no concerto das Nações e dos Povos (nomeadamente daqueles que partilham a mesma Língua).



– E é assim que as razões desta bem simbólica, mobilizadora e oportuna homenagem, mais fortemente ainda significativa nesta altura de grave e sistémica crise nacional – que é de identidade, soberania, credibilidade, valores, esperança, confiança, justiça, honra, responsabilidade e verdade! –, estão bem expressas no conteúdo do respectivo e divulgado manifesto, que fala por si e por todos nós afinal – estando disponível aqui: http://testemunhopublico.pt/Comiss%C3%A3o%20de%20honra.pdf –, para olhar o futuro, sem esquecer as lições do passado e os impasses do presente!


3. Finalmente e em terceiro lugar, nestes referenciais do Outono (à espera de um novo Abril?) em Portugal, deve ser registado o grande Fórum (dubiamente apelidado de “congresso das esquerdas”), promovido por Mário Soares, “em defesa” da Constituição da República, ou no combate e luta pelos valores sociais, legislativos e jurídicos básicos que nela historicamente estão plasmados, como incisivamente disse Pacheco Pereira numa notável e muito justamente aplaudido discurso, cuja apreciação recomendamos e que pode ser lido no seu Abrupto (http://abrupto.blogspot.pt/), e visto e ouvido em http://www.youtube.com/watch?v=-VUDfR0JUzM.


  Este evento – que de algum modo se contrapõe ideologicamente às teses neo-liberais da governança de Passos/Portas/Troika veiculadas pelo tal académico, qual novo “Xerife de Notthingham”, como a JCN apelidou Mendo Henriques (retomando uma imagem usada, em 2008, por Paulo Portas, aqui na Terceira, ao referir-se ao então primeiro-ministro Sócrates…) –, mas que estrategicamente não coincidirá em toda a linha com o Movimento eanista, ainda irá certamente dar que falar, até porque não deixa de trazer à lembrança propostas de reflexão comparativa (apesar das circunstâncias histórico-políticas dissemelhantes) com movimentações de frentismo comum que marcaram alguns projectos (falhados uns, conjunturalmente unitários, divergentes ou político-partidariamente consensuais outros), como o MUNAF, o MUD, o MND, a CDE, a CEUD, ou MDP-CDE (para já nem referirmos outros trajectos conhecidos, desde o longínquo e monárquico Integralismo Lusitano ao efémero PRD…).

Ora é por todas estas razões que parafraseando o título de conhecidas obras históricas e literárias já clássicas, também contemporaneamente se espera que, para além do cada vez mais eminentemente degradado Outono dos hierarcas do actual regime político-partidário, não venhamos a cair num outro, sempre obsessivamente presente, possível e perigoso Inverno da própria Democracia

– Talvez também por isso a razão e o coração dos Portugueses estejam realmente bem mais do lado dos dois últimos referenciais aqui nomeados, contra a retórica desumana e a opressiva tentação predatória, agressiva e exploradora do primeiro, e de tudo aquilo que ele encarna e despudoradamente reproduz!
________________

Em Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 01.12.2013):





Artes & ofícios da FLAD

A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) é uma “instituição portuguesa”, “de direito privado”, “financeiramente autónoma” e tendo por missão “contribuir para o desenvolvimento de Portugal, através do apoio financeiro e estratégico à cooperação entre a sociedade civil portuguesa e americana”.


– Olvidando sucessivas reivindicações para que se inaugurasse aqui uma secção (“consular” ou adido “gabinete de negócios”), a FLAD continua porém a manter-se instalada apenas em Lisboa, embora (devido à diligente influência de Mário Mesquita) tenha vindo a aumentar presença e protocolos com e nos Açores (projectos de estudo, edições culturais e académicas, bolsas, fóruns, etc.).

Criada em 1985, a FLAD nasceu para promover relações Portugal-EUA, pelo que, dotada de cabedais financeiros e patrimoniais vastos – a partir de um pecúlio inicial (85 Milhões de Euros), constituído “através de transferências monetárias feitas pelo Estado Português, e provenientes do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA (1983)”, isto é, fundamentalmente, ao abrigo ou à sombra, da Base das Lajes! –, a Fundação declara viver, desde 1992, “exclusivamente do rendimento do seu património” (do qual consta uma “Colecção de Arte” e outros valores que recentemente reacenderam polémicas à volta de Machete e de velhos dissídios gestionários entre tutelares agentes e diplomáticos parceiros envolvidos nesta selecta agremiação).


Ora a FLAD, ao sabor de novos alinhamentos e agenciamentos político-governamentais luso-americanos, está em parto de profundas recomposições executivas, curadoras, técnicas e individualmente representativas, conquanto quase todas e todos ali se afigurem (ou não!?) pouco claros, definidos e justificados…

– E é por isto tudo, e porque o assunto diz respeito aos softmaterial andstrategic powers dos USA em Portugal (e nos Açores por maioria de razão e valias), que não podemos (ou não deveríamos) neste cenário continuar a figurar com máscaras dissimuladoras, ou (pior ainda) “de tanga”, tal como não deveríamos contentar-nos, pedintes e ignorantes, com os restos de não sei que hodierno discurso e pacote people-to-people!

_____________

Em Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 30.11.2013):


Azores Digital:


RTP-Açores:



Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 03.12.2013):