sexta-feira, dezembro 19, 2014


As Patologias da Impunidade _____________________________________________________________


Enquanto conceito ou intuição, a Impunidade tem vigência em múltiplos campos do saber, do pensamento e das práticas sociais, podendo estar tão presente na reflexão filosófica, psicológica, jurídica e ética quanto inserir-se imediatamente na esfera empírica dos usos, costumes, linguagens e comportamentos quotidianos.


– Na verdade, como ideia ou sentimento, tal fenómeno confunde-se com essas duplamente (in)discerníveis e/ou (im)perceptíveis manifestações e suas assumidas ou oclusivas persistências, numa série de domínios quase sempre à margem ou em contradição com princípios fundamentais (tais aqueles de valor, responsabilidade, isenção, prudência e até carácter), desse modo digladiando-se Razão e irracionalidade, Verdade e mentira, Inteligência e estupidez, Dignidade e baixeza, Hombridade e deslealdade, Veracidade e difamação, conquanto possa a mesma ficar também sob alçada legal ou ética como fuga ou infracção à Lei (seja ela positiva ou moral).


Por outro lado, intimamente ligado com o conceito de Impunidade está o de Imputabilidade, sendo que tal como o de imputação, ambos tem a mesma raiz e não podem ser dissociados, tal como salienta Manuel Cavaleiro Ferreira, que acrescenta:

– “No seu significado tradicional, imputação é o juízo pelo qual se considera alguém como agente de uma acção, a qual constitui, por isso, facto seu (feito pelo agente, pela sua vontade); conexionando o agente com a sua acção, concomitantemente facilita a delimitação da sua culpabilidade e da sua responsabilidade”...


E logo a seguir, o mesmo professor de Direito, no respeitante às causas da inimputabilidade (que aqui sobremaneira nos interessa aflorar, como e pelo que se deduzirá adiante), esclarece:

– “O nominalismo dos conceitos, favorecido por se ter perdido a conexão real do facto com o seu agente (a imputação), é patente na exigência de verificação da imputabilidade (ou capacidade de culpa) no momento de perpetração do facto”. (...) Consciência do facto e da ilicitude do facto são elementos constitutivos do dolo, como o seu não conhecimento devido à omissão culpável da vontade é elemento da culpa ou negligência”...
  

Ora lugares propícios ao exercício da Impunidade (amiúde confundida, embora mal, com imunidade, conforme uma vasta literatura jurídica e filosófica reflecte para clarificar os seus âmbitos, distintos, de juízo e de protecção por e para irresponsabilidade ou irresponsabilização), são os parlamentos políticos e as usanças e governanças institucionais, onde, por via da vigência de categorias cínicas, reiteradamente misturam-se a salvaguarda de legítimos direitos e garantias (liberdade de expressão crítica, denúncia fundamentada e defesa pessoal) com toda uma panóplia de recursos cobardes e desresponsabilizadores (aliados afins das mais descaradas cartas de alforria que imaginar se possa para fins de logro, corruptela de factos e testemunhos, atentados à inteireza das coisas e à justeza dos actos, sendo até que, em certos casos, já assentes em critérios do foro clínico e psico-patológico, chega-se a reclamar uma pessoal inimputabilidade conveniente, – pecha à qual nem sequer os médicos escapam quando se contaminam de política cega e gaga, para nela, sem deontologia nem vergonha, quais mutantes fanáticos, incompetentes e vesgos, perdurarem como inócuos gerentes da Saúde Pública), como se tem visto neste nosso anestesiado e doentio meio, apesar do uso de tantos estetoscópios de precisão (que todavia não encaixam, não soam nem esclarecem diagnóstico lúcido em orelhas tão moucas...).





De resto, também aqui, onde muitos conflitos de interesses ocorrem... – digo, no campo da específica e concreta actuação político-partidária, executiva, parlamentar e administrativa – dos médicos e de outros ditos “profissionais” da saúde, valem as reflexões de João Lobo Antunes, sendo que, “pese embora a belicosa resistência da classe médica, a verdade é que, cada vez mais, outros intervenientes no campo da saúde reclamam para si um papel cada vez mais activo na avaliação profissional [aqui política] dos médicos. Tal escrutínio é exercido quer de uma forma informal, como sucede com os media, cada vez mais atentos às questões da saúde, ou com organismos com maior ou menor poder regulamentador e disciplinar, quer instituições estatais, quer privadas, sendo estas últimas sobretudo entidades pagadoras de serviços”...



– E, claro, também pelos cidadãos, contribuintes e eleitores que, embora muitas vezes defraudados e enganados pelas infectadas máquinas políticas, ainda podem, com o seu voto e/ou com as suas justas reivindicações sociais e denúncias cívicas, fazer mudar os mantos e as cumplicidades (leia-se as batas e as luvas partidárias) com que tantos se cobrem mutuamente nos esconsos corredores dos hospitais e nos gabinetes do Poder!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 20.12.2014):



























Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2792:



























e RTP-Açores (no prelo).

Primeira versão em "Diário Insular",
Angra do Heroísmo, 20.12.2014:



terça-feira, dezembro 16, 2014


ENTREVISTA AO “DIÁRIO INSULAR”
Angra do Heroísmo, 17 de Dezembro de 2014
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NINGUÉM MERECIA 
ESSE MEDÍOCRE PROGRAMA!


 “DIÁRIO INSULAR” (DI) – Como viu e com que ideia ficou do “Prós e Contras” de Segunda-Feira passada?

EDUARDO FERRAZ DA ROSA (EFR) – Vi esse medíocre e ridículo programa com um misto de surpresa (embora a expectativa não fosse grande) e forte desagrado, para não dizer com incontida indignação!
  
Na verdade, desde o cenário e correspondentes figurinos montados para aquele espectáculo de corte e cortesãos – veja-se, por exemplo, o lugar de poder simbólico e institucional, apartada primazia espacial e hegemonia de referências, em jeito de pedestal de Poder tutelar em cadeirinha de sala de trono, onde colocaram o vice-líder e presidente do executivo do PS-A, ao contrário dos habituais painéis de discussão para contraditório – até à calculada escolha das personalidades em palco e plateia a quem foi dada palavra, tudo foi planeado num guião pobre e exibido de modo totalmente condicionante, manipulador e estrategicamente alinhado para a produção ou desconstrução dos efeitos sequencial e denunciadamente debitados, desde o princípio ao seu abrupto e folclórico fim...

– E ainda tivemos de suportar aquela lamechice de laudes, mais ou menos líricas e bucólicas, com alguma mal disfarçada chocarrice paternalista e quase ofensiva sobre vacas, turistas, a carninha preferida do talho da Fátima e alguns outros caquécticos lugares comuns sobre cultura!


 Ninguém merecia, no meio de tão encarneirado oceano mediático, uma tragicomédia apologética daquele calibre e àquele preço; nem sequer quem talvez a terá fomentado, cá e na capital, sabe-se lá com que objectivos centralistas...

DI – Com excepção do PS, os partidos políticos manifestaram-se contra os critérios usados nesse Debate. Como entende tais tomadas de posição?

EFR – Trata-se de uma reacção compreensível, plenamente justificada e que como tal foi concretizada numa queixa apresentada contra a RTP à Entidade Reguladora da Comunicação Social por todos esses partidos com representação parlamentar regional (PSD, CDS/PP, PCP, BE e PPM), com base na evidente parcialidade, não equitativa e discricionária, com que foi ali feita a selecção dos intervenientes...

– A própria presidente do órgão máximo da Autonomia acabaria por ficar (ou ser) insolitamente afastada!

E depois, relembro, até a FLA deu sinal de si, queixando-se de não ter sido chamada a pronunciar-se sobre a nossa “aventura” autonómica, acabando aliás por ter razão a posteriori na medida em que a apresentadora não se coibiu de evocar o seu líder histórico, embora apenas de modo nominal e quase tão superficialmente como em tudo o resto.

DI – Como avalia a presença e a participação da Terceira nessa transmissão televisiva nacional?

EFR – Não há palavras para classificar tamanho desplante!


Sem querer ofender ninguém, mas convidar e conseguir juntar apenas meia dúzia de adolescentes para enquadramento daquela escassa assistência (que me escuso de qualificar), não lembrava a ninguém...

Não há memória de tão surrealista e inferiorizante prestação da Terceira e da sua delegação da RTP!

– Valeu, talvez, o equilibrismo de Álamo Meneses, e – apesar do menosprezo em que todos, leviana ou cobardemente, deixaram cair o problema da Base das Lajes – a tentada irreverência fugaz de Roberto Monteiro.

Todavia, infelizmente e por muito que nos custe assumir, a imagem que foi dada da nossa ilha, e do que já (não) valemos em certos domínios, corresponde de facto mesmo àquilo que ali deixámos mostrar, e aonde chegámos por culpa própria, cumplicidade silenciosa, ignorância, preguiça e serventias de todo o género, numa escalada de menoridades das quais dificilmente agora, sem líderes, elites, credibilidade e efectivo poder algum, dificilmente sairemos amanhã...

– Como se viu anteontem!
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 17.12.2014):



















e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 18.12.2014):










segunda-feira, dezembro 15, 2014



As Rotas e os Ares do Poço
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O título desta Crónica bem que poderia ter sido uma paráfrase da expressão que acabou por constar na formulação dos assuntos visados – embora mais pensados a propósito dos poços de ar que vem perturbando as rotas e rotos planos de voo da política aérea e da aérea política nos Açores (novamente geminados com as velhas e exauridas asinhas do mesmo ou idêntico distintivo recorrentemente encenado como promissor e prometeico projecto histórico-político regional)...


 – Todavia, na opção pelo uso desta frase alternativa, melhor se dirá dos ludibriantes ventos enrolados em tão lamacento e conspurcado pélago, como na passada quinta-feira bem evidente terá ficado aos olhos de quantos presenciaram o Debate na RTP-A sobre tão enevoada problemática, desde as miraculosas e ficcionais mais-valias (supostamente capitalizadas por conta de fabulosas campanhas turístico-promocionais, até uma série de confusos ou pouco clarificados esquemas de portas e saídas, plataformas giratórias, encaminhamentos de tráfego, etc., etc., passando por sub-reptícias retóricas que mal conseguiram disfarçar a entrega da política açoriana (e não só...) de transportes e de turismo a uma espécie de dura e pura luta (concorrencial) pela captação de quotas de mercado específico e respectivos fluxos, aonde os parceiros ou os concorrentes mais frágeis (e vá lá, enfim, também os mais inaptos, preguiçosos e menos empreendedores, por menoridade e culpa própria, quando não igualmente por mera ingenuidade ou capitulação de argumentos e recursos, correm o risco de serem passados de capote, ficando pouco mais que a ver os aviões e os navios passarem ao largo ou por cima das suas tontas e parasitárias cabecinhas de vento!



Mas vem isto também a propósito de tudo o que temos visto dito abertamente, ou implicitamente escrito (quando não sussurrado ou tacitamente subscrito) na precisa altura em que a ditosa TAP (de modo manobrista, oportunista e socialmente repugnante!) confirmava ir perpetrar uma greve de vários dias em cima da época de Natal, com uma ensaiada cantilena político-sindical, supostamente patriótico-administrativa e financeira, dita “contra a privatização” da empresa e em articulação menos espaventosa com invocadas razões de algum “não cumprimento” de um misérrimo ou miserabilista caderno de encargos laborais, certamente muito penalizadores tanto para as suas perfumadas, elegantes e gentis tripulações e demais serviços de cabine como para os restantes sectores dessa tão lucrativa companhia de bandeira lusa, à qual, como é sabido, todo o País e ainda mais os Açores e as nossas Comunidades devem imensa esmolas e graças e horários e tarifas e parcerias e transparências e serviços em terra e no ar só equivalentes àqueles que os abertos céus e as bolsas das ilhas (e as contribuições e contra-favores dos governos e dos orçamentos de cá e de lá) lhes tem generosamente concedido... E falamos apenas da TAP, deixando para melhor ajuste o caso da nossa SATA...


– Contudo temos bem presente ainda todo o vasto historial relativo a esta vetusta demanda de um funcional, justo e racional acerto nas ligações aéreas e marítimas entre os Açores e o exterior, e vice-versa, e igualmente assim das mesmas comunicações inter-ilhas, sem escamotear tudo o que desde há décadas (pelo menos desde meados do século passado, para não ir mais atrás) sobre este momentoso assunto se tem planeado e subtraído ao Planeamento insular, desde os famosos Planos de Fomento até ao Relatório SARC, às congeminações sobre Santa Maria (aeroporto internacional e Zona Franca...), etc. etc., a par das teorias sobre as locomotivas do progresso e quejandos encaroçamentos para os almejados desenvolvimentos, progressos e crescimentos económicos açorianos (já nem sequer harmoniosos, conceito assaz dúbio, quanto ao menos complementares, integrados e mutuamente sustentados, como devem ou deveriam ser sempre!). Mas não é isso, infelizmente, o que vemos tornar a acontecer nesta fogueira bem soprada de vários quadrantes; antes pelo contrário...

De facto, aquilo a que vamos assistindo é, outra vez, o exactamente equivalente ao que já nestas colunas referimos como sendo uma inusitada – conquanto não inédita nem surpreendente, nem sequer imprevisível... – onda de disfarçado e serôdio bairrismo (tomado o conceito e sua tradução prática no pior sentido).


 – Todavia, a par desse escorregadio e viciosamente escamoteado terreno ilhéu – que já há muito excedeu os inocentes remoques com os quais outrora, como ironizava Vitorino Nemésio, “entretínhamos a nossa concorrência humaníssima nos penhascos”... –, também não tem faltado, nos diversos e antagónicos flancos desta envenenada contenda, tanto razões fundamentadas quanto meras sensibilidades epidérmicas (muitas delas de pouco servindo a não ser para iludir o fundo da questão deste imbróglio e lastimável refrega com arreigados afãs de (des)conversa e (des)compromisso em todos os lados da barricada, quando o que interessa verdadeiramente aos Açores e aos Açorianos de todas as ilhas é perspectivar e assegurar o futuro, com profunda reflexão sobre o modelo de Desenvolvimento que precisamos, com racionalidade, rigoroso planeamento, justiça, equidade, diálogo e solidariedade, sem complexos de hegemonia ou de inferioridade (perante os quais, no circunscrito alforge de recursos que temos, do Corvo a Santa Maria, não haverá unidade de espírito açoriano nem economia de matérias e meios que resistam à acefalia sistémica e à gananciosa irresponsabilidade geracional que estão aniquilando uma Autonomia tão esperançosa, histórica e esforçadamente conquistada!).


E depois, no meio de tudo isto, ainda temos agora, em toda a linha, esse irresponsável esfacelamento material e simbólico da TAP com leituras da sua parasitária agonia (ou da sua eutanásia empresarial?) que parecem ignorar deliberadamente o que está clarinho no texto do Memorando de Entendimento com que o Estado Português (e não apenas os Partidos do famigerado e dito “arco da governação” que aceitaram subscrevê-lo ou apoiá-lo!?) se comprometeu em Maio de 2011...

– Quanto ao resto, cá na Terceira, desde há muito, como se disse, com destaque para o “Diário Insular” (a par de “A União”, do Rádio Clube de Angra, do “Jornal da Praia” e do “Directo”, antigamente...), ambos os temas hoje em vista tinham sido enfrentados, amiúde com frontalidade, porém bastas vezes, como agora, perante cumplicidades e cobardias de tantas outras vozes políticas e sociais terceirenses já reduzidas a simples ecos de um estagnado e vagamente marialva poço sem fundo nem tino consistente, que afinal a todos os Açorianos envergonha e prejudica, apesar de bastas vezes traduzir até a unicamente merecida paga pela total ausência de consciência e de horizontes de futuro (e até de passado!) a que parecemos de novo condenados por aqui!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 16.12.2014):



























e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 19.12.2014):

sábado, dezembro 13, 2014


Os Ares do Poço
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O título desta Crónica bem que poderia ter sido uma paráfrase da expressão que acabou por constar na formulação deste e dos assuntos visados – embora mais pensados a propósito dos poços de ar que vem perturbando as rotas e rotos planos de voo da política aérea e da aérea política nos Açores (novamente geminados com as velhas e exauridas asinhas do mesmo ou idêntico rasteiro distintivo recorrentemente encenado como promissor e prometeico projecto histórico-político regional)...


 – Todavia, na opção pelo uso desta frase alternativa, melhor se dirá dos ludibriantes ventos enrolados em tão lamacento e conspurcado pélago, como na passada quinta-feira bem evidente terá ficado aos olhos de quantos presenciaram o Debate na RTP-A sobre tão enevoada problemática!



Mas vem isto também a propósito de tudo o que temos visto dito abertamente, ou implicitamente escrito (quando não sussurrado ou tacitamente subscrito) nos OCS e nas Redes Sociais, na precisa altura em que a ditosa TAP (de modo manobrista, velhaco, oportunista e socialmente repugnante!) confirmava ir perpetrar greve de vários dias em cima da época de Natal, com uma ensaiada cantilena político-sindical e supostamente patriótico-administrativa e financeira, dita “contra a privatização” da empresa e sob invocadas razões de algum “não cumprimento” de um misérrimo ou miserabilista caderno de encargos laborais, certamente muito penalizadores tanto para as suas perfumadas, elegantes e gentis tripulações e demais serviços de cabine, como para os restantes sectores de tão lucrativa companhia de bandeira lusa, à qual, como é sabido, todo o país e ainda mais os Açores devem favores e graças e horários e tarifas e parcerias e transparências só equivalentes àqueles que os abertos céus e as bolsas das ilhas (e os favores e contra-favores dos governos e dos orçamentos de cá e de lá) lhes tem generosamente concedido...
  
– Felizmente, desde há décadas, com destaque para o jornal “Diário Insular” (a par de “A União”, do Rádio Clube de Angra, do “Jornal da Praia” e do “Directo”...), ambos os temas tem sido enfrentados com frontalidade, perante cumplicidades e cobardias de tantas outras vozes políticas e sociais terceirenses já reduzidas a simples ecos de um estagnado poço sem fundo, que afinal a todos os Açorianos envergonha e prejudica, apesar de às vezes traduzir mesmo a merecida paga pela total ausência de consciência e de horizontes de futuro (e até de passado!) a que parecemos de novo condenados.
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Em Azores Digital:



















"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 13.12.2014):




























e RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=38569&visual=9&layout=17&tm=41:




domingo, dezembro 07, 2014


Evocações de Mário Soares





Publicada pelo Círculo de Leitores e pela Temas e Debates, a obra Um Político Assume-se, da autoria de Mário Soares, tem constituído motivo de grande procura e interesse, certamente tanto pela projeção e carisma do seu Autor, quanto pelo que de histórico-politicamente apelativo contém ao subintitular-se “ensaio autobiográfico, político e ideológico”.




Sem ser, como o seu narrador justifica, um livro de memórias, esta mais recente publicação de Mário Soares, no seguimento do seu penúltimo Elogio da Política, é assim, antes e propriamente um testemunho – uma particular leitura, pessoalmente timbrada e focalizada – do seu itinerário, da sua confluente evolução de vida (“que comportou ruturas, dúvidas, hesitações”) e do seu acompanhamento intenso de “quase todo o contraditório e complexo século XX e este começo incerto e tão problemático do atual”.



– Depois, nessa linha, Um Político Assume-se pretende ainda exercer uma reflexão sobre um “longo e conturbado caminho, com altos e baixos, acertos e desacertos, vitórias e derrotas, ao serviço do Povo Português”, através de “uma espécie de autobiografia política e ideológica, orientada por valores humanistas e princípios éticos e políticos”, que o nosso ex-presidente da República avoca nunca ter abandonado e a cuja despistagem, em conformidade diacrónica, procede, desde juvenis militâncias comunistas até aos seus cimentados posicionamentos como “socialista democrático, europeísta, anticolonialista e sempre pacifista, e amigo da Liberdade, dos Direitos Humanos e do Progresso”.



Nestas evocações de Mário Soares há também sintomáticas e curiosas referências aos Açores: uma, precisamente por ocasião da famosa “guerra das bandeiras” e da receção que lhe fizeram no aeroporto os então membros (“todos ostensivamente de gravata preta, como se estivessem de luto”) do governo de Mota Amaral (“um habilíssimo político e um homem culto, [que] compreendeu o patriotismo dos açorianos”); a outra, a propósito da sua Presidência Aberta (1989) e da consagração da expressão autonomia tranquila como sucedânea, dita sensata, da “autonomia progressiva”…



– Deste livro ressaltam todavia, como já foi salientado, não só as notáveis intuições políticas, históricas, culturais e civilizacionais de Mário Soares quanto a proverbial bonomia crítica, orbícola e humana que o caracterizam, naquela única mescla de romantismo utópico e de pragmatismo, coragem democrática e aventureirismo resistente e antitotalitário de socialista patriótico (a quem Portugal, apesar de tudo, deve muito mais do que às vezes se imagina), e que – sempre “sujeito às circunstâncias do lugar e do tempo” e, como todas as pessoas, com “as suas qualidades e defeitos” – ainda o fazem incarnar (talvez só em parceria com Adriano Moreira e, embora em registos diferentes, com o saudoso Francisco Sá Carneiro e com Álvaro Cunhal) – no meio da confrangedora mediania, quando não penalizadora mediocridade ou incoerência do restante espectro político-institucional reinante nas últimas e atuais lideranças do Poder real e simbólico nacional e europeu –, muito do melhor que o nosso País teve, tem ou poderia ter tido em fortuna ou destino históricos autenticamente conseguidos após a Revolução de Abril, – fossem, ou tivessem sido, também assumidamente outros os Portugueses do século XX e da presente década, em inteligência, coração, merecimento, integridade e sorte!



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Originalmente publicado em:
 "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 03.03.2012);
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 04.03.2012);
 e RTP-Açores:
                http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10


sexta-feira, dezembro 05, 2014



Um Tratado sobre a Corrupção


O tema é actual, deveras importante e tem sido abordado de múltiplas perspectivas, nomeadamente no campo económico-financeiro, jurídico, judiciário, filosófico e sociológico, para além de ter vindo a granjear uma cada vez maior, significativa, natural e crescente atenção e presença em todos os OCS e Redes Sociais, atravessando – e higienizando ou minando – também (por entre transparências, denúncias, oclusões, cumplicidades e coberturas...) todas as instituições, sociedades e Estados, desde os mais democráticos, desenvolvidos e de Direito aos mais totalitários, subdesenvolvidos e párias (ou já em equivalentes processos irreversíveis de decadência histórico-civilizacional e de apodrecimento moral dos seus sistemas, órgãos e actores, numa geminada globalização de agiotagens, lucros e enriquecimentos ilícitos, tráfico de poder e influência, branqueamento de capitais, empresariados falsários, compadrios partidários e toda uma abjecta e sofisticada tipologia de fugas à lei, banditismo fiscal e aduaneiro, burla qualificada, peculato, exploração de dependências e prostituição de carácter, etc., etc.)!

Todavia e apesar de constituir uma realidade sobremaneira complexa, movediça e plurifacetada – enquanto problema psicossocial, ético-político e até religioso (afinal na integrante abrangência reticular e mafiosa de variadíssimos agentes, factores, interesses e fenómenos corruptivos e criminais) – mesmo assim, em Portugal, a Corrupção tem vindo a ser encarada (e pontualmente enfrentada!) de forma um pouco mais séria, firme e potenciadora de uma outra e renovada aplicação da Justiça e da Lei.


– Ora é igualmente neste horizonte de acontecimentos, factos e valores que merece integral leitura a reflexão proposta em 1991, retomada em 2005 e agora publicada entre nós num precioso livrinho (um verdadeiro Tratado sobre a Corrupção) do Cardeal Jorge Bergoglio, onde o actual Papa retoma uma sucinta mas notabilíssima abordagem do fenómeno (mais do que pecaminoso!) da Corrupção, articulando-o com uma profunda análise do perfil psico-comportamental, impudico, leviano, auto-justificativo e caudilhista do homem corrupto...

Talvez por tudo isto nenhuma outra obra seja, nestes dias de proselitismo, triunfalismo e desfaçatez, tão inspiradora como esta, situando-nos na verdade das coisas e remexendo folhas secas, “porque a debilidade humana, unida à cumplicidade, cria o húmus propício à corrupção”!


Na verdade, tal como escreve Paulo Morais na “Nota Introdutória” a este livro (Corrupção e Pecado, seguido de Sobre a Acusação de Si Mesmo, Tradução de Inês Espada Vieira, Lisboa, Gradiva, 2014), todas as leituras sobre a Corrupção, que podem fundir-se “no valor da pessoa humana e da justiça” não podem deixar de “ver neste fenómeno uma dolorosa ferida das sociedades contemporâneas”, sobre ela motivando “uma condenação sem tréguas deste problema que radica na doença do coração de quem se deixou corromper”.

– Porém, como retoma o Papa Francisco, “quão difícil é que o vigor profético abra um coração corrupto! Está tão fechado na satisfação da sua autossuficiência que não permite nenhum questionamento. (...) O corrupto construiu uma auto-estima baseada precisamente neste tipo de atitudes manhosas, caminha pela vida pelos atalhos do oportunismo, pelo preço da sua própria dignidade e da dos demais. (...) E o pior é que acaba por acreditar nisso tudo. (...) Uma das características do corrupto face à profecia é um certo complexo de inquestionabilidade. Reage mal perante qualquer crítica, desclassifica a pessoa ou a instituição que a faz, procura decapitar toda a autoridade moral que o possa pôr em causa, recorre ao sofisma e ao equilibrismo nominalista-ideológico para se justificar, desvaloriza os demais e atira insultos àqueles que pensam de maneira diferente”.


E nesta linha de entendimento teológico, filosófico, psicológico e ético, concluía o Cardeal Bergoglio, num juízo que tem plena vigência e talvez uma insuspeitada aplicação concreta ao nosso quotidiano visível e vivido:

– “No corrupto existe uma deficiência básica, que começa por ser inconsciente e é imediatamente assumida como o mais natural. A suficiência humana nunca é abstracta (...). Daqui também decorre que dificilmente o corrupto sai do seu estado por remorsos internos. Tem o bom espírito dessa área anestesiado”...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 06.12.2014):



























Azores Digital:























e RTP-Açores:




















Primeira versão em "Diário Insular",
Angra do Heroísmo, 06.12.2014: