sábado, setembro 06, 2014


Medo e Sementes de Violência

Como se não bastasse tudo aquilo que a nível internacional nos chega através dos OCS e das Redes Sociais cada vez com maior intensidade e crescentes contornos de brutalidade – como são agora as imagens das decapitações de jornalistas ocidentais por parte de assassinos a soldo de guerra e crença do “estado islâmico” –, estão as mesmas páginas mediáticas recheadas (de modo não só objectivo, proporcionado e realista, quanto também, amiúde, num empolamento estratégico e/ou apenas comercialmente movido...) de notícias, relatos de confrontos e versões de feiíssimas manifestações de agressividade, crimes atrozes e outras demenciais demonstrações de violência física, psicológica, social, discursiva e simbólica que vem ocorrendo cada vez mais próxima na nossa sociedade.


O fenómeno não é certamente novo, mas aparece agora projectado e difundido a uma escala nunca dantes atingida e para efeito da qual muito contribui a conjugação de profundas e dilacerantes crises morais, societárias, culturais e civilizacionais com a disseminação em massa que é proporcionada pelos novos sistemas de telecomunicações móveis, transmissão da informação e partilha quase planetariamente instantânea de mensagens verbais, imagens e valores...

– E neste quadro de cruzamentos e sobreposições reais e ficcionais de linguagens, comportamentos e técnicas (e assim, fundamentalmente, de tempos e espaços cognitivos e sensórios, privados e públicos), como é sabido e quotidianamente se revela potenciado a todos os níveis e modos possíveis, desempenham os Telemóveis um papel preponderante e paradigmático, conforme tem vindo a ser estudado também entre nós, v.g. no qualificado âmbito da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica (cujas teses e estudos a Editora Paulus tem ajudado a divulgar, publicando-os).

O tema tem premência, tanto mais quanto não há muitas semanas assistimos a mais uma consumada encenação conflitual (logo pré-anunciada para nova réplica de “rolezinho” à portuguesa...) daquela espécie de “mobilização” (verdadeira “convocatória” de mob nas Redes Sociais, em computadores, telemóveis, iphones, ipads, etc.), para um outro dito, mas depois gorado, “meet” ou meeting (ajuntamento, encontro, reunião) de jovens em diversos locais e centros comerciais de Lisboa!


– A nada disto será estranho toda uma catastrófica acumulação de explosivas “sementes de violência” (numa análoga linha de filiação e montagem que Evan Hunter e Richard Brooks bem documentaram em 1954/55, como se fosse ontem), e todavia na sequência de tal problema e face à recorrência de factos relativos aos mesmos “meets” e respectivas convocatórias para ajuntamentos e mobilizações na área metropolitana de Lisboa através das redes (e teias…) sociais e de telemóveis –, valerá a pena adiantar hoje ainda mais algumas das perspectivas críticas ligadas a esses tão mediatizados acontecimentos.

Ora, mais do que sobre esse complexo fenómeno societário (que todos os dias ganha, ou deveria suscitar, maior atenção e novas premências de observação, estudo, acompanhamento inter-institucional e aprofundada procura de soluções integradas…), e tendo eu aqui um significativo conjunto de textos (opiniões, comentários e pequenos ensaios) sobre os referidos “encontros”, suas origens, contornos, métodos, objectivos e consequências (à semelhança dos chamados “rolezinhos” à brasileira e com traços das similares concentrações de “teenagers” nos “centers and shopping malls” norte-americanos), deste fenómeno, que – repita-se – não é propriamente inédito, de última moda ou novidade (enquanto manifestação grupal de dinâmicas lúdicas juvenis potencialmente conflituais, antes cuja generalização exponencial se vem mimando em certas áreas urbanas e suburbanas...), convirá precisar o seguinte:


– Naqueles fenómenos confluindo múltiplos e diferentes factores psicossociais, culturais, sociopolíticos e económicos, a par de valores e práticas que roçam a para-delinquência criminal, os assédios ameaçadores, os prenúncios de insegurança em pessoas e bens, e que assim, por isso mesmo, provocam e reclamam acrescidas e consequentes medidas securitárias (algumas geradoras de riscos para a liberdade dos cidadãos), é certo porém que, a não serem as mesmas tomadas a devido e proporcional tempo, medida e conta, talvez que a sua ausência, irreflexão ou protelamento mais contribuam antes para a gestação larvar de estados de inquietação, violência e medos colectivos e privados, para cujo tratamento, mais tarde ou mais cedo, o remédio há-de então ser depois pedido a um outro Estado forte, disciplinador e muito mais policial e policiado, – coisa que talvez devesse constituir motivo de prioritária ponderação para alguns pressurosos colunistas de sofá e analistas de palanque que mais preocupados se tem manifestado com não sei que supostas securitites (sic) estivais, ou com a ausência (real essa, mas não pela mesma via) de espaços de inscrição social para alguns segmentos populacionais, quando tal ideal e projecto de vida em comunidade pacífica e pacificada, urbana e pessoal, com a inerente inscrição, deve ser dirigida a todas as classes, raças, idades e condições!



Também por isso é que esta premente questão (que permanece também intimamente ligada ao vício do medo urbano e à sua especulativa e lucrativa gestão enquanto “capital do medo”...), não podendo ser pensada nem resolvida à margem dos novos desafios que se colocam às urgências de uma Democracia justa, à renovação do Estado Social, à Cidadania, à Educação e à Cultura, à articulação entre o Global e o Local e à Convivencialidade – entre a mixofilia e a mixofobia, como reflectiu Bauman –, sendo muito mais grave do que possa pontualmente parecer, deve entrar de imediato nas agendas nacionais e regionais, enquanto há tempo para apagar os rastilhos que esta mesma sociedade ateou...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 06.09.2014):