segunda-feira, setembro 15, 2014


O Direito e as Danças de Ventre

Merece nova leitura, reflexão crítica e acrescido respeito a recente Entrevista que Mário Cabral (MC) concedeu ao “Diário Insular” (DI) sobre as "danças de ventre" realizadas no Coro Alto da igreja de Nossa Senhora da Guia (também conhecida por igreja de S. Francisco).


– Seu amigo e vizinho em S. Mateus (onde, tal como na minha Praia da Vitória, não se tolera que nos vomitem à porta ou conspurquem os barcos...), partilho com MC a fé e a inteligência da fé do Cristianismo e o gosto por Filosofia, Literatura, Teologia e Arte, apesar das diferentes formações e linhas de pensamento e acção; todavia, reconheço-lhe seriedade pessoal, integridade e nobreza de carácter, assumpção de crenças e ideias próprias, qualificação intelectual e méritos académicos e profissionais.


As lúcidas respostas de MC às pertinentes e incisivas perguntas do DI mostram íntegro entendimento da complexa e articulada conjugação das problemáticas ali em presença (situações e valores culturais, religiosos, civilizacionais, artísticos, simbólicos, museológicos, memoriais, patrimoniais e identitários), para além – evidentemente – de complementares questões cívicas, de ética social, responsabilidade institucional e de política e gestão públicas da Cultura e da Educação (escolar e de cidadania!).


 Porém essa Entrevista, que em consequência mais deveria ter sacudido e despertado já, contra incríveis alheamentos político-parlamentares e governamentais que persistem, a reabertura e resolução imediatas do inadmissível protelamento do velho e pendente imbróglio jurídico-político que se arrasta há décadas sobre o Museu de Angra e a igreja de Nossa Senhora da Guia (conforme competentemente historiado e clarificado pelo Dr. Álvaro Monjardino, em 05.02.1994, num Parecer talvez (des)conhecido e/ou ainda recordado pela Administração Regional e pela Diocese)...


 Por ser importante para a compreensão da perspectiva que estamos levantando, aqui transcrevemos duas elucidativas passagens da referida Consulta, sendo a primeira do início do texto e a segunda da sua parte final. A saber:

– “A Direcção Regional dos Assuntos Culturais [do V Governo Regional dos Açores presidido por Mota Amaral, sendo Aurélio da Fonseca secretário da Educação e Cultura, e Vítor Duarte o respectivo director regional da Cultura] achou-se confrontada com um problema relativo à propriedade da igreja de Nossa Senhora da Guia, anexa ao antigo convento de São Francisco, a qual, a julgar por um ofício (nº 72793, de 10 de Novembro) provindo da Câmara Eclesiástica da Diocese de Angra, não pertencia ao Estado. A este ofício se seguiu um outro (nº 81/93, de 22 de Dezembro), agora dirigido ao Director do Museu de Angra do Heroísmo [então José Olívio Rocha], em que lhe é comunicada uma provisão do Bispo de Angra [D. Aurélio Granada Escudeiro], de 7 de Dezembro de 1993, nomeando um capelão para a referida igreja de Nossa Senhora da Guia.


 “ (...) À Direcção Regional dos Assuntos Culturais e ao próprio Museu de Angra do Heroísmo interessa uma definição do actual estatuto da igreja de Nossa Senhora da Guia, em termos de propriedade e, acessoriamente, em termos do próprio uso, seja ele pelo próprio Museu, seja por outra entidade, designadamente a Fraternidade referida [Ordem Terceira de São Francisco de Angra do Heroísmo]”.

E depois de proceder a uma minuciosa destrinça histórico-legislativa que apura serem “o edifício do extinto convento de São Francisco, com a sua igreja”, “em termos de propriedade”, pertencentes à Região Autónoma dos Açores – pelo que esta pode conceder, ou pôr termo, à respectiva concessão a outros, no caso à citada Ordem Terceira, da mesma igreja –, o Parecer do jurista angrense salienta e conclui pelo seguinte:

– “Porém (...) outra coisa será poder afectar aquele templo (...) a outros fins que não sejam do culto católico. Este é um aspecto do uso pelo proprietário que deve ser também posto em relevo.


“Na verdade, o art. VII da Concordata [entretanto revista em 2004, mas cujos artigos, v.g. o 23.º e o 24.º, consagram os mesmos princípios e regras!] (...) veda ao Estado (e, consequentemente, à Região) o destinar para outro fim que não seja o desse mesmo culto qualquer templo sem o acordo prévio da Autoridade eclesiástica.

“ (...) Ora esta é uma importante limitação ao próprio conteúdo do direito de propriedade, na medida em que, por via de um texto de direito internacional, se condicionaram e restringiram as faculdades de uso do proprietário.

“Esta limitação não pode deixar de estar presente em quaisquer decisões que, futuramente, a Administração regional venha a tomar relativamente à igreja de Nossa Senhora da Guia do antigo convento de São Francisco de Angra”...


 – Assim e perante tudo isto, se muitos dos alheados cidadãos e medíocres agentes e actores partidários (medrando nesta indigente sociedade insular), a par de outros tantos cegos e néscios clérigos (que por aí pastoreiam rebanhos de fiéis abúlicos ou sonâmbulos (sem liderança nem pastores à altura), conscientemente pensassem e agissem mais, dançando menos na corda bamba dos seus larvares umbigos ou no varão das suas infecundas cobardias, talvez nunca tivéssemos chegado aos escândalos, afrontas, impunidades e impasses que a todos agora comprometem, revoltam e envergonham!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 16.09.2014):



























Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2718:






























e RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=37536&visual=9&layout=17&tm=41: