segunda-feira, setembro 22, 2014



Princípios e Mãos de Cera
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1. Mesmo ao fechar do meu texto que o “Diário dos Açores” publicou no passado sábado e que fora escrito no dia 17, recebi notícia de que a Igreja Católica (ou melhor, a sua Ouvidoria da ilha Terceira...) decidira pronunciar-se, em termos incisivos, sobre o momentoso problema da programação lúdica e artístico-dançante “de ventre” e demais contorcidos pontos da agenda político-cultural do Museu de Angra.

Todavia, para além do pertinente conteúdo dessa louvável e firme deliberação dos padres diocesanos, deve salientar-se ter sido o seu “voto de protesto e repúdio” dirigido directamente ao presidente do Executivo regional, facto que é revelador de cepticismo face à restante hierarquia e às várias tutelas (governamentais, político-institucionais e logísticas) ali comprometidas! O texto desse Voto de Protesto é do seguinte teor:


– “A Assembleia Plenária da Ouvidoria da Ilha Terceira, reunida a 15 de Setembro do corrente ano, deliberou por unanimidade um voto de protesto e repúdio pelo facto de ter sido utilizado um espaço da Igreja de Nossa Senhora da Guia, também conhecida por Igreja de São Francisco, para a realização de um espectáculo público qualificado pelos órgãos de comunicação social como ‘dança do ventre’. Os membros da Assembleia Plenária baseiam o seu protesto nos seguintes pressupostos: 

1. Uma Igreja é um espaço sagrado construído para uma finalidade bem concreta e definida e não para sala de espectáculos. 2. A Igreja de Nossa Senhora da Guia está aberta ao culto católico onde a Ordem Terceira Franciscana Secular realiza regularmente cerimónias litúrgicas. 3. A referida Igreja é um dos melhores e mais bem conservados templos barrocos dos Açores com uma arquitectura integrada no espírito da Contra-reforma Tridentina. Seria muito louvável que, para além dos actos litúrgicos, servisse de local de interpretação do que foi a liturgia do Rito Romano saído do Concílio de Trento e não como sala de espectáculos ou de meras exposições. 4. O Protocolo estabelecido com a Ordem Terceira Franciscana Secular sobre o uso daquele Templo não está a ser cumprido pelos responsáveis do Museu de Angra do Heroísmo. A Assembleia Plenária da Ouvidoria da Ilha Terceira resolveu dar conhecimento deste seu protesto a Sua Excelência o Senhor Presidente do Governo Regional dos Açores e torná-lo público”.

2. Entretanto chegou-nos o documento da magnífica iniciativa do CDS-PP (através do vice-presidente do seu grupo parlamentar, Félix Rodrigues), ao entregar na ALRA, com “carácter de urgência”, um minucioso e certeiro Requerimento sobre o mesmo intrincado e acobertado imbróglio. 


Eis então os esclarecimentos e documentos solicitados pelo empenhado deputado centrista, cujos considerandos assentam principalmente em disposições nacionais e internacionais de ordem político-jurídica e constitucional, de Direito Canónico e da Concordata celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa em 2004:

1 – A atividade de escalada realizada na igreja de Nossa Senhora da Guia referida anteriormente foi autorizada pela Autoridade Eclesiástica competente? Em caso afirmativo requeiro cópia da autorização; 2 – A atividade de dança de ventre, realizada na igreja de Nossa Senhora da Guia, referida anteriormente, foi autorizada pela Autoridade Eclesiástica competente? Em caso afirmativo requeiro cópia da autorização; 3 – Cópia dos planos de atividade do Museu de Angra do Heroísmo dos anos 2013, 2014 e para o ano de 2015; 4 – Cópia dos planos de atividade da Direção Regional da Cultura, dos anos de 2013, 2014 e para 2015; 5 – Caso os requeridos planos de atividades envolvam atividades em instalações/imóveis da Igreja Católica, requeiro cópia das autorizações da autoridade eclesiástica competente; 6 – O Museu de Angra do Heroísmo recebe proventos das actividades de culto dos Irmãos da Ordem Terceira de São Francisco de Assis realizadas na Igreja de Nossa Senhora da Guia? Em caso afirmativo qual o montante recebido desde 2013 até à data de resposta ao requerimento?”.

3. Por último, registemos a tão aguardada tomada de posição de D. António de Sousa Braga, tal como o Senhor Bispo – finalmente – acaba de o fazer agora na sua homilia do passado Domingo (21.09) na Sé Catedral de Angra. 
De resto, o Portal da Diocese adianta ainda que D. António pediu já que a Comissão Diocesana para os Bens Culturais (a mesma que se empenhou no caso do Resplendor de Santo Cristo?) entrasse em contacto com a tutela governamental, “a fim de estabelecer procedimentos, que garantam o devido respeito a um lugar de culto religioso”, pois, caso contrário, o Bispo “seria forçado a não permitir que se continuem a celebrar actos de culto no local, o que contraria o percurso histórico feito até agora, bem como os Protocolos assinados e as próprias orientações da Concordata do Estado Português com a Santa Sé”.

Todavia, enquanto ainda são esperadas novas e mais desenvolvidas análises diocesanas a toda esta situação, nomeadamente, ao que sabemos, por parte do Bispo de Angra, transcrevemos aqui – com justo e merecido enaltecimento e apreço! –, as tão significativas primeiras palavras públicas do Prelado açoriano sobre o dito caso das “danças de ventre” promovidas pela direcção do Museu de Angra (que é aliás de escolha, nomeação e confiança governamental:
– “ (...) O problema é que não é a primeira vez que uma iniciativa infeliz como essa acontece. Por isso mesmo, deve haver algum mal entendido na utilização da igreja, ou então eu diria mau gosto, falta de bom senso. E eu espero que não seja provocação! Na verdade, a igreja é propriedade do Governo, não da Diocese; mas o seu uso, o seu usufruto é da Ordem Franciscana Secular. Por isso mesmo tem de haver respeito pelas normas em vigor para a utilização das igrejas abertas ao culto, mesmo que sejam propriedade do estado”...
4. Assim sendo, e por aquilo que hoje se pode avaliar, tais posições – e outras que, nem que seja por arrastamento, hão-de vir a lume... –, devem ser conhecidas, divulgadas e integralmente respondidas em toda a sua justificada importância, tanto mais quanto o assunto, depois de ter sido noticiado pela “Ecclesia”, ganhou mesmo dimensão nacional e tem aplicação universal no País e na nossa Região!

– Ora é perante tudo isto que acanhados ou negligentes silêncios (silenciamentos?) governamentais e partidários (v.g. a incrível e confrangedora pasmaceira, miopia ou inépcia do PSD!), até à data (21.09), sem exigíveis, decorrentes e consequentes responsabilizações, demissões ou remissões, atingem já as raias de autênticos escândalos e/ou cumplicidades intoleráveis e indesculpáveis, – ou não seja esta uma boa ocasião para apurar-se até onde irão a força ou insignificância de tanto prócere e apparatchik desta governança (e das suas Oposições também!) e seus centros e (des)mandos de poder, quando antes, tão enfatuadamente, alguns deles – quais decorativos e (pseudo)inocentes úteis, híbridos de Acácio e Calisto Elói...–, tanto apontavam empertigados dedinhos de cera à cabeça e aos pés alheios quanto o faziam ao alugável e incoerente ventre dos seus prezados desejos próprios, sentenciando sempre, mas de cátedra ou de bancada, sobre os préstimos, virtudes e vícios da nossa Autonomia – quais servos de avental na copa, vestais de templo, maçónicos sultões, toureiros de palanque, grumetes para todo o serviço ou meninas reféns do mesmo serralho... –, para ao final conquistarem, ou desejarem figurar apenas em poisos de fachada na galeria histórico-cultural e institucional desta paradigmática choldra torpe e ignóbil, como dizia o nosso Eça de um País e das suas cortes que, no fundo, realmente, permanecem iguais, lá e cá...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 23.09.2014):















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