sexta-feira, dezembro 05, 2014



Um Tratado sobre a Corrupção


O tema é actual, deveras importante e tem sido abordado de múltiplas perspectivas, nomeadamente no campo económico-financeiro, jurídico, judiciário, filosófico e sociológico, para além de ter vindo a granjear uma cada vez maior, significativa, natural e crescente atenção e presença em todos os OCS e Redes Sociais, atravessando – e higienizando ou minando – também (por entre transparências, denúncias, oclusões, cumplicidades e coberturas...) todas as instituições, sociedades e Estados, desde os mais democráticos, desenvolvidos e de Direito aos mais totalitários, subdesenvolvidos e párias (ou já em equivalentes processos irreversíveis de decadência histórico-civilizacional e de apodrecimento moral dos seus sistemas, órgãos e actores, numa geminada globalização de agiotagens, lucros e enriquecimentos ilícitos, tráfico de poder e influência, branqueamento de capitais, empresariados falsários, compadrios partidários e toda uma abjecta e sofisticada tipologia de fugas à lei, banditismo fiscal e aduaneiro, burla qualificada, peculato, exploração de dependências e prostituição de carácter, etc., etc.)!

Todavia e apesar de constituir uma realidade sobremaneira complexa, movediça e plurifacetada – enquanto problema psicossocial, ético-político e até religioso (afinal na integrante abrangência reticular e mafiosa de variadíssimos agentes, factores, interesses e fenómenos corruptivos e criminais) – mesmo assim, em Portugal, a Corrupção tem vindo a ser encarada (e pontualmente enfrentada!) de forma um pouco mais séria, firme e potenciadora de uma outra e renovada aplicação da Justiça e da Lei.


– Ora é igualmente neste horizonte de acontecimentos, factos e valores que merece integral leitura a reflexão proposta em 1991, retomada em 2005 e agora publicada entre nós num precioso livrinho (um verdadeiro Tratado sobre a Corrupção) do Cardeal Jorge Bergoglio, onde o actual Papa retoma uma sucinta mas notabilíssima abordagem do fenómeno (mais do que pecaminoso!) da Corrupção, articulando-o com uma profunda análise do perfil psico-comportamental, impudico, leviano, auto-justificativo e caudilhista do homem corrupto...

Talvez por tudo isto nenhuma outra obra seja, nestes dias de proselitismo, triunfalismo e desfaçatez, tão inspiradora como esta, situando-nos na verdade das coisas e remexendo folhas secas, “porque a debilidade humana, unida à cumplicidade, cria o húmus propício à corrupção”!


Na verdade, tal como escreve Paulo Morais na “Nota Introdutória” a este livro (Corrupção e Pecado, seguido de Sobre a Acusação de Si Mesmo, Tradução de Inês Espada Vieira, Lisboa, Gradiva, 2014), todas as leituras sobre a Corrupção, que podem fundir-se “no valor da pessoa humana e da justiça” não podem deixar de “ver neste fenómeno uma dolorosa ferida das sociedades contemporâneas”, sobre ela motivando “uma condenação sem tréguas deste problema que radica na doença do coração de quem se deixou corromper”.

– Porém, como retoma o Papa Francisco, “quão difícil é que o vigor profético abra um coração corrupto! Está tão fechado na satisfação da sua autossuficiência que não permite nenhum questionamento. (...) O corrupto construiu uma auto-estima baseada precisamente neste tipo de atitudes manhosas, caminha pela vida pelos atalhos do oportunismo, pelo preço da sua própria dignidade e da dos demais. (...) E o pior é que acaba por acreditar nisso tudo. (...) Uma das características do corrupto face à profecia é um certo complexo de inquestionabilidade. Reage mal perante qualquer crítica, desclassifica a pessoa ou a instituição que a faz, procura decapitar toda a autoridade moral que o possa pôr em causa, recorre ao sofisma e ao equilibrismo nominalista-ideológico para se justificar, desvaloriza os demais e atira insultos àqueles que pensam de maneira diferente”.


E nesta linha de entendimento teológico, filosófico, psicológico e ético, concluía o Cardeal Bergoglio, num juízo que tem plena vigência e talvez uma insuspeitada aplicação concreta ao nosso quotidiano visível e vivido:

– “No corrupto existe uma deficiência básica, que começa por ser inconsciente e é imediatamente assumida como o mais natural. A suficiência humana nunca é abstracta (...). Daqui também decorre que dificilmente o corrupto sai do seu estado por remorsos internos. Tem o bom espírito dessa área anestesiado”...
_______________

Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 06.12.2014):



























Azores Digital:























e RTP-Açores:




















Primeira versão em "Diário Insular",
Angra do Heroísmo, 06.12.2014: