domingo, dezembro 07, 2014


Evocações de Mário Soares





Publicada pelo Círculo de Leitores e pela Temas e Debates, a obra Um Político Assume-se, da autoria de Mário Soares, tem constituído motivo de grande procura e interesse, certamente tanto pela projeção e carisma do seu Autor, quanto pelo que de histórico-politicamente apelativo contém ao subintitular-se “ensaio autobiográfico, político e ideológico”.




Sem ser, como o seu narrador justifica, um livro de memórias, esta mais recente publicação de Mário Soares, no seguimento do seu penúltimo Elogio da Política, é assim, antes e propriamente um testemunho – uma particular leitura, pessoalmente timbrada e focalizada – do seu itinerário, da sua confluente evolução de vida (“que comportou ruturas, dúvidas, hesitações”) e do seu acompanhamento intenso de “quase todo o contraditório e complexo século XX e este começo incerto e tão problemático do atual”.



– Depois, nessa linha, Um Político Assume-se pretende ainda exercer uma reflexão sobre um “longo e conturbado caminho, com altos e baixos, acertos e desacertos, vitórias e derrotas, ao serviço do Povo Português”, através de “uma espécie de autobiografia política e ideológica, orientada por valores humanistas e princípios éticos e políticos”, que o nosso ex-presidente da República avoca nunca ter abandonado e a cuja despistagem, em conformidade diacrónica, procede, desde juvenis militâncias comunistas até aos seus cimentados posicionamentos como “socialista democrático, europeísta, anticolonialista e sempre pacifista, e amigo da Liberdade, dos Direitos Humanos e do Progresso”.



Nestas evocações de Mário Soares há também sintomáticas e curiosas referências aos Açores: uma, precisamente por ocasião da famosa “guerra das bandeiras” e da receção que lhe fizeram no aeroporto os então membros (“todos ostensivamente de gravata preta, como se estivessem de luto”) do governo de Mota Amaral (“um habilíssimo político e um homem culto, [que] compreendeu o patriotismo dos açorianos”); a outra, a propósito da sua Presidência Aberta (1989) e da consagração da expressão autonomia tranquila como sucedânea, dita sensata, da “autonomia progressiva”…



– Deste livro ressaltam todavia, como já foi salientado, não só as notáveis intuições políticas, históricas, culturais e civilizacionais de Mário Soares quanto a proverbial bonomia crítica, orbícola e humana que o caracterizam, naquela única mescla de romantismo utópico e de pragmatismo, coragem democrática e aventureirismo resistente e antitotalitário de socialista patriótico (a quem Portugal, apesar de tudo, deve muito mais do que às vezes se imagina), e que – sempre “sujeito às circunstâncias do lugar e do tempo” e, como todas as pessoas, com “as suas qualidades e defeitos” – ainda o fazem incarnar (talvez só em parceria com Adriano Moreira e, embora em registos diferentes, com o saudoso Francisco Sá Carneiro e com Álvaro Cunhal) – no meio da confrangedora mediania, quando não penalizadora mediocridade ou incoerência do restante espectro político-institucional reinante nas últimas e atuais lideranças do Poder real e simbólico nacional e europeu –, muito do melhor que o nosso País teve, tem ou poderia ter tido em fortuna ou destino históricos autenticamente conseguidos após a Revolução de Abril, – fossem, ou tivessem sido, também assumidamente outros os Portugueses do século XX e da presente década, em inteligência, coração, merecimento, integridade e sorte!



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Originalmente publicado em:
 "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 03.03.2012);
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 04.03.2012);
 e RTP-Açores:
                http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10