segunda-feira, dezembro 15, 2014



As Rotas e os Ares do Poço
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O título desta Crónica bem que poderia ter sido uma paráfrase da expressão que acabou por constar na formulação dos assuntos visados – embora mais pensados a propósito dos poços de ar que vem perturbando as rotas e rotos planos de voo da política aérea e da aérea política nos Açores (novamente geminados com as velhas e exauridas asinhas do mesmo ou idêntico distintivo recorrentemente encenado como promissor e prometeico projecto histórico-político regional)...


 – Todavia, na opção pelo uso desta frase alternativa, melhor se dirá dos ludibriantes ventos enrolados em tão lamacento e conspurcado pélago, como na passada quinta-feira bem evidente terá ficado aos olhos de quantos presenciaram o Debate na RTP-A sobre tão enevoada problemática, desde as miraculosas e ficcionais mais-valias (supostamente capitalizadas por conta de fabulosas campanhas turístico-promocionais, até uma série de confusos ou pouco clarificados esquemas de portas e saídas, plataformas giratórias, encaminhamentos de tráfego, etc., etc., passando por sub-reptícias retóricas que mal conseguiram disfarçar a entrega da política açoriana (e não só...) de transportes e de turismo a uma espécie de dura e pura luta (concorrencial) pela captação de quotas de mercado específico e respectivos fluxos, aonde os parceiros ou os concorrentes mais frágeis (e vá lá, enfim, também os mais inaptos, preguiçosos e menos empreendedores, por menoridade e culpa própria, quando não igualmente por mera ingenuidade ou capitulação de argumentos e recursos, correm o risco de serem passados de capote, ficando pouco mais que a ver os aviões e os navios passarem ao largo ou por cima das suas tontas e parasitárias cabecinhas de vento!



Mas vem isto também a propósito de tudo o que temos visto dito abertamente, ou implicitamente escrito (quando não sussurrado ou tacitamente subscrito) na precisa altura em que a ditosa TAP (de modo manobrista, oportunista e socialmente repugnante!) confirmava ir perpetrar uma greve de vários dias em cima da época de Natal, com uma ensaiada cantilena político-sindical, supostamente patriótico-administrativa e financeira, dita “contra a privatização” da empresa e em articulação menos espaventosa com invocadas razões de algum “não cumprimento” de um misérrimo ou miserabilista caderno de encargos laborais, certamente muito penalizadores tanto para as suas perfumadas, elegantes e gentis tripulações e demais serviços de cabine como para os restantes sectores dessa tão lucrativa companhia de bandeira lusa, à qual, como é sabido, todo o País e ainda mais os Açores e as nossas Comunidades devem imensa esmolas e graças e horários e tarifas e parcerias e transparências e serviços em terra e no ar só equivalentes àqueles que os abertos céus e as bolsas das ilhas (e as contribuições e contra-favores dos governos e dos orçamentos de cá e de lá) lhes tem generosamente concedido... E falamos apenas da TAP, deixando para melhor ajuste o caso da nossa SATA...


– Contudo temos bem presente ainda todo o vasto historial relativo a esta vetusta demanda de um funcional, justo e racional acerto nas ligações aéreas e marítimas entre os Açores e o exterior, e vice-versa, e igualmente assim das mesmas comunicações inter-ilhas, sem escamotear tudo o que desde há décadas (pelo menos desde meados do século passado, para não ir mais atrás) sobre este momentoso assunto se tem planeado e subtraído ao Planeamento insular, desde os famosos Planos de Fomento até ao Relatório SARC, às congeminações sobre Santa Maria (aeroporto internacional e Zona Franca...), etc. etc., a par das teorias sobre as locomotivas do progresso e quejandos encaroçamentos para os almejados desenvolvimentos, progressos e crescimentos económicos açorianos (já nem sequer harmoniosos, conceito assaz dúbio, quanto ao menos complementares, integrados e mutuamente sustentados, como devem ou deveriam ser sempre!). Mas não é isso, infelizmente, o que vemos tornar a acontecer nesta fogueira bem soprada de vários quadrantes; antes pelo contrário...

De facto, aquilo a que vamos assistindo é, outra vez, o exactamente equivalente ao que já nestas colunas referimos como sendo uma inusitada – conquanto não inédita nem surpreendente, nem sequer imprevisível... – onda de disfarçado e serôdio bairrismo (tomado o conceito e sua tradução prática no pior sentido).


 – Todavia, a par desse escorregadio e viciosamente escamoteado terreno ilhéu – que já há muito excedeu os inocentes remoques com os quais outrora, como ironizava Vitorino Nemésio, “entretínhamos a nossa concorrência humaníssima nos penhascos”... –, também não tem faltado, nos diversos e antagónicos flancos desta envenenada contenda, tanto razões fundamentadas quanto meras sensibilidades epidérmicas (muitas delas de pouco servindo a não ser para iludir o fundo da questão deste imbróglio e lastimável refrega com arreigados afãs de (des)conversa e (des)compromisso em todos os lados da barricada, quando o que interessa verdadeiramente aos Açores e aos Açorianos de todas as ilhas é perspectivar e assegurar o futuro, com profunda reflexão sobre o modelo de Desenvolvimento que precisamos, com racionalidade, rigoroso planeamento, justiça, equidade, diálogo e solidariedade, sem complexos de hegemonia ou de inferioridade (perante os quais, no circunscrito alforge de recursos que temos, do Corvo a Santa Maria, não haverá unidade de espírito açoriano nem economia de matérias e meios que resistam à acefalia sistémica e à gananciosa irresponsabilidade geracional que estão aniquilando uma Autonomia tão esperançosa, histórica e esforçadamente conquistada!).


E depois, no meio de tudo isto, ainda temos agora, em toda a linha, esse irresponsável esfacelamento material e simbólico da TAP com leituras da sua parasitária agonia (ou da sua eutanásia empresarial?) que parecem ignorar deliberadamente o que está clarinho no texto do Memorando de Entendimento com que o Estado Português (e não apenas os Partidos do famigerado e dito “arco da governação” que aceitaram subscrevê-lo ou apoiá-lo!?) se comprometeu em Maio de 2011...

– Quanto ao resto, cá na Terceira, desde há muito, como se disse, com destaque para o “Diário Insular” (a par de “A União”, do Rádio Clube de Angra, do “Jornal da Praia” e do “Directo”, antigamente...), ambos os temas hoje em vista tinham sido enfrentados, amiúde com frontalidade, porém bastas vezes, como agora, perante cumplicidades e cobardias de tantas outras vozes políticas e sociais terceirenses já reduzidas a simples ecos de um estagnado e vagamente marialva poço sem fundo nem tino consistente, que afinal a todos os Açorianos envergonha e prejudica, apesar de bastas vezes traduzir até a unicamente merecida paga pela total ausência de consciência e de horizontes de futuro (e até de passado!) a que parecemos de novo condenados por aqui!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 16.12.2014):



























e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 19.12.2014):