sábado, setembro 26, 2015


A Urna e os Farsantes
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1. Não há nada mais propício a uma série de boas farsas sociais do que as Campanhas Eleitorais tal como as conhecemos, vimos, vivemos já, ouvimos contar e lemos desde Mestre Gil a Saramago, sem esquecer aqueles primeiros modelos e paradigmas cénicos de algumas brasílicas séries telenovelescas, tão distantes e próximas de nós afinal ainda, como Asa Branca, com seus Santeiros, ou o inesquecível e fabuloso Ilhéus de Jorge Amado, mesmo que aqui sem ou com novos Coronéis, Mundinhos e Marias Machadão gerindo o que resta dos dias e das noites mais gloriosas e devotas da já extinta, mas então neófita e revolucionante vida partidária nacional, lá por aqueles vertiginosos (e talvez inocentes, autênticos e esperançosos) anos do pós-25 de Abril, apesar de tudo...


2. Mas agora, nestes mansos tempos absentistas e rotineiros da Autonomia do século XXI, tudo é tão diferente e diverso do que era naqueles anos amorosos de Portugal à portuguesa, como diria o nosso romântico Dantas, quando por lá ainda alguns clérigos e leigos (com seus fâmulos em réplicas mais intelectuais, militantes, conspiradoras ou palacianas...) davam um arzinho da sua graça, de suas paixões e dos faisões das suas mesas, onde mais do que algumas rolhas ficavam sempre para testemunho dos seus simpósios socráticos (os genuínos...) e dos seus passos leves em sapatinhos de alto brilho e fivela, que não, por aqueles tempos, felizmente nisso ao menos, de sapatilha Prada! Mas seja como for, chegámos foi aqui, e deste modo jazemos no estado onde nos encontramos e havemos de continuar a repastar:


 – E assim é um nunca visto rol de gestos de simpatia em parada comunitária; afectos vindo à flor da pele e dos tambores da outra banda; interesses por causas e injustiças de séculos, ou de há semanas apenas; insólitas ternuras para com velhinhos, crianças e pobres; compunção perante reais injustiças e misérias; assomos e afiançamentos de moralização; denúncia ou remédios prometidos para situações clamorosas, e – claro – tudo isto a par de retóricas balofas e discursatas de compromisso (sem qualquer réstia de possibilidade de garantia no futuro, evidentemente, portanto, portanto, portanto como declama um actual agente da educação ilhoa, enquanto empeça nas espinhas do peixe que academicamente vai vendendo...), porém numa roda viva por auditórios, cantinas, ruas e arruadas, comícios embandeirados, jantares e almoços, caravanas em buzinada, visitas a feiras e mercados e academias e empresas e empresários de sucesso (à mistura com os falidos na crise e à espera do que resta de subsídios ou adjudicações salvadoras...), e a autarquias também, e câmaras de comércio, indústrias e serviços; e logo a mais dignitários e caciques e servos e bandoleiros político-partidários, e a senhores eclesiásticos de batina e venal cabeça (ou sem cabeção para perfeita e moderníssima secularização, sem roupagens, simbólicas sequer de qualquer jaez), e etc. por aí fora, cantando, dançando e rindo numa rodopiante folia “democrática” (ritual imenso de “participação cívica”, sem dúvida...), com líderes e suas populaças e popularuchas adesões ao credo da causa pública e ao invocado “bem comum”, todavia contando-se amiúde pelos dedos as excepções, como aos dedinhos das mãos numa cantilena (para enganar incautos ou adormecer catraias, mentecaptos ou incultos e anjinhos do céu...), desde aquela dedo mindinho da lista das mais sérias primas-donzelas e seus varões candidatos, com seus potenciais e esclarecidos e disponíveis eleitores, até ao controleiro do mata-piolho, passando pelos seus vizinhos do aparelho, pelo grande pai de todos e pelo para-todo-o-terreno e sítio do fura-bolos (que dele melhor até se diria penetrante fura-olhos e fura-vidas), quando para outros e maiores talentos e validades não prestariam, nem a tanto se deram nunca, nem hoje valem para mais nada, – neste reciclado tempo de lixos políticos e papéis de falsários, por muito que queiramos acreditar no contrário, e por mais que se faça a única desmontagem merecida daquelas outras ou semelhantes urnas onde, desde há muito, se vem alienando a possibilidade mesma de uma alternativa credível para o estado em que o País caiu, e para onde, mais fundo ainda, pode o arrebanhado Povo “soberano” desta terra (re)volver...


3. A Crónica de hoje não era para sair propriamente nos termos e no estilo em que acabou por ficar ao ser quase automaticamente escrita, e disto mesmo talvez se admirará o habitual e fiel leitor que se dignou seguir-nos até quase ao fim do texto de hoje, a meio de campanhas, debates, marchas e desfiles, e já a uma semaninha só das próximas, ditas decisivas e auspiciosas Eleições...


– Mas como poderia ser de outro modo, à beira quase das urnas (fatídico termo este, nunca se sabe para quem...), quando são tantos os farsantes em cena, rede social e reportagem mediática, que para pouco mais nos deixaram todos hoje que não fosse o da vontade para deixar livremente correr a pena e o teclado por sobre o triste espectáculo com que diariamente deparamos no espaço público e no resto que daí nos veio à memória, neste tempo de farsas que são a prova provada da ficção democrática em que vivemos!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 26.09.2015):



























RTP-Açores:



























Azores Digital:





Os Farsantes e a Urna

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Não há nada mais propício a boas farsas sociais do que as Campanhas Eleitorais tal como as conhecemos, vimos, vivemos já, ouvimos contar e lemos desde Mestre Gil a Saramago...


 – E assim é um nunca visto rol de gestos de simpatia; afectos vindo à flor da pele e dos tambores da banda; interesses por causas e injustiças de séculos, ou de há semanas apenas; insólitas ternuras para com velhinhos, crianças e pobres; compunção perante injustiças e misérias; assomos e afiançamentos de moralização; denúncia ou remédios prometidos para situações clamorosas, e – claro – tudo isto a par de retóricas e compromissos (sem réstia de possibilidade de garantia, evidentemente, portanto, “portanto”, como declama um actual agente da educação ilhoa, enquanto empeça no peixe que vai vendendo), porém tudo numa roda viva por auditórios, cantinas, ruas e arruadas, comícios, jantares e almoços, buzinadas, visitas a feiras, mercados, academias, empresas e empresários de sucesso (à mistura com falidos, à espera de subsídios ou adjudicações), e autarquias também, e câmaras de comércio, indústrias e serviços; e logo a dignitários, caciques, servos e bandoleiros político-partidários, e a senhores eclesiásticos de batina e venal cabeça (ou sem cabeção para perfeita e moderníssima secularização), e etc. por aí fora, cantando, dançando e rindo em folia “democrática” (ritual imenso de “participação cívica”!), com líderes, populaça e popularuchas adesões à causa pública e ao invocado “bem comum”, todavia contando-se pelos dedos as excepções, como aos dedinhos das mãos em cantilena (para enganar incautos ou adormecer catraias, mentecaptos ou incultos e anjinhos...), desde o dedo mindinho da lista das primas-donzelas e seus varões candidatos, até ao controleiro do mata-piolho, passando pelos vizinhos do aparelho, pelo grande pai de todos e pelo para-todo-o-terreno do fura-bolos (que dele melhor até se diria penetrante fura-olhos e fura-vidas), quando para outros e maiores talentos e validades não prestariam nenhuns, nem a tanto se deram nunca, nem hoje valem, – neste reciclado tempo de lixos e papéis de falsários na mesma urna!
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Em "Diário Insular",
Angra do Heroísmo, 26.09.2015:


sábado, setembro 19, 2015


Os Remédios do Vigário
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1. O provérbio “Quem conta um conto acrescenta um conto” é conhecido e usado por múltiplos actores e falantes em diversos campos e instâncias, servindo em geral para significar ou querer dizer que toda e qualquer história, historieta ou narrativa – abonada palavra da Linguística... – ao ser reproduzida de mão e ouvido, ou de língua em língua, quando não ela mesma representação primeira ou procriação “langagière” (como diziam os semiólogos franceses) de ocorrências ou situações –, sempre lhes ajunta, enquanto relato, algum pormenor (talvez) não muito fiel, preciso ou exactamente traduzido, enquanto descrição narrada de eventos através desse inevitável meio.

– É claro que o destino ou condenação das falas (de toda a linguagem e narração afinal, e mais ainda delas quando – sempre? – interpretativas) acarreando carências (por excesso ou defeito) de adequação total a coisas, figuras e elementos do mundo, é uma marca insuperável e um risco inerente a toda a comunicação humana, – e mais o será ainda quando os artífice ou receptores de estórias forem destituídos de talento expressivo, domínio do linguajar, ou, pior, de veracidade ética, como por cá temos insularmente presenciado à exaustão nos despautérios de tantos contos e lendas que se vem debitando à conta da partidocracia cega e surda deste sistema falhado, pese embora muitos desses efabulatórios discursos e realidades não terem exclusividade autonómica, tal como, descontando proporções e plateias, ainda há pouco se comprovava nos gémeos pontos trazidos às ficcionadas rábulas de um afoito politiqueiro nacional, ainda hoje venerado “espólio” do PS e feroz artista jumelé de “comentador” (quando não de outras artes e ofícios, sortudas vigarias e desengaioladas manhas...).

Porém vem tudo isto agora mais a propósito é de uma daquelas medicinais prestações de quem toma conta e receita mezinhas e contos para as graves maleitas da Saúde nos Açores, – tão recordativas de outros proverbiais aviamentos, desde o presente vesgo ponto a outros paliativos e improvisados cuidados e contos antigos, que melhor dir-se-iam do vigário, conforme a seu tempo rolarão para diagnóstico, então com peso e medida, das tamanhas, entarameladas e anestésicas pontuações dos cata-ventos governamentais!


2. Por outro lado, mas tendo ainda em vista esta mesma e interessante recordação de pontos e contos... – todavia desta feita bem de vigário mesmo! –, como não lembrar aquela peça literária de Fernando Pessoa que o poeta da Mensagem publicou pela primeira vez, com o título de “Um Grande Português”, no número inaugural (30.10.1926) do jornal lisboeta “Sol” e que tornaria a imprimir três anos depois no “Notícias Ilustrado” (Lisboa, 2ª. Série, 18/08/1929) com o título «A Origem do Conto do Vigário»?


– A história, claro está, não tem qualquer relação directa com as fantásticas sessões do nosso parlamento ilhéu ou com os miméticos desmandos palavrosos com que, à falta de melhores bancadas para bate-papo, debates e passa-culpas (outro vocábulo muito em moda na gíria inter-acusatória dos partidos na capital...), os nossos actores políticos vão enchendo tempos de antena e cumprindo calendário pré-eleitoral. Porém, nem por isso o referido Conto de Pessoa deixa de ter atractivos, desde logo pelo texto em si, mas depois também por um outro escrito, inédito esse, que o mesmo autor teria tido intenção de dirigir ao director do citado O Notícias Ilustrado, aparentemente protestando (ou fingindo protestar...) contra o seu próprio texto sobre Manuel Peres Vigário...


E é assim que, se numa das redacções Fernando Pessoa conta a história de como aquele “pequeno lavrador e negociante de gado”, envolvido com “certo fabricante ilegal de notas falsas”, acabou por ludibriar a dois irmãos não menos gananciosos do que ele, e apesar disso (à custa de um expedito “recibo” trocado em dia de feira e à mesa de avinhado jantar “numa taberna escura”) acabou escapando à alçada da polícia e da Justiça, já no segundo texto-missiva, personificado (mascarando-se...) em vigarista ficcional, escreve o mesmo Pessoa o seguinte:

– “Pois quê? É lá possível que uma publicação (...) venha lançar aos quatro ventos da publicidade uma historieta sem pés nem cabeça, impingindo-a aos seus leitores como a origem do celebérrimo conto que tantos papalvos tem levado no embrulho e tanto vigarista tem guindado às mais altas e rútilas esferas da Fama? (...). Aquilo que em ‘O Notícias Ilustrado’ se vê e lê, é vigário... sem ‘conto’, vigário grotesco, sem fila, sem grupo, sem baratim (...). Não, sr. Director! Os vigaristas são homens de linha (...) e sabem trajar como dandys e apresentar-se como aristocratas... O ‘conto do vigário’ é bem diferente (...) e isso de notas falsas, pagamentos com notas de cem como se fossem de cinquenta, passamento de recibos e mais lérias pode ser tudo menos ‘conto do vigário’ e nenhuma relação tem com a sua pretendida origem. No ‘conto do vigário’ – tirante os pobres, porque esses não têm dinheiro para cair – tem caído gente de todas as classes sociais – médicos, lavradores, advogados, padres e juízes, representando garbosamente o clero, a nobreza e o povo... Até agentes da pasma têm levado com o paco pelos crachos – e está bem de ver que a história da corrente de latão fingindo oiro, sobre ser de mínima importância para produzir dinheiro de monta, é demasiadamente ingénua para levar à certa personagens de tão alto coturno mental...”.


3. Por todas estas razões, que são de patologia vária mas também de textos literários, e porque as levam morais de política, sociedade e história, merecem pois as mesmas ser relidos nestes novos velhos tempos de vigaria e vigarices esconsas mas conjugadas, como bem viu Bagão Félix ao comentar no seu Prefácio a um deles (edição do Centro Atlântico, Lisboa, 2011), nestes sugestivos e profilácticos termos:

– “Os contos viraram euros, mas o conto ainda o é. Na essência. E o senhor Vigário (...) metamorfoseou-se num ambiente de globalização e de exuberância tecnológica. É claro que continua a haver o vigário doméstico ou local, com uma métrica modestamente artesanal de enganar o parceiro. Mas a sofisticação da trapaça é agora universal, sem muros ou obstáculos. Há os vigários tóxicos, os vigários prolixos e os vigários que passam entre os pingos da chuva. Seguramente todos são nocivos. Há, também, os vigários políticos e eleitorais que prometem sem cumprir, para crédulos e votantes sempre disponíveis para cair no conto-do-vigário.

“ (...) Para ele, os fins justificam, sem pestanejar, qualquer meio”...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 19.09.2015):



O Ponto e os Contos
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O provérbio “Quem conta um conto acrescenta um conto” é conhecido e usado por múltiplos actores e falantes em diversos campos e instâncias, servindo em geral para significar ou querer dizer que toda e qualquer história, historieta ou narrativa – abonada palavra da Linguística... – ao ser reproduzida de mão e ouvido, ou de língua em língua, quando não ela mesma representação primeira ou procriação “langagière” (como diziam os semiólogos) de situações –, sempre lhes ajunta, enquanto relato, algum pormenor (talvez) não muito fiel, preciso ou exactamente traduzido como descrição de eventos através desse inevitável meio.


 – É claro que o destino ou condenação das falas (de toda a linguagem e narração afinal, e mais ainda delas quando – sempre? – interpretativas) acarreando carências (por excesso ou defeito) de adequação total a coisas, figuras e elementos do mundo, é uma marca insuperável e um risco inerente a toda a comunicação humana, – e mais o será ainda quando os artífices ou receptores de estórias forem destituídos de talento expressivo, domínio do linguajar, ou, pior, de veracidade ética, como por cá temos insularmente presenciado à exaustão nos despautérios de tantos contos e lendas que se vem debitando à conta da partidocracia cega e surda deste sistema falhado, pese embora muitos desses efabulatórios discursos e realidades não terem exclusividade autonómica, tal como, descontando proporções e plateias, ainda há pouco se comprovava nos gémeos pontos trazidos às ficcionadas rábulas de um afoito politiqueiro nacional, ainda hoje venerado “espólio” do PS e feroz artista jumelé de “comentador” (quando não de outras artes e ofícios, sortudas vigarias e desengaioladas manhas...).

Porém vem tudo isto agora mais a propósito de uma daquelas medicinais prestações de quem toma conta e receita mezinhas e contos para as graves maleitas da Saúde nos Açores, – tão recordativas de outros proverbiais aviamentos, desde o presente vesgo ponto a outros paliativos e improvisados cuidados e contos antigos, que melhor dir-se-iam do vigário, conforme a seu tempo ficarão para diagnóstico, então com maior peso e medida, das tamanhas, entarameladas e anestésicas pontuações dos cata-ventos governamentais!
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 19.09.2015):



sábado, setembro 12, 2015


As submissões da FCT
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Mário Santiago de Carvalho – professor catedrático de Filosofia na Universidade de Coimbra – publicou no “Expresso” (15.08.2015) um pertinente e fundamentado artigo onde são feitas críticas justificadas ao modo como “meia dúzia de estrangeiros incompetentes podem prejudicar para todo o sempre a investigação do nosso passado filosófico nacional”, referindo-se no seu justamente indignado testemunho à liminar (paradigmática?) eliminação/não elegibilidade com que foi despachado, pela FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), um Projecto do qual era o principal responsável, e que (envolvendo as Universidades de Coimbra, Lisboa, Beira Interior, Évora, Católica do Porto, Salamanca, Toulouse, Lovaina e Helsínquia...) visava trabalhar “O contributo da Filosofia Conimbricense para o Problema Mente/Corpo na Pré-modernidade (sécs. XVI-XVII)”, ou seja “o tributo sobretudo conimbricense sobre o problema pré-cartesiano hoje conhecido por Mind/Body”.


 – Ora de facto só algo da ordem das coisas absurdas, conhecimentos curtos e juízos míopes, com alguns pobres e ridículos “juízes” (sem esclarecimento em suas insciências...), poderiam ter chegado a tamanho despautério!


 Tem pois o nosso estimado colega e amigo toda a razão em considerar que os membros do dito painel “foram superficiais, enviesados e ignorantes”, e que, num indigno procedimento de submissão, provincianismo e embasbacamento, a própria FCT, “por ter caucionado uma avaliação que prejudica a inscrição de Portugal na História da Filosofia, deve ser responsabilizada por desrespeitar a Filosofia que se fez em Portugal e pelo contínuo, perigoso e malicioso recalcamento dessa produção nacional de cunho europeu”.


 – No que aos Açores (também) diz respeito, ou deveria dizer, apesar do permanente alheamento local e regional por estas coisas, ficará o tratamento maior deste tema para depois, nem que seja, ou fosse, para memória do P.e António Cordeiro, e por tudo o resto que por aí se esquece e ao Deus dará quase se perde, talvez apenas vivo nos olvidados brilhos e claustros de outrora, estantes da nossa História Insulana, perante a decadência do presente e a opacidade do futuro... 
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Em Jornal "Diário Insular" 
(Angra do Heroísmo, 12.09.2015):


quinta-feira, setembro 10, 2015



As opacidades da FCT
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1. Acaba de ser disponibilizada na Net uma página dedicada à política de Investigação Científica em Portugal, cuja tutela compete à FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), um organismo governamental na dependência do Ministério da Educação e Ciência. 


No que diz respeita à missão da própria FCT, como é sabido, ela mesma se diz servir para promover “o avanço do conhecimento científico e tecnológico em Portugal”, nomeadamente através “da atribuição, em concursos com avaliação por pares, de bolsas e contratos a investigadores, financiamento a projetos de investigação e desenvolvimento”, a fim de fomentar-se “a participação da comunidade científica nacional em projetos internacionais”, estimulando “a transferência de conhecimento”...

Ora aquela página (“Livro negro da avaliação científica em Portugal”, disponível em http://www.lnavaliacao.pt/), pretende agora documentar a “perversão e adulteração do sistema de avaliação científica em Portugal levada a cabo nos últimos quatro anos (...), tendo por base um conjunto dos principais comunicados, cartas, artigos de opinião e crónicas, assim como outros textos publicados na imprensa ou na internet em 2014 e 2015”, abrindo o respectivo texto de apresentação com as seguintes constatações:
  
– “Esse processo de adulteração (...) significou desde logo a ruptura com o amplo compromisso social e político para apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico em Portugal conseguido nas últimas décadas. Desde meados de 2011, (...) a formulação das respectivas políticas públicas foi, pela primeira vez na nossa democracia, drasticamente alterada, (...), sobretudo com base em processos de ‘avaliação’ avulsos e tendo incluído a aplicação de métodos e práticas de avaliação que não só não merecem o reconhecimento e a aceitação da comunidade científica nacional e internacional, como foram executadas de forma discricionária e prosseguindo objectivos de benefício duvidoso para o sistema científico nacional.

  
“ (...) É hoje conhecido que nos concursos de bolsas foram também feitos atropelos às boas práticas, tendo sido identificados procedimentos condenáveis, de pouca transparência e tendo-se inclusive verificado situações de intervenção da direcção da FCT nos resultados técnicos das avaliações. As classificações atribuídas pelos painéis foram posteriormente alteradas, levando a tomadas de posição dos próprios Conselhos Científicos da FCT. No concurso para programas doutorais verificaram-se casos ainda mais estranhos. Primeiro, avaliaram-se cientificamente as propostas e só depois foi analisada a sua elegibilidade, levando a que propostas com as mais altas classificações científicas e com recomendação dos painéis para que fossem financiadas, viessem a ser excluídas por serem consideradas inelegíveis após avaliadas”...

 – E de facto naquele livro é feito um balanço altamente reprovador das recentes actuações da FCT, a par de um significativo inventário (aliás, até à data, nem sequer exaustivo...) das relações, contactos e (des)acordos entre a FCT e diferentes investigadores portugueses, em múltiplas áreas do Conhecimento, da Ciência e do Saber.

2. Ora no contexto simétrico dessas análises feitas à FCT, embora não nas áreas científico-disciplinares e/ou técnico-tecnológicas que são ali mais primordialmente acolhidas, Mário Santiago de Carvalho – professor catedrático de Filosofia e qualificado investigador da Universidade de Coimbra – publicou no jornal “Expresso” (15.08.2015) um muito pertinente e fundamentado artigo (“Como pode a FCT marginalizar a cultura portuguesa”), no qual são feitas críticas objectivas e justificadas ao modo como “meia dúzia de estrangeiros incompetentes podem prejudicar para todo o sempre a investigação do nosso passado filosófico nacional”...


  Assim, no seu justamente indignado testemunho, Mário Santiago de Carvalho refere-se à liminar (e também agora paradigmática?) eliminação/não elegibilidade (“Not Recommended for Funding”) com que foi despachado, pelo painel de avaliação designado pela FCT, o Projecto do qual era credenciado investigador e principal responsável, e que (envolvendo as Universidades de Coimbra, Lisboa, Beira Interior, Évora, Católica do Porto, Salamanca, Toulouse, Lovaina e Helsínquia...) visava trabalhar “O contributo da Filosofia Conimbricense para o Problema Mente/Corpo na Pré-modernidade (sécs. XVI-XVII)”, ou seja “comprovar e fundamentar o tributo sobretudo conimbricense sobre o problema pré-cartesiano hoje conhecido por Mind/Body, em dois campos até hoje nunca devidamente analisados”, – uma tarefa realmente difícil de investigação fundamental e que exigia “trabalho de grupo não compaginável com amadorismos, superficialidades ou facilidades”.


 – De facto só mesmo algo apenas classificável como da ordem das coisas absurdas, dos conhecimentos curtos e dos juízos míopes, e alguns outros pobres e ridículos “juízes”, (sem esclarecimento em suas insciências...) como aqueles, poderiam, de tal jaez, ter chegado a tamanho, incrível e iletrado despautério!


E depois, mais escandalosa será a dita resolução pela recusa de aceitação da Candidatura em apreço, quando se estava face a um Projecto (nacional e de dimensão europeia) com rigorosa e categorizada memória descritiva, face a cuja excepcional, bem clara e sugestiva explanação os mal inglesados comentários pseudo-justificativos da decisão dos ditos “peritos” – e logo a seguir também os invocados fundamentos para a sua sentença final – ainda se tornam, todos emparelhados, não só incoerentes e contraditórios, quanto até mais destituídos de vergonha académica e cultural, para além de arredados de qualquer sombra de expectável rigor científico (por mínimo que fosse!), numa outra política e arte exigíveis, mas ali não cumpridas, em atenção histórico-crítica ao património civilizacional, cultural e espiritual do Pensamento em Portugal!


– De resto, diga-se também aqui, uma leitura paralela do Projecto em apreço e da (no mínimo insólita) decisão da FCT, logo revela o quase inacreditável teor de todo este procedimento...

3. Tem pois o nosso estimado colega e amigo Prof. Mário Santiago de Carvalho toda a razão em considerar que os membros do painel de avaliação do Projecto em causa “foram superficiais, enviesados e ignorantes”, e que assim, em consonância, a própria FCT “por ter caucionado uma avaliação que prejudica a inscrição de Portugal na História da Filosofia, deve ser responsabilizada por desrespeitar a Filosofia que se fez em Portugal e pelo contínuo, perigoso e malicioso recalcamento dessa produção nacional de cunho europeu”, num indigno procedimento de submissão, provincianismo e embasbacamento “que nunca permitirão inscrevermo-nos filosoficamente no Ocidente”.


 – No que aos Açores (também) diz respeito, ou deveria dizer, apesar (ou por isso mesmo) do permanente alheamento local e regional por estas (e outras afins) coisas, ficará o tratamento maior deste tema para outra posterior ocasião de confluência crítica, nem que seja, ou fosse, para memória do nosso Padre António Cordeiro, S.J., e por tudo o resto que por aí se esquece e ao Deus dará quase se perde, talvez apenas vivo nos olvidados brilhos e claustros de outrora, estantes da nossa História Insulana, perante a decadência do presente pátrio e “autonómico”, e na opacidade do futuro aos olhos de quem deles sente mais antigas e novas Saudades da Terra...


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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 12.09.2015):




























e Azores Digital:
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