quinta-feira, setembro 10, 2015



As opacidades da FCT
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1. Acaba de ser disponibilizada na Net uma página dedicada à política de Investigação Científica em Portugal, cuja tutela compete à FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), um organismo governamental na dependência do Ministério da Educação e Ciência. 


No que diz respeita à missão da própria FCT, como é sabido, ela mesma se diz servir para promover “o avanço do conhecimento científico e tecnológico em Portugal”, nomeadamente através “da atribuição, em concursos com avaliação por pares, de bolsas e contratos a investigadores, financiamento a projetos de investigação e desenvolvimento”, a fim de fomentar-se “a participação da comunidade científica nacional em projetos internacionais”, estimulando “a transferência de conhecimento”...

Ora aquela página (“Livro negro da avaliação científica em Portugal”, disponível em http://www.lnavaliacao.pt/), pretende agora documentar a “perversão e adulteração do sistema de avaliação científica em Portugal levada a cabo nos últimos quatro anos (...), tendo por base um conjunto dos principais comunicados, cartas, artigos de opinião e crónicas, assim como outros textos publicados na imprensa ou na internet em 2014 e 2015”, abrindo o respectivo texto de apresentação com as seguintes constatações:
  
– “Esse processo de adulteração (...) significou desde logo a ruptura com o amplo compromisso social e político para apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico em Portugal conseguido nas últimas décadas. Desde meados de 2011, (...) a formulação das respectivas políticas públicas foi, pela primeira vez na nossa democracia, drasticamente alterada, (...), sobretudo com base em processos de ‘avaliação’ avulsos e tendo incluído a aplicação de métodos e práticas de avaliação que não só não merecem o reconhecimento e a aceitação da comunidade científica nacional e internacional, como foram executadas de forma discricionária e prosseguindo objectivos de benefício duvidoso para o sistema científico nacional.

  
“ (...) É hoje conhecido que nos concursos de bolsas foram também feitos atropelos às boas práticas, tendo sido identificados procedimentos condenáveis, de pouca transparência e tendo-se inclusive verificado situações de intervenção da direcção da FCT nos resultados técnicos das avaliações. As classificações atribuídas pelos painéis foram posteriormente alteradas, levando a tomadas de posição dos próprios Conselhos Científicos da FCT. No concurso para programas doutorais verificaram-se casos ainda mais estranhos. Primeiro, avaliaram-se cientificamente as propostas e só depois foi analisada a sua elegibilidade, levando a que propostas com as mais altas classificações científicas e com recomendação dos painéis para que fossem financiadas, viessem a ser excluídas por serem consideradas inelegíveis após avaliadas”...

 – E de facto naquele livro é feito um balanço altamente reprovador das recentes actuações da FCT, a par de um significativo inventário (aliás, até à data, nem sequer exaustivo...) das relações, contactos e (des)acordos entre a FCT e diferentes investigadores portugueses, em múltiplas áreas do Conhecimento, da Ciência e do Saber.

2. Ora no contexto simétrico dessas análises feitas à FCT, embora não nas áreas científico-disciplinares e/ou técnico-tecnológicas que são ali mais primordialmente acolhidas, Mário Santiago de Carvalho – professor catedrático de Filosofia e qualificado investigador da Universidade de Coimbra – publicou no jornal “Expresso” (15.08.2015) um muito pertinente e fundamentado artigo (“Como pode a FCT marginalizar a cultura portuguesa”), no qual são feitas críticas objectivas e justificadas ao modo como “meia dúzia de estrangeiros incompetentes podem prejudicar para todo o sempre a investigação do nosso passado filosófico nacional”...


  Assim, no seu justamente indignado testemunho, Mário Santiago de Carvalho refere-se à liminar (e também agora paradigmática?) eliminação/não elegibilidade (“Not Recommended for Funding”) com que foi despachado, pelo painel de avaliação designado pela FCT, o Projecto do qual era credenciado investigador e principal responsável, e que (envolvendo as Universidades de Coimbra, Lisboa, Beira Interior, Évora, Católica do Porto, Salamanca, Toulouse, Lovaina e Helsínquia...) visava trabalhar “O contributo da Filosofia Conimbricense para o Problema Mente/Corpo na Pré-modernidade (sécs. XVI-XVII)”, ou seja “comprovar e fundamentar o tributo sobretudo conimbricense sobre o problema pré-cartesiano hoje conhecido por Mind/Body, em dois campos até hoje nunca devidamente analisados”, – uma tarefa realmente difícil de investigação fundamental e que exigia “trabalho de grupo não compaginável com amadorismos, superficialidades ou facilidades”.


 – De facto só mesmo algo apenas classificável como da ordem das coisas absurdas, dos conhecimentos curtos e dos juízos míopes, e alguns outros pobres e ridículos “juízes”, (sem esclarecimento em suas insciências...) como aqueles, poderiam, de tal jaez, ter chegado a tamanho, incrível e iletrado despautério!


E depois, mais escandalosa será a dita resolução pela recusa de aceitação da Candidatura em apreço, quando se estava face a um Projecto (nacional e de dimensão europeia) com rigorosa e categorizada memória descritiva, face a cuja excepcional, bem clara e sugestiva explanação os mal inglesados comentários pseudo-justificativos da decisão dos ditos “peritos” – e logo a seguir também os invocados fundamentos para a sua sentença final – ainda se tornam, todos emparelhados, não só incoerentes e contraditórios, quanto até mais destituídos de vergonha académica e cultural, para além de arredados de qualquer sombra de expectável rigor científico (por mínimo que fosse!), numa outra política e arte exigíveis, mas ali não cumpridas, em atenção histórico-crítica ao património civilizacional, cultural e espiritual do Pensamento em Portugal!


– De resto, diga-se também aqui, uma leitura paralela do Projecto em apreço e da (no mínimo insólita) decisão da FCT, logo revela o quase inacreditável teor de todo este procedimento...

3. Tem pois o nosso estimado colega e amigo Prof. Mário Santiago de Carvalho toda a razão em considerar que os membros do painel de avaliação do Projecto em causa “foram superficiais, enviesados e ignorantes”, e que assim, em consonância, a própria FCT “por ter caucionado uma avaliação que prejudica a inscrição de Portugal na História da Filosofia, deve ser responsabilizada por desrespeitar a Filosofia que se fez em Portugal e pelo contínuo, perigoso e malicioso recalcamento dessa produção nacional de cunho europeu”, num indigno procedimento de submissão, provincianismo e embasbacamento “que nunca permitirão inscrevermo-nos filosoficamente no Ocidente”.


 – No que aos Açores (também) diz respeito, ou deveria dizer, apesar (ou por isso mesmo) do permanente alheamento local e regional por estas (e outras afins) coisas, ficará o tratamento maior deste tema para outra posterior ocasião de confluência crítica, nem que seja, ou fosse, para memória do nosso Padre António Cordeiro, S.J., e por tudo o resto que por aí se esquece e ao Deus dará quase se perde, talvez apenas vivo nos olvidados brilhos e claustros de outrora, estantes da nossa História Insulana, perante a decadência do presente pátrio e “autonómico”, e na opacidade do futuro aos olhos de quem deles sente mais antigas e novas Saudades da Terra...


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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 12.09.2015):




























e Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3001: