sexta-feira, outubro 09, 2015

Utopia e Desenganos
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A atribuição do Prémio Nobel 2015 da Literatura à escritora Svetlana Aleksievitch chamou a atenção do mundo para uma obra singular, que tem vindo a ganhar crescente notoriedade na Europa não só pelo seu carácter propriamente literário e estilo narrativo quanto pela problemática sociopolítica, cultural e filosófica que a atravessa e profundamente modela na vertente ensaística.



– Nascida em 1948 na Ucrânia, então pertencente à URSS, o seu difícil (e arriscado...) trabalho de pesquisa e escrita (mormente recolha de entrevistas, arquivo de confissões e registo de histórias de vida), oscilando sempre entre textos profundamente realistas (alguns quase surrealistas e para-ficcionais de tão cruamente contados...), numa espécie de investigação antropológica de campo, misto de pesquisa etnológico-civilizacional e de reportagem jornalística –, tem vindo a permitir a Svetlana Aleksievitch abordar, denunciando, fundamentalmente a experiência histórica, ética, espiritual, ideológica e psico-existencial da chamada era pós-soviética e das implicações que as suas mais relevantes fracturas sociopolíticas (Perestroika), ambientais (Chernobyl), bélicas (II Guerra Mundial e guerra do Afeganistão) e institucionais (nomeadamente o regime de Loukachenko e o novo czarismo imperial de Putin), atingindo todas as classes e camadas populacionais da extinta URSS, provocaram na dramática reconfiguração destinal e simbólica do chamado “homem soviético”, na sua mentalidade e desencantos patrióticos ou nacionalistas, porém acima de tudo na sua fixação “utópica” num passado “comunista” perdido e volatilizado, 



– naquilo que afinal se traduz no desenvolvimento sofredor (pático e amiúde patológico) de uma série de mecanismos compensatórios e ilusórios (ressentidos, frustrados, desenganados mas ao mesmo tempo quase delirantes e regressivos), conforme todos os livros de Aleksievitch o revelam, desde 1985 (sobre testemunhos femininos da II Grande Guerra) até ao mais recente O Fim do Homem Soviético (único livro seu traduzido em português, obra vencedora do Premio Médicis Ensaio e Livro do Ano escolhido pela Revista Lire em 2013), títulos de uma obra muito apelativa e à qual voltaremos aqui.
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 10.10.2015):