segunda-feira, fevereiro 29, 2016


Um Truque Iconoclasta
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Independentemente de estimas intelectuais ou amizades por algumas das suas figuras e próceres – ou até da partilha pontual de leituras, causas marcantes e justificadamente “vanguardistas” –, foi com algum (mas não inédito) espanto – e, mais do que isso, com indeclinável desagrado e sentido de reprovação – que parte da opinião pública (ao menos aquela que observou a dita peça em pré-vaticinada colagem e expansão mediáticas) terá reagido ao novo cartaz congratulatório e propagandístico do Bloco de Esquerda (BE), com o qual se pretendia festejar o anelado fim da “discriminação na Lei da Adoção” por casais homossexuais, obtido por votação de reconfirmação no Parlamento a 10 do mês de Fevereiro (137 votos a favor, 73 contra e 8 abstenções), e depois promulgado (19.02) por Cavaco Silva, que havia vetado o diploma em 25 de Janeiro.

– Ora esse imaginativo reclamo do BE, para além das sub-reptícias mensagens que proclama e espaventosamente divulgaria até às pontas da sua icónica estrelinha cabeçuda, não se ficou por menos e não teve melhor fixação simbólica nem fraseado de juízo que juntasse ao seu manifesto a não ser a frase “JESUS TAMBÉM TINHA 2 PAIS”, iconoclastamente inserida ao lado de uma reprodução da figura de Jesus Cristo (segundo uma identificável figuração representativa do Coração de Jesus)...



Entretanto, para quem não percebesse nada da complexidade (apenas teológica!?) do tema exposto na dogmática fachada radical e no decorrente alcance do dito “fora-de-porta”, logo veio à liça em cunha uma abençoada deputadinha do BE, explicando à ignara massa dos crentes, teólogos e exegetas, e à (outra) sua estrelada trupe, que os “dois pais”, a que se refere o dito placar, são “o pai espiritual e o pai terreno” (sic) de Jesus de Nazaré!

Assim sendo, era só esperar para ver no que mais daria este caso de cartoon lisboeta (e não só), para regalo de imitantes menores do Vilhena, ensinança a leitores politico-religiosamente (des)avisados de Cunhal (sobre uns tais “pequeno-burgueses” de classe e mente), e a certos “compagnons de route” da cada vez mais dessacralizada geringonça que oxalá não dê com todos os pais e deserdados filhos e afilhados do Rato nas águas turva do Tejo...

– Ora agora, como era de esperar, vimos assistindo a uma verdadeira catadupa de reacções em cadeia, verificando-se mesmo uma certa radicalização de posições e de avaliações divididas, tanto no sentido de procurar justificar (quando não louvar!) o bloquista cartaz, quanto opondo-se-lhe frontalmente a partir de quadros de leitura e valores muito diversos, não apenas por observadores ou analistas independentes e à margem de filiações ou perfilhações religiosas, político-partidárias ou doutrinárias, mas também de figuras dirigentes ou destacadas no próprio campo político-ideológico (aliás não uniforme, nem consensual, nem unanimista) do BE.



E foi assim que pudemos presenciar desacordos de assumidos activistas da LGBT (Isabel Advirta); da “comunidade católica” gay portuguesa (José Leote: “A utilização do ícone católico está no mínimo deslocada. Somos defensores da construção de pontes...”), e prontas tomadas de posição (entre outras que muito sintomaticamente se manifestaram, enquanto alguns da mesma trupe permaneceram cumplicemente encabulados...), nomeadamente de militantes e/ou responsáveis do BE, como Marisa Matias e Francisco Louça, unânimes, apesar de tudo, em salientar o carácter (pelo menos) “inoportuno” (e porque não oportunista?), errado e equívoco desse manifesto, a par das atabalhoadas explicações de Catarina Martins que procurou descalçar a chinela de um pé auto-furado e claramente apanhado a trilhar o terreno escorregadio onde evidentemente se enfiara ou deixou que expeditos ideólogos, estrategas, artistas/cartoonistas, sociólogos culturais e militantes seus se metessem, pisando complexos domínios ignorados (ou então, pior ainda, se sobejamente conhecidos, insensata, abusiva e errantemente movidos em intencional tropelia simbólica ultrajante, ofensiva, vilipendiante e obviamente tanto mais imbecil quanto queria ter entrado, à desmiolada tripa forra, a dar-se brado mediático, até supostamente de pleno direito, segundo Louçã, em consequência de um simplista “conceito moderno de liberdade e de responsabilidade”, que arrogaria como natural “que se use, neste terreno de humor, símbolos religiosos”?!)...

– Por outro lado, apesar de alguns denunciados tiques de esporádico e insólito “ofendidismo ultramontano”, como escreveu Mário de Carvalho – expectáveis e por isso antecipadamente evitáveis, em todos os terrenos da barricada! –, não se fizeram esperar indignados (e fundamentados!) comentários nos OCS e Redes Sociais; discordâncias político-partidárias do CDS-PP e do PSD; silenciamentos indefiníveis (?) do PCP e do PS (embora Brilhante Dias tenha falado em divisionismo “infantil”), e – enfim – legítimas objecções firmes, pessoais e institucionais, por parte de católicos responsáveis e da Igreja Católica como D. António Marto, João Vila-Chã, Gonçalo Portocarrero de Almada, Anselmo Borges, Vaz Pinto, Teresa Toldy, Alexandre Franco de Sá e Manuel Barbosa (porta-voz da Conferência Episcopal), todos confluentemente classificando o famigerado e estulto cartaz de afrontoso para os crentes, “lamentável”, “injurioso”, “ridículo”, “sem gosto e inoportuno”, “de teor sexista”, “desrespeitoso para com as convicções dos outros”, etc., reforçando o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, para quem o cartaz do BE é “negativo”, “falseia uma verdade” e “desqualifica quem a propaga”, sendo que falsear uma verdade “é a pior das mentiras”!



O assunto, como se compreende claramente, é complexo e envolve múltiplas e delicadas dimensões políticas, sociais, filosóficas, religiosas, cívicas, simbólicas, jurídicas e éticas, todas muito para além de um afinal mero cartaz com truques de propaganda pouco inteligente, dúbia e viciada (além de provincianamente copiada de um deslocado slogan metodista da americana gender equality), mas que nem por isso deixa de merecer ser profunda e criticamente pensado a partir daquilo que, na sua (in)significância malévola e banal, revela e oculta...




– Infelizmente, porém, quanto à maioria dos Católicos e de muitos dos nossos crentes e clérigos, cuja coerência e exemplaridade evangélicas, coragem e integridade de vida cristã (e cultura teológica!) amiúde deixam muito a desejar, talvez nem tenham reconhecido, com específica precisão, na dita peça iconoclasta, uma esbatida figuração da imagem do Sagrado Coração de Jesus (“não só um símbolo, mas também uma espécie de compêndio de todo o mistério...”), e com certeza maior, ainda para cúmulo das palavras e dos gestos que correm nestes injustos e violentos dias de crise e alienado tempo civilizacional em que vivemos, nem terão sequer ouvido falar da bem memorável Haurietis Aquas...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 01.03.2016):




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Nota:
A primeira parte deste texto foi publicada no jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 27.02.2016) e em "O Sinais da Escrita" (http://sinaisdaescrita.blogspot.pt/2016/02/a-familia-do-cartaz-independentemente.html), tendo a respectiva sequência, aqui integralmente incluída, sido publicada separadamente também no mesmo jornal, em 01.03.2016):















sexta-feira, fevereiro 26, 2016



A Família do Cartaz
e o Sagrado Coração de Jesus
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Independentemente de estimas intelectuais ou amizades por algumas das suas figuras e próceres – ou até da partilha pontual de leituras, causas marcantes e justificadamente mais “vanguardistas” –, foi com algum (mas não inédito) espanto – e, mais do que isso, com indeclinável desagrado e sentido de reprovação – que parte da opinião pública (ao menos aquela que já observou a dita peça em pré-vaticinada e triunfante próxima colagem e expansão mediática) terá reagido ao novo cartaz congratulatório e propagandístico do Bloco de Esquerda (BE), com o qual esta organização pretende festejar o anelado fim da “discriminação na Lei da Adoção” (por casais homossexuais), obtido, conforme o anúncio timbra, por votação de reconfirmação no Parlamento nacional a 10 do corrente mês de Fevereiro (137 votos a favor, 73 contra e 8 abstenções), e depois promulgado (19.02) pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, que havia vetado o diploma em 25 de Janeiro último.


– Ora esse imaginativo reclamo do BE, para além da mensagem jurídico-política e sociocultural que proclama e espaventosamente divulgará até às pontas da sua icónica estrelinha cabeçuda, não se ficou por menos, – e não teve melhor fixação simbólica nem fraseado de juízo que juntar ao seu manifesto a não ser a frase “JESUS TAMBÉM TINHA 2 PAIS”, iconoclastamente inserida ao lado de uma reprodução estilizada da figura de Jesus Cristo (segundo a conhecida figuração do Sagrado Coração de Jesus)...



 Entretanto, para quem não percebesse nada da complexidade (apenas teológica!?) do tema exposto na dogmática fachada radical e no decorrente alcance do “fora-de-porta” bloquista, já lá veio à liça, no jornal “Público” e em outros OCS, uma abençoada deputadinha do BE, explicando à ignara massa dos crentes, teólogos e exegetas, e à (outra) sua (deles!) estrelada trupe, que os “dois pais”, a que se refere o placar, são “o pai espiritual e o pai terreno” (sic) de Jesus de Nazaré!


– Assim sendo, é só esperar para ver no que dará este caso de cartoon lisboeta (e não só...), para regalo de imitantes menores do Vilhena, ensinança a leitores politico-religiosamente (des)avisados de Álvaro Cunhal (sobre uns tais “pequeno-burgueses” de classe e mente...), e a certos “compagnons de route” da cada vez mais dessacralizada geringonça que oxalá, mais dia menos dia, não dê com todos os pais e deserdados filhos e afilhados do Rato na água turva do Tejo...

P.S. - Em próxima Crónica, voltarei a este assunto, à família política do Cartaz, à sua trupe cultural e às suas insensatas, abusivas e errantes tropelias simbólicas...
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 27.02.2012):






Devoção Mariana congrega
paradigmáticas significações
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Entrevista ao Jornal “Diário Insular”
(Angra do Heroísmo, 26.02.2016)

 “Diário Insular” (DI) – A VISITA DA IMAGEM DE FÁTIMA AOS AÇORES ENVOLVE NOVAMENTE MÚLTIPLAS MANIFESTAÇÕES E SIGNIFICADOS. COMO INTERPRETA ESTE COMPLEXO FENÓMENO?

                                          Foto: António Araújo

Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – Trata-se sem dúvida de um notável e complexo fenómeno socio-religioso, agora intencional e simbolicamente reactivado no âmbito do Ano Santo da Misericórdia e da preparação das comemorações do Centenário das Aparições, envolvendo e integrando importantes e decisivas dimensões espirituais, antropológico-culturais e teológico-pastorais.



DI – ESTA É A TERCEIRA VINDA DE UMA IMAGEM PEREGRINA. EM QUE CONTEXTO DEVE SER SITUADA?  

EFR – Enquanto manifestação conjunta de uma estratégia evangelizadora da Igreja, de acolhimento valorizante da piedade popular e da profunda componente mariana do Catolicismo em Portugal (marcado por devoções cristãs ancestrais, às quais Fátima e a sua Mensagem vieram trazer específico conteúdo e alcance ímpares), estas visitas das “imagens peregrinas” devem ser compreendidas tendo em atenção todas essas dimensões.

– A primeira, em 1948 (nas dramáticas sequências do pós-guerra) e a segunda (em 1991) traziam, cada uma a seu tempo e modo, finalidades e configurações próprias, cuja apreciação detalhada fornecerá apaixonantes motivos para análise...

                                          Foto: Humberta Lima

DI – A COMPONENTE MARIANA DO CATOLICISMO PORTUGUÊS, COMO DIZ, É RELEVANTE. COMO TEM SIDO ESTUDADA?

EFR – Tal configuração pode ser detectada e relevada tanto na produção histórico-doutrinal, pastoral, artística, festiva, votiva e iconográfica católica (Encíclicas e suas recepções nacionais, Oratória Sacra, Cartas Pastorais, Devocionários, Arte Religiosa, assumpções e reproduções dogmáticas, categorias do discurso catequético, dedicações, peregrinações e consagrações, etc.), como na Literatura (Poesia especialmente), no Pensamento, na Música e nas Ciências Sociais.

                                                                 Foto: Margarida Quinteiro

– No caso de Fátima, toda a complexa fenomenologia situada, sistemática e crítica das Aparições continua a ser motivo para estudos multi-disciplinares cuja importância para a Teologia, a Mariologia e a Cristologia (releia-se a Lumen Gentium...) deve ser realçada, e para a qual a Filosofia, a Antropologia Cultural e a Sociologia devem ser logo chamadas a reflectir em conjunto, para aquilo que é afinal, quando não a partilha das vivências e esperanças de tantas gerações (e orações...) cristãs, ao menos a inteligência ou a hermenêutica da Fé!

                                          Foto: Humberta Lima

DI – NOS AÇORES ESTAS DEVOÇÕES TÊM HISTÓRIA?

EFR – Sim, sem dúvida! História, tradição, brilho e vigência de alma quase intemporais. Desde os historiadores até aos poetas – por exemplo, Antero, com a sua saudade trágica do rosto materno de Deus, ou o Nemésio das laudes à Virgem do Lenço –, sempre um imaginário feminino-mariano está presente...


E para nós, sem ser necessário invocar aqui grandes filósofos lidos ou teólogos conhecidos, ainda revejo e relembro hoje o nosso Padre Coelho de Sousa, lá na minha Praia, fazendo o Sermão da Procissão das Velas, na festa de Fátima, que era de lenços medianeiros e de lágrimas fundas e quentes derramadas ao vento, no adro da Matriz de Santa Cruz, na esperança do perdão, na saudade da infância, do embalo maternal e do socorro da Graça de Maria, – símbolos e metáforas sempre recorrentes na parenética do seu verbo passional e no seu pranto, para dizer, chamar, pedir ou ficcionar o Céu, o Sonho, o Lume, o Divino, o Rosto de Deus na ternura da Mulher, o Silêncio, a Verdade, o Amor, a vitória sobre a rastejante Serpente do Mal e o único e derradeiro alívio de todas as Dores e gemidos da Criação, pela mão e pelos olhos doces da Mãe, unidos ambos nos passos cansados daqueles que vieram (e vão) a pé de muito longe, ao cântico do Avé, Avé, Maria!

                                          Foto: António Araújo
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 26.02.2016):




sexta-feira, fevereiro 19, 2016


Desafios de uma Entrevista
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A Entrevista que o meu amigo Mário Cabral concedeu à RDP-RTP-A – e à qual o "Diário Insular" (de Angra do Heroísmo) na sua edição da passada sexta-feira deu justificado destaque – constituiu um relevante e significativo momento para a divulgação de um testemunho pessoal e de reflexão partilhada sobre a recente experiência vivida da doença oncológica que atingiu aquele escritor, poeta e professor de Filosofia na Escola Secundária Jerónimo Emiliano de Andrade.


– De resto, quem não conseguiu acompanhar esse trabalho dirigido pelos jornalistas Luciano Barcelos e Armando Mendes, nem pôde ler a citada, alusiva e subsequente reportagem, por certo, como recomendamos, não deixará de o fazer ainda, ou no em breve certamente disponibilizado arquivo de vídeo da TV regional açoriana.


Ora o depoimento de Mário Cabral veio a lume tanto na ocasião em que foram reveladas novas e preocupantes estatísticas sobre a incidência, variedade e prevalência global e específica do Cancro, como também numa altura em que se tem multiplicado nos OCS e nas Redes Sociais toda uma série de registos e narrativas pessoais sobre o impacto que o diagnóstico clínico, o tratamento, os percursos terapêuticos, os efeitos e os desenlaces dessa doença geram nos pacientes e suas famílias, nos profissionais de saúde, nos cuidadores e nos decisores político-sociais, – sendo também esta uma matéria que tem vindo a suscitar crescente atenção e diversificada abordagem no campo das investigações e estudos biomédicos, psicológicos, filosóficos, teológico-pastorais e antropológico-culturais, a par de tematizações confluentes e complementares nos domínios da literatura e das artes.


– Todavia, a Entrevista de Mário Cabral, para além das questões afloradas em resposta proporcionada às perguntas dos dois jornalistas, deixou ainda pendentes muitas outras questões profundas e complexas que merecerão certamente ulterior, sistemático e integrado tratamento crítico, tanto do ponto de vista antropológico-filosófico, ético, psíquico e metafísico, quanto numa perspectiva médico-clínica, socio-assistencial e de prestação de cuidados continuados e paliativos (cuja concepção, operacionalização em rede e extensão integrada continuam leviana e irresponsavelmente dissipadas de modo injusto e dilatório, estruturalmente inabilitado ou pura e simplesmente sujeito às consabidas e desgovernadas improficiências que ameaçam os sistemas de Saúde...). 
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Em Azores Digital:

























"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.02.2016):





sexta-feira, fevereiro 12, 2016



As Cinzas do Carnaval
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Segundo a tradição do Calendário católico (ou do que dele resta), idos os dias de Entrudo e entrando-se na Quaresma, propício é o tempo para balanços e possíveis reconversões pessoais e sociais, conforme decorre da real simbologia dos ritos, cultos, celebrações e leituras litúrgicas deste ciclo que começou na quarta-feira passada.


 – Assim decorre há séculos com profundas meditações e gestos exercendo-se nesse “círculo que fazemos de pó a pó”, enquanto duramos na “roda que anda e desanda [e] juntamente sempre nos vai moendo”, porque, como dizia o Padre António Vieira na igreja de S. António dos Portugueses, nessa Roma de 1672 – fazendo uns “círculo maior, outros menor, outros mais pequeno, outros mínimo” – seja o caminho “largo, ou breve, ou brevíssimo”, “sempre e em qualquer parte da vida somos pó”. Memento homo, portanto!

Todavia, para além dessas reflexões de carácter espiritual, moral e existencial, outras análises mais seculares e sociológicas podem e devem ser feitas sobre o cíclico voltear de festas e paródias que pautam certas “Coisas do Carnaval” terceirense, especialmente essas demonstrações típicas e representações habituais que são as Danças e Bailinhos.


– Foi o que o jornal “Diário Insular” fez no seu Editorial (*) da última terça-feira (dia 9) com um texto pertinente, objectivo e certeiro cuja releitura nunca será de mais recomendar a todos quantos se interessam, acompanham, realizam, estudam e promovem essa grande manifestação da chamada “cultura popular”...



De facto foi detectada e apontada ali uma série de “sinais negativos” que se vem acumulando (com nomeáveis e conhecidas excepções!) sobre “o evoluir do fenómeno”, desde a degradação das linguagens, narrativas e poéticas (amiúde de estilo duvidoso, roçando o dichote burgesso, sórdido ou de caserna), até à banalização e facilitismo expressivos, passando pelo quase desaparecimento (imposto ou nem sequer concebido?) de uma desejável e informada “crítica social” livre e atenta, com o resultado de “tudo isto mina[r] a credibilidade desta forma de teatro popular”, apesar dos seus constatados progressos estéticos, instrumentais, corais e coreográficos!



– Mas se, ainda por cima, as transmissões televisivas (cartaz de grande potencial!) são mal geridas, só resta mesmo pó de propaganda e folclore decadente...
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(*) Editorial do DI:




















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Em Azores Digital:






















"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 13.02.2016):






sexta-feira, fevereiro 05, 2016


Temporadas Teatrais
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No previsível quadro da configuração e desfecho das últimas Eleições Presidenciais, a bem reflectida caminhada do candidato Marcelo Rebelo de Sousa tinha de fazer-se com segurança, naturalidade vencedora e indesmentível mérito, apesar das incertezas e oscilações da sua personalidade e das afinidades e hipotecas que conseguiu alijar ou obscurecer, mas também com notável empatia (mediaticamente catalisada anos a fio), e (enfim) com um tipo de carisma ou aura popular (sociologicamente indicativa e sintomática) que lhe advêm, conjugadamente, por berço, família, escola, estatuto académico, docência, cultura, percurso partidário, catolicismo (algo beato, mas não clericalista), talento jornalístico, inteligência, auto-confiança, e até com um à-vontade mágico que, em simultâneo, lhe consentiram aparecer engraçadinho no teatro de massas, fazer micro-retórica neutra, ser ajeitadamente populista, comunicativo e consensualista, e depois fechar em apoteose encenando entradas triunfais e assumindo solenes poses de Estado, como naquela messiânica representação, em sacralidade emblemática, na Faculdade de Direito de Lisboa, onde nem É a Hora pessoana faltou!


 – Tão populista, de facto, e engraçado este nosso novo Presidente que, conseguindo ir à tarde à Festa do Àvante, poderá, se quiser, à noite, reavivar (renovando na continuidade...) antigas lições e conversas mediático-familiares do seu homólogo padrinho, apesar das óbvias e profundas diferenças entre os tempos e modos de ambos e do País, porém sem esquecer as potenciais semelhanças e impasses históricos da profunda crise em que a vida portuguesa, europeia e internacional estão mergulhadas, com a recorrente mediocridade e cobardia das classes políticas e das instituições vigentes condicionando a vizinha década para o bem e para o mal, e com as promessas e limites revertíveis das nossas específicas (des)graças, mutáveis semânticas e (des)afeições de patriotismo e soberania, justiça social e equilíbrio financeiro, austeridade consequente e desenvolvimento económico, reactivados já hoje e a conjugarem-se para dramáticas cenas talvez logo a seguir às mascaradas, folias e danças desta época carnavalesca...


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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 06.02.2016):




























RTP-Açores:

http://www.rtp.pt/acores/comentadores/eduardo-ferraz-da-rosa/temporadas-teatrais-_49458:




























e "Azores Digital":
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3112:



















terça-feira, fevereiro 02, 2016


A Semântica dos Afectos
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1. Na primeira apreciação ao resultado das Presidenciais, o secretário-geral do PCP fez afirmações que tiveram o condão de provocar comentários repetidos em cadeia e juízos interpretativos por uma enfiada de pressurosos “analistas”, jornalistas em praça, historiadores com tarimba e preceptores do espaço público, a par de articulistas e politiqueiros de quadrantes menores.
  
 O pomo da indignação, como é sabido, de tão zelosos cavalheiros-guardiães e feminis-guardiãs da “honra” feminina – em coro de proverbial e simétrico “anti-machismo” – foram as palavras que transcrevo e sublinho, até porque apareceram amiúde truncadas, quando não arbitrariamente sinonimizadas para intencionais apertões de sentido, conforme calhou ao argumentário de tão desobrigados actores (decerto tenazes defensores de todos os direitos e deveres de todas as mulheres)!

– Disse Jerónimo: “Nós podíamos apresentar um candidato ou uma candidata assim mais engraçadinha (...). Em que fosse fácil, com um discurso ajeitadamente populista (...), aumentar o número de votos. São opções e eu não quero criticá-las. Mas (...) nós partimos sempre para estes combates, onde se travam combates de ideias, combates com ideias políticas, com princípios”.



Ora onde de facto se referiu “candidato” ou “candidata” (embora com a adjectivação caindo apenas no singular feminino) muitos quiseram ouvir as finezas e os trejeitos criticados (bem notórios no identificável pendor populista, ilusionista e até circense de certas actuações histriónicas mas sem substância...) como se visando o BE, apesar do franco sorriso, entre surpreendido e embaraçado, de Edgar, talvez a sonhar, em indubitável esperança, com aqueles horizontes sérios – quem disse que “impossíveis”? – de vida e sociedade novas, que ele, sincero mas visionário, recolheu e citou de Ernst Bloch, sem que ninguém o tivesse sequer retido e relevado nos púlpitos do PCP...

– Ao menos Catarina, Marisa e Mariana, inteligentes e graciosas, mostraram enxergar os (reais) alvos, sem que tivesse sido necessário a um calejado e sofrido Jerónimo vir desculpar-se, humilde no recuo e na elucidação semântica daquele seu inusitado sentido de humor...



2. É claro que no meio de todas as gramáticas da desgraça que o PCP arrecadou neste combate – e que, depois daquela improvisada, dúbia, desajeitada e ao final pouco engraçada argumentação de Jerónimo, o Comité Central do seu partido viria precisar em termos mais sociopoliticamente objectivos e de análise inter-partidária... –, não pode deixar de reconhecer-se que, para a vitória do candidato Marcelo, em muito contribuiu a divisão gerada (quando não promovida...) entre e pelos diferentes sectores da chamada “esquerda”, a começar (evidentemente!) pelo PS.

– E de facto, cindido entre grupos e facções, tendências ideológicas (amiúde sem réstia de perspectiva ou consistência estratégica, teórica, prática e ética), oscilando ao sabor de intriga e vinganças de grupelhos tácticos (com manobras de navalhada à esquina dos seus permanentes e recorrentes interesses pessoais, profissionais e de carreirismo institucional), o PS mostrou-se incapaz de definir, assumir e assegurar uma posição clara perante as várias candidaturas e candidatos, à espera que uma distante e mirabolante “segunda volta” lhe permitisse então, em salto oportunista e hipócrita, ir cavalgar o cavalinho, jumento ou mula da vitória, deixando, até aí, lavadas as mãos, com o sacrifício dos outros entregues às sortes e roletas da arena político-eleitoral, no encarniçamento da refrega (mesmo que entre “camaradas” e confrades, velhos cúmplices ou recentes e supostas irmandades de ideal “de esquerda democrática”, quiçá apelidadas de “socialistas”)!



Todavia, cabe notar em abono da verdade, que nem todos os próceres do PS se comportaram levianamente assim, e muitos alinharam visivelmente com candidaturas (formalmente ou por herança e discurso históricos) vindas da área da Esquerda, como foi o caso de César perante e com Sampaio da Nóvoa – pessoa íntegra (aliás tal como Edgar, Marcelo e Marisa!), que reuniu adesões autênticas, sinceras e coerentes, mas que calculou mal os condicionalismos ancestrais, “timings”, projectos e programas dos seus nobres ideais e ideários de Justiça e de Liberdade, obviamente, avaliando mal (digo, sobreavaliando) o estofo ético-político de alguns dos seus debuxados “compagnons de route”, como penosamente se viu no início, a meio e, com pequeno interregno penúltimo, na própria noite dos fatídicos desenlaces, onde alguns, antes tão “convictos apoiantes” (?), logo meteram a viola no armário do Largo do Rato, escondendo-se com as encolhidas caudas entre as acostumadas pernas, pisgando-se, rasteiros e lépidos, para os distantes e balofos cadeirões, cobertores e confortáveis rotinas de secretária, cama e mesa, com as suas genuínas motivações e individualíssimas crenças “democráticas e socialistas”...


3. Naturalmente que neste desde cedo previsível quadro, a caminhada de Marcelo tinha de fazer-se com segurança, naturalidade vencedora e indesmentível mérito, apesar das incertezas e oscilações da sua personalidade política, das afinidades e hipotecas partidárias (que conseguiu alijar ou obscurecer), mas também com notável capacidade empática (mediaticamente catalisada anos e anos a fio), e (enfim...) com uma espécie de carisma ou aura popular (a vários títulos sociologicamente indicativa e sintomática) que lhe advém, conjugadamente, por berço, família, escola, estatuto académico, docência universitária, cultura, percurso social-democrata, catolicismo (algo beato, mas não clericalista), talento jornalístico, inteligência, auto-confiança, e até com o tal à-vontade mágico que lhe consentiram, todos em conjunto, ser simultaneamente engraçadinho no teatro de massas, fazer micro-retórica neutra, ser ajeitadamente populista, comunicativo e consensualista, para fechar em apoteose e encenar entradas triunfais, assumindo solenes poses de estadista, como naquela messiânica representação de sacralidade emblemática na Faculdade de Direito de Lisboa, onde nem É a Hora pessoana faltou!


 – Tão populista, efectivamente, e engraçado este novo Presidente que, conseguindo ir à tarde à Festa do Àvante, poderá, se quiser, na noite do mesmo dia, tentar reavivar (actualizar e renovar na continuidade...) antigas lições jurídico-constitucionais e conversas mediático-familiares do seu homólogo padrinho, apesar das óbvias e profundas diferenças entre os tempos e modos de ambos e do País, porém sem esquecer as potenciais semelhanças e os impasses históricos da profunda crise em que a vida portuguesa, europeia e internacional estão mergulhadas, com a recorrente mediocridade e cobardia da classe política e das instituições vigentes duplamente condicionando a próxima década do Mundo para o bem e para o mal, com as promessas e os limites revertíveis das nossas específicas (des)graças concretas, (des)afectos e (i)mutáveis semânticas, já reactivados hoje e mais ainda a partir do Carnaval... 
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 02.02.2016):