terça-feira, março 15, 2016

A Devoção e os Cânticos
de Manuel Emílio Porto
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A oferta trazia dedicatória fraterna e assinalava, para além de indefectível amizade, uma gentil e pessoal recordação mariana ao lembrar-se da minha conferência (“Maria e a Ternura de Deus em Antero de Quental”) que o nosso mutuamente querido Padre Júlio da Rosa (Horta, 24.05.1924-03.11.2015) me pedira que fizesse, como de facto a proferi no “Amor da Pátria” (a 28.05.19929), e depois foi arquivada na Estrela da Manhã (N.º 2, Ano II, 1993), revista da Academia Mariana dos Açores que ele fundara em 1990, com o olhar naquela Senhora das Angústias a quem tantos laços de vida e reminiscência familiar faialense me ligam. 



– A dádiva, bela publicação ilustrada do IAC (Angra do Heroísmo, 2015), foi Maria na Música na constante da História Açoriana, de Manuel Emílio Porto, esmerada obra competentemente organizada e coordenada por Maria de Jesus Maciel, com o contributo e créditos de solidárias partilhas documentais e iconográficas de vários amigos devidamente identificados por ela.




Este livro, adiantara-me já com razão o meu atencioso e atento amigo, há-de juntar-se doravante, com todo o merecimento e justificado interesse, às “outras obras aplicadas ao apaixonante estudo antropológico-cultural, religioso e filosófico-teológico dos temas marianos que marcam a História dos Açores e o Catolicismo em Portugal”, tal como aliás voltei a salientar aqui, há poucos dias, a propósito da Mariologia e da recente visita ao nosso arquipélago da Imagem Peregrina de Fátima (1).



– E como haveria de não ser assim, atendendo agora ao rico conteúdo desta primorosa edição que ao simples folhear das suas cerca de centro e trinta páginas – por entre sugestivas imagens, significativas peças de escrita, notas de biografia, pesquisa e inventário de acontecimentos, sucintos ensaios histórico-musicais, musicológicos e religioso-cultuais, e curiosos apontamentos da epistolografia trocada precisamente entre Emílio Porto e Júlio da Rosa –, ainda inclui um minucioso registo de Invocações de Nossa Senhora nos Açores e uma Antologia de Composições/Pautas Marianas daquele picoense que foi um incansável e criativo Músico e Cidadão (compositor, mestre, regente coral e director artístico, professor, animador cívico-cultural e associativo, escritor, jornalista, teólogo e político da sua ilha-montanha), conhecido e considerado em todas as nossas ilhas e no País, ou aonde quer que cheguem as nossas vozes?



 Manuel Emílio Porto nasceu na ilha do Pico, lugar da Ribeirinha, freguesia da Piedade, a 20 de Dezembro de 1935. Estudou no Seminário de Angra, formou-se em teologia e foi ordenado sacerdote. Dispensado das Ordens Sacras em 1976, serviria mais tarde em Angola, como capelão militar, até ao seu regresso aos Açores um ano antes. Desempenhou funções políticas (Vereador da Câmara Municipal das Lajes e Deputado regional independente, eleito pelo PS, durante as duas primeiras legislaturas autonómicas, tendo sido secretário da Mesa e da Comissão de Assuntos Políticos e Administrativos do Parlamento açoriano). Docente de Língua Portuguesa e de Educação Musical no Externato Lacerda Machado e na Escola Preparatória e Secundária das Lajes, na sua ilha natal desenvolveu intenso magistério e labor, constituindo e ensaiando Grupos Corais infantis e juvenis, Ranchos de Natal e de Reis. Premiado em vários Festivais de Música na Região e no Continente, recebeu o Prémio de Melhor Música na Gala Internacional dos Pequenos Cantores da Figueira da Foz.



Tendo parte do seu vasto repertório e de múltiplas actuações, interpretações e colaborações ficado entretanto gravada em sucessivos registos e Discos Compactos – como minuciosamente ficou elencado no capítulo sobre a sua vida e obra, e na respectiva introdução justificativa e elucidativa das suas origens, vocação, percursos e relevos biográficos e de trabalho –, Emílio Porto, a par “da composição de textos sacros para liturgia, harmoniza e compõe um significativo número de temas, quer da música tradicional quer da nova música açoriana, quer do fado”, referência merecendo sempre a célebre harmonização das Ilhas de Bruma, bem como os arranjos corais do Hino Nacional, do Hino dos Açores e do Hino do Espírito Santo, entre outros.



– Condecorado em 2001 com o Grau de Comendador da Ordem de Mérito pelo Presidente da República Jorge Sampaio, e com a Insígnia Autonómica de Mérito Cívico, dele mais realça Maria de Jesus Maciel: “Herdeiro de um sorriso franco e divertido, de gargalhadas sonoras que escarneciam e esconjuravam as situações mais ridículas, é a educação nos valores do trabalho e do estudo que lhe foram incutidos na infância, que pautam o caminho que lhe coube percorrer (...). Deixa a vida em pleno ensaio, regendo o seu Grupo Coral e cantando com ele: ‘Lá no cimo da Montanha’, na Filarmónica Liberdade lajense, às 22 horas, de 11 de Abril de 2012”.


 Por seu lado, evidenciando “o contributo deveras apreciável de Manuel Emílio Porto”, Artur Goulart – coordenador do Inventário do Património Artístico da Arquidiocese de Évora –, traça-nos um indicativo quadro sinóptico da Devoção Mariana (com especial referência para o fenómeno das Aparições, desde Lourdes, em 1856, a Fátima, em 1917) e para a história da Música Sacra em louvor da Virgem Maria, enquanto “reflexo de uma profunda devoção (...) que acompanhou desde sempre os açorianos, tal como foi sempre marcante em todo o país, desde a fundação da nacionalidade”, e assim assinalada, por exemplo, nos repositórios histórico-documentais, religiosos e testemunhais complementarmente presentes, entre muitos outros referenciáveis, em Alberto Sampaio (1899), Gaspar Frutuoso, António Cordeiro, Frei Agostinho de Santa Maria (1707/1723) e Carreiro da Costa, citados.




– “A história do culto a Maria, conclui com inteira justeza Artur Goulart, nas diversas invocações, merece um trabalho profundo e cuidado de investigação (...) A música está desde sempre incrustada na alma açoriana; natural seria, portanto, que na devoção à Virgem ela se manifestasse prodigamente”.


Ora é por receber este legado e o seu sentido – vividos e entoados ao longo de gerações e por isso mesmo, como mais deve ser realçado desta Maria na Música, na História, na Devoção e nos Cânticos do nosso Povo, que se nos retornam mais eminentes hoje, tal como assumidos pelo seu autor, o silêncio profundo, as afeições do coração, o louvor e a gratidão não só pela terna inspiração e simbologia marianas aqui exemplarmente preservadas e assumidas enquanto “linguagem da alma, do íntimo, daquilo que nos vai por dentro” –, quanto também pelas excepcionais expressões musicais e poéticas com que o nosso tão estimado Emílio Porto os acolheu, recriou e concelebrou, com alegria e esperança.

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(1) Cf.  Eduardo Ferraz da Rosa, "Devoção mariana congrega paradigmáticas significações", 
em http://sinaisdaescrita.blogspot.pt/2016/02/devocao-mariana-congrega-paradigmaticas.html

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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 15.03.2016):



























Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3126
 e RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/comentadores/eduardo-ferraz-da-rosa/a-devocao-e-os-canticos-de-manuel-emilio-porto_49799.

domingo, março 13, 2016


O Silêncio e os Afectos
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A oferta trazia dedicatória fraterna e assinalava, para além de indefectível amizade, uma gentil e pessoal recordação mariana ao lembrar-se da minha conferência (“Maria e a Ternura de Deus em Antero de Quental”) que o nosso querido Padre Júlio da Rosa (Horta, 24.05.1924-03.11.2015) me pedira que fizesse (28.05. 1992) no “Amor da Pátria” e depois publicou na Estrela da Manhã (N.º 2, Ano II, 1993), revista da Academia Mariana dos Açores que ele fundara (em 1990) com o olhar naquela mesma Senhora das Angústias a quem tantos laços de vida e reminiscência familiar faialense me ligam. 

A dádiva, bela publicação ilustrada do IAC (Angra do Heroísmo, 2015), era Maria na Música na constante da História Açoriana, de Manuel Emílio Porto (Pico, 20.12.1935-11.04.2012), obra competentemente organizada e coordenada por Maria de Jesus Maciel. Este livro, adiantara-me já com razão o meu amigo, há-de juntar-se doravante, com todo o merecimento e justificado interesse, às outras obras aplicadas ao apaixonante estudo “antropológico-cultural, religioso e filosófico-teológico dos temas marianos que marcam a História dos Açores e o Catolicismo em Portugal”.


– E como haveria de não ser assim, atendendo ao rico conteúdo desta edição, que ao simples folhear de páginas, por entre sugestivas imagens, significativas peças de escrita, notas de biografia, pesquisa e inventário, ensaio histórico-musical, musicológico e religioso-cultual, e epistolografia (trocada precisamente entre Emílio Porto e Júlio da Rosa), ainda inclui um minucioso registo de Invocações de Nossa Senhora nos Açores e uma Antologia de Composições/Pautas Marianas daquele que foi um incansável e criativo Músico e Cidadão (compositor, mestre, regente e director artístico, professor, animador cívico-cultural e associativo, escritor, jornalista, teólogo e político picoense), conhecido e estimado em todas as nossas ilhas e no País?

Ora é de receber tudo isto, como bem realçam Maria Maciel e Artur Goulart (no “Prefácio”), que se nos retornam mais eminentes o silêncio, os afectos e a gratidão, não só pela terna inspiração e simbologia marianas quanto também pelas excepcionais expressões artístico-musicais e poéticas com que Emílio Porto as acolheu e concelebrou.
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 12.03.2016):






segunda-feira, março 07, 2016



Os Cerrados da Crise
(2.ª versão revista e aumentada)
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A anunciada descida do preço do leite aos produtores tem vindo a gerar justificadas apreensões em todas as ilhas (mormente na Terceira, como é sabido e era expectável!) e a todos os níveis da vida no arquipélago, por tudo quanto integradamente envolve e implica do ponto de vista político-económico-financeiro e empresarial, técnico-laboral, socio-familiar e cultural.



 – Esta preocupante situação, a somar a outras de uma crise global que tem tanto de estrutural quanto de conjuntural, embora não seja historicamente inédita, tem na sua configuração específica e no actual quadro das complexas e movediças realidades regionais, nacionais e internacionais (especialmente europeias...), uma série de contornos e parâmetros que devem ser pensados em conjunto para a urgente e exigível procura de soluções minimamente consistentes, consensuais e mobilizadoras, que assegurem, tanto quanto possível, uma saída clara para este perigoso estado de coisas.



Desde sempre os Açores viveram sob o signo de modelos produtivos caracterizados pela vigência de paradigmáticos ciclos “mineiros” (isto é, de monoculturas predominantes ou hegemónicas) – trigo, pastel, laranja, pastagem, carne e leite (estas últimas típicas da denominada “monocultura da vaca”) – com todas as causas e consequências resultantes de:



1) Imposições dos poderes estabelecidos (e do acatamento e subordinação aos mesmos!);

2) para mais condicionadas as ilhas por decisivos factores geo-humanos (demografia, emigração, qualificações, mentalidades e hábitos, rotinas ancestrais, socioeducativas e cívicas);



3) sucessivos condicionamentos histórico-políticos, comerciais, industriais, aduaneiros e logísticos;

4) dependências típicas de economias territoriais e de escala muito restritivas, e enfim


5) sujeições governamentais, legislativas e administrativas a divisionismos e desequilíbrios internos, abandonos, mercancias e trocas de favorecimentos nacionais e diplomáticos, militares e financeiros, numa constitucional adjacência (amiúde quase ou para-colonial...), apesar das mais-valias reais ou potenciais, das valências naturais e antropológico-culturais e dos progressos conseguidos...




– E tudo isto, permanecendo ainda hoje a nossa Região Autónoma numa plataforma e modelo de desenvolvimento bastante assente em fragilidades grandes, sustentabilidades precárias e narrativas dúbias, muitas delas derivadas de planos, práticas e opções políticas discutíveis!


Ora é por várias dessas vigências estruturais e super-estruturais que continua a parecer-nos adequada a supracitada expressão ciclos mineiros, que intencionalmente retomamos de um conhecido estudo sobre os Açores e que aqui usamos de modo análogo e crítico pelo que traduz da caracterização daquilo que é próprio de um sistema de aproveitamento, produção e comercialização de tipo intensivo, em regime de monocultura, à semelhança daqueles que moldaram (e moldam) histórica e sociologicamente os ciclos de exploração de matérias-primas (ditas ali como se de “minérios” em sentido material próprio, como é evidente, desde o ouro e a prata ao volfrâmio e ao urânio), em terra e no mar... 



 – Claro que, no nosso caso, as riquezas (e as falências...) produzidas, os minérios, as minerações e até as minas (que se foram redondamente esgotando em crises e saturações internas e externas consecutivas) eram de outros metais, amiúde explorados e comercializados em regimes de (des)medidas e pautadas correlações estruturais, de acordo ainda com mecanismos e lógicas quase ou para-colonialistas, capitalistas, liberais ou neo-liberais... E que, tal como com estes e aqueles, aliás, também foram abrindo e fechando ciclos produtivos e de exploração de produtos, recursos, terrenos, solos e subsolos, a par de toda uma arquitectura socioeconómica e sociopolítica que envolve sempre estruturas de poder e exercício do mando, classe, propriedade, mão-de-obra, detenção fundiária e dos meios de produção, conhecimento, etc., etc., cujas variações, estratégias, vigências e perpetuações históricas, sociológicas e ideológicas são sobejamente sabidas!



 De resto, neste contexto global e por andar insular, os presentes cerrados das ilhas (que oxalá, ainda por cima, não venham a atingir o conexo sistema bancário local!) são apenas mais um dos pastos em que – com maiores ou menores resgates e reconversões de práticas e teorias... – continuaremos caídos e peados, ao final das contas e das pessoas...
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Em "Diário dos Açores!" (Ponta Delgada, 08.03.2016):




























e RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/comentadores/eduardo-ferraz-da-rosa/os-cerrados-da-crise_49724.





sexta-feira, março 04, 2016


Os Cerrados da Crise (*)
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A anunciada descida do preço do leite pago aos produtores tem vindo a gerar justificadas apreensões em todas as ilhas (mormente na Terceira, como é sabido e era expectável!) e a todos os níveis da vida no arquipélago, por tudo quanto integradamente envolve e implica do ponto de vista político-económico-financeiro e empresarial, técnico-laboral, socio-familiar e cultural.




– Esta preocupante situação, a somar a outras de uma crise global que tem tanto de estrutural quanto de conjuntural, embora não seja historicamente inédita, tem na sua configuração específica e no actual quadro da complexa e movediça realidade regional, nacional e internacional, uma série de contornos e parâmetros que devem ser pensados em conjunto para a urgente e exigível procura de soluções minimamente consistentes, consensuais e mobilizadoras, que assegurem, tanto quanto possível, uma saída clara para este perigoso estado de coisas.


                                                                                                                                 Foto: João Montes Palma (2016)

Desde sempre os Açores viveram sob o signo de modelos produtivos caracterizados pela vigência de ciclos “mineiros” (monocultura predominante ou hegemónica) – trigo, pastel, laranja, pastagem e carne (“monocultura da vaca”), com todas as consequências resultantes de imposições dos poderes estabelecidos (e do acatamento e subordinação aos mesmos!), para mais condicionadas as ilhas por decisivos factores geo-humanos (demografia, emigração, qualificações, mentalidades e hábitos, rotinas ancestrais, socioeducativas e cívicas); sucessivos condicionamentos histórico-políticos, comerciais, industriais, aduaneiros e logísticos; dependências típicas de economias de escala muito restritivas, e (enfim...) sujeições administrativas e territoriais a divisionismos e desequilíbrios internos, abandonos a mercancias nacionais e trocas de favorecimentos diplomáticos, militares e financeiros, numa constitucional adjacência amiúde quase ou para-colonial... –, apesar das mais-valias e valências naturais e antropológico-culturais e dos progressos conseguidos, permanecendo a Região numa plataforma ainda assente em fragilidades grandes, sustentabilidades e narrativas dúbias!



 – O presente cerrado (que oxalá não atinja o sistema bancário local) é mais um dos pastos em que continuaremos caídos e peados...


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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 05.03.2016):





























Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3122:


























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(*) N.A.  - Uma segunda versão, revista e aumentada deste texto será publicada em "Diário dos Açores".