sexta-feira, junho 22, 2018


ARTUR CUNHA DE OLIVEIRA:

UMA FIGURA MARCANTE 

NA CONSCIÊNCIA DOS AÇORES



DIÁRIO INSULAR (DI) – Conviveu de perto e conhece bem a vida e obra do Dr. Artur Cunha de Oliveira. Como vê os seus legados e o seu desaparecimento?

EDUARDO FERRAZ DA ROSA (EFR) –Vejo com muito pesar o seu desaparecimento e sinto com profunda tristeza a sua ausência como perdas para toda a sociedade açoriana e para os estudiosos do seu pensamento e heranças intelectuais, cívicas e culturais.

– O Dr. Cunha de Oliveira foi e será sempre inolvidável referência na história contemporânea do nosso Arquipélago, na reflexão dos Açores sobre si próprios, na sua consciência societária e suas derivas, modelos e projectos de afirmação e desenvolvimento sociopolítico, mental e socio-religioso.

Trata-se, enfim, de uma figura cimeira daquela ilustre geração que marcou a vida e os destinos das ilhas, especialmente no período do pós-guerra (época que sobremaneira possibilitou e moldou a sua formação teológica em Roma), e que até ao final do Século XX potenciou todo o seu múnus eclesial e o seu corajoso, continuado e persistente envolvimento cívico e militâncias ideográficas, doutrinárias e sociológicas (Semanas de Estudo, Cursos de Cristandade e Planeamento Regional), para além de compromissos associativos, político-partidários, parlamentares e socio-comunicativos, com destaque para o jornal “A União”, que dirigiu com Artur Goulart, e sob cuja saudosa direcção, lá pelos idos anos 70 do século passado, tive acesso livre e aonde dei os primeiros passos numa situada e arriscada escrita de intervenção, apesar da Censura política, eclesiástica ou clerical, então (embora maior do que a de hoje...), hegemónica, retrógrada e opressiva!




DI – Quais as áreas ou campos temáticos que mais salientaria em Cunha de Oliveira?

EFR – Em primeiro lugar, o seu trabalho exegético e a muito minuciosa e precisa hermenêutica bíblica (que cultivou desde cedo na sequência de estudos especializados e da apreensão e adopção de decisivas categorias perfilhadas pelas novas escolas pré e pós-conciliares, que continuou a acompanhar de perto e que foram dogmaticamente cerceadas, entre nós e no País em geral, pelas hierarquias diocesanas e suas proverbiais conezias, ou não fossem tais teses inquietantes para a ordem estabelecida e a medíocre rotina clerical, teológica, pastoral e social imperantes...).

– Reveja-se a este propósito apenas o teor do famoso caso local da Gruta e do Presépio, ou mais recentemente as suas derradeiras e sistemáticas abordagens desmistificadoras, desconstrutivas ou desmitologizantes no complexo, intrincado e melindroso campo interpretativo e orto/heterodoxo da Escatologia, da Cristologia, da Antropologia Bíblica, da Ética, da Moral, da Mariologia e da Dogmática Católica.

Em segundo lugar, como salientei no Elogio Cívico e Académico que lhe fiz a quando da cerimónia pública de justa e merecida atribuição da Medalha de Honra Municipal angrense (2005), devo tornar a realçar o travejamento propriamente filosófico do seu pensamento, de resto inseparável de uma sólida, ou ao menos tentada, Teologia Transcendental, historicamente pós-kantiana conquanto ainda Tomista, como nela costumávamos dialogar à sombra do nosso predilecto teólogo Karl Rahner, mas passando pelos chamados “mestres da suspeita”, pela análise do Discurso, da Linguagem, do Sistema dos Mitos, Ritos e Crenças, da História das Religiões, da Economia da Salvação e da Economia Política...

– Mantenho aliás também presente haver ali salientado que Artur Cunha de Oliveira fora também um dos primeiros, se é que não o primeiro intelectual ou académico, teólogo e biblista português, a estudar a obra de Paul Ricoeur, por exemplo.

Finalmente, relevo o seu empenhamento nas pioneiras estruturações político-administrativas e na visão prospectiva de uma plural e progressiva Autonomia Regional possível (entre social-democrata, socialista democrática e democrata-cristã, se é que tal conjugação se poderá ou poderia harmonizar...), desde os alvores do 25 de Abril aos ocasos vigentes e vegetantes daquilo a que hoje estamos decadente e sonambulamente sujeitos...




DI – Como gostaria que Cunha de Oliveira fosse lembrado entre nós?

EFR – Gostaria que fosse através da sua paradigmática coragem e força crítica e emancipadora, da sua capacidade de trabalho e reflexão, da sua lucidez sonhadora ou utópica...

– E depois, para quem fosse ou seja crente, que tivesse presente e olhasse para o essencial da Mensagem de humanidade que se reflecte e incarna no ressurrecto testemunho daquele a quem, um pouco como os grandes teólogos protestantes, ele afectuosamente chamava “Senhor Jesus”, o mesmo que estará afinal sinalizado na apelativa e iluminativa porta de toda a sua obra (tão injusta e intencionalmente ignorada na Região e no País!), como exemplar Presença e Manifestação no Tempo, daquele outro Mistério que é o do Futuro Absoluto, apenas (quem sabe se somente agora, talvez...) já vislumbrado por ele... 
__________________________

(*) Texto, especialmente revisto da Entrevista originalmente concedida ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 22 de Junho de 2018).





__________________


Idem em Azores Digital: http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3342

e jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 26 de Junho de 2018):