quinta-feira, janeiro 14, 2010

Políticas de Integração Curricular
e Desintegração de Competências



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Mal sabia eu ao escrever aqui mesmo nesta coluna do “Azores Digital” na semana passada, a propósito de um empeçado projecto de ensino de Filosofia para Crianças, que as apressadas sentenças de abusiva colagem capitalizadora de uma suposta folha de serviços da SREF não tinha “a mais leve correspondência ao que se passa na verdade das políticas institucionalmente lideradas, tuteladas ou sofridas no quotidiano escolar açoriano…” –, quando, logo agora, uma semana depois, foram a opinião pública e os observadores políticos mais uma vez tristemente confrontados com novas e ainda mais convencidamente expeditas declarações governamentais (também em nome do PS?), desta vez pela própria secretária regional “socialista”, sobre uma proposta do PPM (que aqui passo por alto), de introdução do Ensino de História dos Açores nos currículos regionais do nosso Arquipélago e Região Autónoma.

– Dizendo discordar “completamente” de tal ideia, porquanto, em seu abalizado entendimento científico, pedagógico, académico e político, tal abstrusa inserção fugiria “à lógica que nós entendemos que deverá ser da integração do saber e não da segmentação”, no almejado quadro de “um currículo de educação básica abrangente, um currículo integrador” (sic), – ao que ainda consta, a dita e feita primeira executora da política educativa e formativa do Governo presidido por Carlos César, mais parece ter até conseguido reunir alguns supostos ou simulados (mas talvez apenas ligeiros e afinal contraditórios e pouco aprofundados) consensos ou concordâncias de Sindicatos de Professores, de um ou outro dos curiosos e exteriormente silenciados Deputados presentes na então decorrida reunião da Comissão Parlamentar dos Assuntos Sociais da Assembleia Legislativa regional, onde também parece ter estado presente o reempossado mas novel director regional da Cultura (não se percebe bem, da peça televisiva, se este também lá figurava para secundar as profundas teses da sua hierarquicamente relevada correligionária, se para dar algum prestabilíssimo aval político-cultural ao mesmo sentenciado assunto, ou se apenas para dar, de palanque, outras contas do seu rosário regulamentador de espectáculos tauromáquicos de natureza artística…).

Sem entrarmos aqui e hoje em mais detalhes de análise a este apaixonante tema e relevante problema do Currículo Regional (no âmbito específico da letra e do espírito da Lei de Bases do Ensino em Portugal e de uma também daí devida e co-implicada reflexão técnica e jurídico-programática, da territorialização processual e da gestão dos currículos, dos equilíbrios, na verdade a acautelar sempre, entre a autonomização do currículo e a das escolas, e depois sobre a então sistémica e consistentemente chamada integração curricular…) – questão que se arrasta, sem frutos reais, há anos sem fim nas acumuladas inoperâncias das sucessivas SRECs sociais-democratas e do PS até hoje, nesta vertente, e com a qual aliás se prende não só aquela discussão sobre a Filosofia e a História, mas também a Geografia, a Literatura, a Antropologia Cultural, a Sociologia, a História da Ciência, a Cidadania, o Direito e a Política, etc., e todas estas e outras Disciplinas aqui e ali indeclinavelmente perspectivadas por relação estruturante, efectiva e fundamental com as conhecidas, competentemente já pensadas ou diligentemente repensáveis abordagens e estratégias dos conteúdos e dos modelos curriculares da Escola (isto é, do Ensino, da Educação e da Cultura) –, quero apenas recordar o que se escreveu, subscreveu e ainda pode ser lido e posto em prática por quem, se calhar à margem ou na ignorância expedita dos ideais e das práticas perfilhados no Documento do Fórum 2013 (Açores – Ilhas de Futuro, 2008) e do que sobre esta problemática consta.

Efectivamente, ali, no Capítulo III.3, a páginas tantas (102-110), consta o seguinte, que – sem prejuízo de voltarmos ao assunto, noutro inciso de merecido tratamento –, fica hoje apenas à reconsideração de quem mais aprouver.

– Assim, embora dando por provado (o que não corresponde à realidade!) que a política educativa passada se tenha concretizado em todos os elencados pontos, é ali justamente reconhecido, afirmado e assumido que é preciso Continuar e aprofundar o desenvolvimento e a operacionalização do currículo regional, de modo a incluir no sistema educativo conteúdos que promovam e valorizem, em simultâneo, a diversidade e a unidade dos valores identitários de “ilha”, de “região” e de “país”, sendo que “o desenvolvimento de um currículo escolar regional, complementar do currículo nacional, [é] um passo estruturante para a afirmação das competências regionais na política educativa, sem esquecer, antes valorizando, as condições de competição dos jovens açorianos no contexto nacional”, pelo que, das medidas propostas, constam as adiante bem explicitadas no Objectivo 2, que abaixo seguem ipsis verbis, sem mais comentários, por ora:

1. Identificar os conteúdos identitários açorianos que, podendo integrar os currículos escolares do sistema regional de educação, enriqueçam os alunos açorianos no seu confronto com os seus colegas nacionais.


2. Incentivar o desenvolvimento, por cada escola ou agrupamento de escolas, de programas pedagógicos próprios que espelhem a realidade local, mas sempre perspectivada no contexto da ilha, da região e do país.


3. Promover o conceito de escola como centro da comunidade em que se insere e das comunidades de origem dos seus alunos.

– Ficamos entendidos?

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Publicado em "Diário Insular", "A União", "Diário dos Açores" e "Azores Digital"

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ENTREVISTA AO “DI”
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Sobre a Filosofia para crianças:
Um projecto promissor mas complexo

“Diário Insular” (DI) – Como Docente universitário de Filosofia, com responsabilidades que também assumiu de direcção no Curso de Formação de Professores (CIFOP-Terceira) e como antigo Orientador de Estágios de Professores dessa Disciplina no Ensino Secundário, como encara o projecto de Ensino de Filosofia para Crianças?


Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – Tanto quanto pude observar e avaliar minimamente – também pelas explanações do meu amigo Mário Cabral e por outros testemunhos de alguns docentes de Filosofia e de outras áreas disciplinares que não poderiam ficar à margem de um exigível envolvimento crítico nesse interessante projecto –, parece-me tratar-se de uma iniciativa em si e idealmente promissora, louvável e positiva, muito embora revestindo-se de uma evidente complexidade temática (científica, didáctica, pedagógica e curricular, ou seja teórico-crítica, epistemológica e metodológica), que não poderá deixar de ser integradamente equacionada, com rigor e sistematicidade pluridisciplinar.

DI – Parece-lhe possível e útil ensinar Filosofia a crianças?

EFR – Depende daquilo que se entender por Ensinar, por Filosofia e por Infância
– É por isso que sem uma reflexão prévia e aprofundada sobre as múltiplas e correlativas dimensões destes conceitos, categorias e valores, corre-se o tremendo e contraproducente risco de baratear aquilo mesmo que se pretende redimir ou semear…
De resto, para já não remontarmos à antiquíssima e sempre nova questão dialéctica do ensino-aprendizagem, bastará atender às conhecidas teses de Matthew Lipman (anos 70) e à posteridade das suas experiências e experimentalismos (especialmente nos Estados Unidos e na América Latina, em geografias mentais e até ideológicas muito díspares…), para compreendermos a fundo o que está aqui pressuposto e accionado!
– E depois, Lipman, como, mais tarde, e um pouco em algumas das suas linhas, Allan Bloom…, nem sempre serão lá muito conciliáveis por exemplo com Jean Piaget ou Paulo Freire, ou com clássicos filósofos das tradições naturalistas, iluministas, personalistas, etc., etc.

DI – O seu actual trabalho de Doutoramento (Ciências Biomédicas) pressupõe uma interface muito grande com a Ciência. Vê essa ligação presente no referido projecto de Filosofia para crianças?

EFR – No quadro histórico e sociológico da génese e das sucessivas mudanças de paradigma noético, epistemológico e ético nos saberes, nas artes e nas ciências, nunca o horizonte fundamental da reflexão filosófica esteve distante do mundo fenoménico e técnico-tecnológico da Ciência, sendo até que foi à Filosofia que sempre coube pensar e fornecer o quadro transcendental para o possível (conquanto limitado…) conhecimento do real.
– No projecto aqui em atenção vejo aliás ressaltada uma vertente de co-implicação lógico-matemática (material e formal), mais discutivelmente vista ou dita como lógico-dedutiva, quando me parece que a mesma podia e devia antes ser mais explícita e implicitamente de teor hermenêutico, compreensivo do sentido das coisas e dos seres, por via de uma especial atenção aos universos mais originários da Linguagem e da Narrativa, da Arte, da Afectividade, da Busca e da Revelação do Mistério, da Expressão da Beleza e da Bondade, da Cosmologia Ecológica, etc., e então por aí até às estruturações racionais da ordem e da finalidade…

DI – A Secretaria Regional da Educação e Formação classificou este projecto como “mais um exemplo da dinâmica e empenho das escolas açorianas em proporcionar (...) um ensino de excelência centrado na formação integral das crianças e jovens açorianos”. Quer comentar?

EFR – Prefiro não comentar com delongas, já que essa quase abusiva colagem ao projecto de Mário Cabral não tem a mais leve correspondência ao que se passa na verdade das políticas institucionalmente lideradas, tuteladas ou sofridas no quotidiano escolar açoriano…
– E tal não será certamente por culpa principal ou demissão dos professores; assim e antes, ao contrário, lhes fossem dados e respeitados os tempos, os meios, os devidos apreços e os reconhecidos méritos próprios!

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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo) e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada)

sábado, janeiro 09, 2010

BALANÇAS DO TEMPO


Especialmente ao terminar cada ano civil – mas às vezes também com incidência sobre outros períodos convencionais variáveis ou padronizados (como décadas, séculos, legislaturas, mandatos, regimes, ciclos de festança, etc.) e cuja percepção de duração se afigura significativa… –, é costume já estabelecido, mormente nos OCS, fazer-se uma espécie de inventário mais ou menos crítico dos doze meses passados, assim a modos de um exercício de reavaliação retrospectiva e global dos principais acontecimentos, factores, agentes e actores que marcaram a vida, a história e os discursos do mundo, dos cidadãos ou de uma determinada sociedade durante aquele mesmo período de tempo.


– Ora, como é evidente, as leituras daquele dito inventário – às vezes também denunciadamente feito segundo parâmetros mais próprios de certos balanços político-comerciais, de balancetes de créditos e de existências malparadas, ou para ajuste de velhas contas pessoais em véspera de saldos… –, que nem por nunca poderem ser totalmente neutros nem incondicionalmente objectivos – e até exactamente por isso… – não deixam lá por isso de traduzir mesmo, ou de insinuar em parte, muitas das linhas de inércia ou de força que, recebidas do passado, vão já regendo o quotidiano e perspectivando os futuros próximos.


Contudo – e tal como se costuma dizer que “a cada cabeça sua sentença”, também aqui, à paralela medida em que vão sendo seleccionados, pesados e medidos os dados do aludido inventário de 2009, sempre conforme os pesos e as medidas que tiverem sido usados na balança das análises e nas contas e pautas dos diferentes observadores e contextos em presença – muitas vezes, mais interessante do que desfiar o rol das escolhas seria analisar a relação entre elas e os seus analistas jurados (júris de selecção ou juízes de opinião…).

No caso provincial da vida portuguesa e das suas periferias, semi-periferias e ultra-periferias – que a tal graduação se chegará facilmente nestes inícios da segunda década do Século XXI e nos alvores comemorativos da primeira centúria daquela indistintamente encomiástica ética republicana que até ao nosso encabulado PR fez subir o tom de um discurso inocuamente moralista e destituído da mínima dimensão historicamente crítica…, – que mais se há-de acrescentar ao que já foi escrito?

– Nada, porventura, que as balanças do tempo não dão para mais e falarão por si à consciência espiritual profunda de cada um, pontual e institucionalmente talvez apenas a par e passo com algumas das vozes mais lúcidas da Igreja, face aos desafios inauditos e aos ventos perigosos que aí estão a fustigar a sociedade portuguesa e a parasitar a deformada alma de um País abúlico, condenado de novo aos expedientes de um medíocre marasmo fatalista e rasteiro, que só tem servido afinal a quem o domina, despreza e explora, com impiedade cruel e proveito garantido…

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In "Diário Insular" e Azores Digital (09.01.2009