Os Cerrados da Crise
(2.ª versão revista e aumentada)
__________________________________
A anunciada descida do preço do
leite aos produtores tem vindo a gerar justificadas
apreensões em todas as ilhas (mormente na Terceira, como é sabido e era
expectável!) e a todos os níveis da vida no arquipélago, por tudo quanto integradamente envolve e implica do
ponto de vista político-económico-financeiro e empresarial, técnico-laboral,
socio-familiar e cultural.
– Esta preocupante situação, a
somar a outras de uma crise global
que tem tanto de estrutural quanto de
conjuntural, embora não seja
historicamente inédita, tem na sua configuração
específica e no actual quadro das complexas
e movediças realidades regionais, nacionais e internacionais (especialmente
europeias...), uma série de contornos e parâmetros que devem ser pensados em
conjunto para a urgente e exigível procura
de soluções minimamente consistentes, consensuais e mobilizadoras, que
assegurem, tanto quanto possível, uma saída
clara para este perigoso estado de coisas.
Desde sempre os Açores viveram
sob o signo de modelos produtivos
caracterizados pela vigência de paradigmáticos ciclos “mineiros” (isto é, de monoculturas
predominantes ou hegemónicas) – trigo, pastel, laranja, pastagem, carne e
leite (estas últimas típicas da denominada “monocultura da vaca”) – com todas
as causas e consequências resultantes
de:
1) Imposições dos poderes estabelecidos (e do acatamento e subordinação aos mesmos!);
2) para mais condicionadas as
ilhas por decisivos factores geo-humanos
(demografia, emigração, qualificações, mentalidades e hábitos, rotinas
ancestrais, socioeducativas e cívicas);
3) sucessivos condicionamentos histórico-políticos, comerciais,
industriais, aduaneiros e logísticos;
4) dependências típicas de economias territoriais e de escala muito restritivas,
e enfim
5) sujeições governamentais, legislativas
e administrativas a divisionismos e
desequilíbrios internos, abandonos, mercancias e trocas de favorecimentos nacionais
e diplomáticos, militares e financeiros, numa constitucional adjacência (amiúde quase ou para-colonial...),
apesar das mais-valias reais ou potenciais, das valências naturais e
antropológico-culturais e dos progressos conseguidos...
– E tudo isto, permanecendo ainda hoje a nossa Região Autónoma numa plataforma e modelo de desenvolvimento
bastante assente em fragilidades grandes, sustentabilidades precárias e
narrativas dúbias, muitas delas derivadas de planos, práticas e opções
políticas discutíveis!
Ora é por várias dessas vigências
estruturais e super-estruturais que
continua a parecer-nos adequada a supracitada expressão ciclos mineiros, que intencionalmente retomamos de um conhecido
estudo sobre os Açores e que aqui usamos de modo análogo e crítico pelo que traduz da caracterização daquilo que é próprio de um sistema de
aproveitamento, produção e comercialização de tipo intensivo, em regime de monocultura, à semelhança
daqueles que moldaram (e moldam) histórica e sociologicamente os ciclos de exploração de matérias-primas
(ditas ali como se de “minérios” em
sentido material próprio, como é evidente, desde o ouro e a prata ao volfrâmio
e ao urânio), em terra e no mar...
_____________
e RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/comentadores/eduardo-ferraz-da-rosa/os-cerrados-da-crise_49724.