Actualidade de Albert Camus
Na passada quinta-feira ocorreu o
centésimo aniversário do nascimento de Albert Camus, escritor, ensaísta,
dramaturgo, jornalista e filósofo francês nascido na Argélia (Mondovi,
Constantina) a 07.11.1913 e falecido em França (Villeblevin, Yonne), num
acidente de viação, a 4 de Janeiro de 1960.
Figura de referência na
Literatura do Século XX, Camus é autor de uma vasta obra que inclui, entre
outras títulos, O Estrangeiro
(adaptado ao cinema, em 1967, por Visconti), A Peste, O Homem Revoltado,
O Mito de Sísifo, Os Justos, O Exílio e o Reino, A Queda
e Cartas a um Amigo Alemão (com um
desenho de capa por Lima de Freitas), todos editados pelos “Livros do Brasil”,
muitos deles traduzidos em português (nomeadamente por António Quadros, Urbano
Tavares Rodrigues, José Carlos Gonzalez e Virgínia Motta), sendo que alguns
incluíam notáveis e pioneiros Prefácios ou Estudos originais no nosso País (especialmente
no caso de António Quadros), versões, em tradução, das respectivas introduções
às edições francesas (como a de Jean-Paul Sartre para O Estrangeiro, traduzida por Rogério Fernandes, a de Jean Sarochi
para A Morte Feliz, e a de Paul
Viallaneix para Cadernos II/Escritos de
Juventude), ou outras sugestivas explanações (como a do posfácio de
Liselotte Richter a O Mito de Sísifo).
– Prémio Nobel da Literatura (1957),
todo o pensamento, as acções e os livros de Albert Camus foram exemplar e
genuinamente moldados e movidos por profundas inquietações existenciais,
humanistas e metafísicas, e político-ideológicas e éticas, estando fundamentalmente
marcados por recorrentes motivos de reflexão e tematização sobre a condição
humana, a finitude e a angústia, o absurdo e a revolta, os totalitarismos e a
resistência moral, a arte e a paixão pela vida, o compromisso e o perdão, o
sofrimento e a violência, o medo e a morte, a justiça e a felicidade.
Esta efeméride camusiana tem
vindo a ser assinalada um pouco por todo o mundo, sendo todavia que na própria
França não foi possível promover nenhuma comemoração
oficial sob a égide do seu Ministério da Cultura e da Comunicação, não
tendo igualmente chegado a concretizar-se qualquer evento evocativo na
Biblioteca Nacional, nem sequer tendo chegado a ter lugar consensual a prevista
Exposição, no âmbito da capital europeia da
cultura, em Marselha e Aix-en-Provence…
– E
assim, pelos vistos, a memória de Camus, o seu pensamento, as suas tomadas de
posição, as suas acções e militâncias, e tudo aquilo que ainda nele foi matéria
de controvérsia, dissensão ou dissidência (a questão da Argélia, a experiência
comunista soviética, o desalinhamento partidário, a diferenciação face ao
existencialismo e ao marxismo, a demarcação perante o recurso ao terrorismo
armado, etc.), tudo isso continua a pesar na multiplicidade divergente, ou
contraditória, com que o autor de O
Avesso e o Direito continua a ser visto, lido, situado… e dificilmente
recuperável (como até com os seus restos mortais o figurão de Sarkozy tentou
instrumentalizá-lo ao pretender transferir o que deles (não dele!) restaria
para o Panteão parisiense…
Por
outro lado, muitas tem sido as edições, congressos, simpósios, colóquios e
debates que a vida e obra de Albert Camus tem suscitado em vários países,
academias e órgãos de comunicação social, inclusive em Portugal (Universidades
do Porto e Évora, Centro Cultural de Belém, Academia das Ciências, em Lisboa,
etc., sendo que nesta última proferiu uma Conferência evocativo de Camus pelo
embaixador Marcello Duarte Mathias, referencial autor do consagrado e pioneiro
ensaio A Felicidade em Albert Camus,
original de 1975, entretanto reeditado e aumentado).
–
Para mim, que li Camus praticamente todo e desde muito novo (e que o debati
tantas vezes, à margem das aulas liceais e depois universitárias de Filosofia…),
como noutra ocasião já referi, reconheço ainda hoje a mesma e perfeita síntese,
“viva e intacta”, timbrando sempre “a cintilação intelectual e humana que
rodeia o seu nome”, como justamente escrevia Duarte Mathias:
“E
bem é que assim seja, porquanto muitos dos problemas por ele abordados, das
causas por ele defendidas como das forças ocultas cuja marcha ele não se cansou
de denunciar, permanecem instalados no nosso tempo, quando não em nós mesmos. A
isto se deve, em grande parte, aliás, a sua popularidade e a actualidade do seu
pensamento”, pelo que identicamente “para muitos da minha geração, o autor de O Estrangeiro logrou ser, pelo que
escreveu e pelo que foi, mais do que uma fonte de inspiração, uma presença
amiga e estimulante”.
– De
resto, sobre Albert Camus, entretanto, tem-se multiplicado, em Portugal e
(ainda mais) no Brasil, estudos e teses académicas no âmbito da língua e da
cultura portuguesas, confrontando a sua obra com a de outros escritores e
pensadores de diversas áreas, correntes, estilos e visões do homem e do mundo
(casos de Saramago e Vergílio Ferreira), enquanto muito ainda há a trabalhar e
(re)descobrir no âmbito da sua obra literária, filosófica, política e ética,
para com ele e nele, e citando-o, depois de termos falado “da nobreza do mister
de escrever”, repormos verdadeiramente “o escritor no seu verdadeiro lugar, sem
outros títulos que não sejam os que partilha com os seus companheiros de luta,
vulnerável mas teimoso, injusto e apaixonado pela justiça, construindo a sua
obra sem vergonha nem orgulho à vista de todos, sempre dividido entre a dor e a
beleza, e dedicado, enfim, a tirar do seu duplo ser as criações que
obstinadamente tenta edificar no movimento destruidor da história”…
E
isto, para lhe darmos o direito à palavra e à esperança, como ele o mereceria
no seu imaginativo e indomável carácter, reconhecendo-o ainda nos homens do
nosso tempo e nesta actualidade às vezes tão absurda, tão injusta e tão
desalmada nos seus pesados e dolorosos rochedos de Sísifo, “junto de todos
esses homens silenciosos que não suportam no mundo a vida que lhes é dada senão
pela recordação ou o regresso de breves e livres felicidades”!
__________________________
Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 09.11.2013):
__________________________
Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 09.11.2013):
Azores Digital:
RTP-Açores:
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 09.11.2013):