sexta-feira, novembro 08, 2013

Actualidade de Albert Camus

Na passada quinta-feira ocorreu o centésimo aniversário do nascimento de Albert Camus, escritor, ensaísta, dramaturgo, jornalista e filósofo francês nascido na Argélia (Mondovi, Constantina) a 07.11.1913 e falecido em França (Villeblevin, Yonne), num acidente de viação, a 4 de Janeiro de 1960.


Figura de referência na Literatura do Século XX, Camus é autor de uma vasta obra que inclui, entre outras títulos, O Estrangeiro (adaptado ao cinema, em 1967, por Visconti), A Peste, O Homem Revoltado, O Mito de Sísifo, Os Justos, O Exílio e o Reino, A Queda e Cartas a um Amigo Alemão (com um desenho de capa por Lima de Freitas), todos editados pelos “Livros do Brasil”, muitos deles traduzidos em português (nomeadamente por António Quadros, Urbano Tavares Rodrigues, José Carlos Gonzalez e Virgínia Motta), sendo que alguns incluíam notáveis e pioneiros Prefácios ou Estudos originais no nosso País (especialmente no caso de António Quadros), versões, em tradução, das respectivas introduções às edições francesas (como a de Jean-Paul Sartre para O Estrangeiro, traduzida por Rogério Fernandes, a de Jean Sarochi para A Morte Feliz, e a de Paul Viallaneix para Cadernos II/Escritos de Juventude), ou outras sugestivas explanações (como a do posfácio de Liselotte Richter a O Mito de Sísifo).


– Prémio Nobel da Literatura (1957), todo o pensamento, as acções e os livros de Albert Camus foram exemplar e genuinamente moldados e movidos por profundas inquietações existenciais, humanistas e metafísicas, e político-ideológicas e éticas, estando fundamentalmente marcados por recorrentes motivos de reflexão e tematização sobre a condição humana, a finitude e a angústia, o absurdo e a revolta, os totalitarismos e a resistência moral, a arte e a paixão pela vida, o compromisso e o perdão, o sofrimento e a violência, o medo e a morte, a justiça e a felicidade.


Esta efeméride camusiana tem vindo a ser assinalada um pouco por todo o mundo, sendo todavia que na própria França não foi possível promover nenhuma comemoração oficial sob a égide do seu Ministério da Cultura e da Comunicação, não tendo igualmente chegado a concretizar-se qualquer evento evocativo na Biblioteca Nacional, nem sequer tendo chegado a ter lugar consensual a prevista Exposição, no âmbito da capital europeia da cultura, em Marselha e Aix-en-Provence…

– E assim, pelos vistos, a memória de Camus, o seu pensamento, as suas tomadas de posição, as suas acções e militâncias, e tudo aquilo que ainda nele foi matéria de controvérsia, dissensão ou dissidência (a questão da Argélia, a experiência comunista soviética, o desalinhamento partidário, a diferenciação face ao existencialismo e ao marxismo, a demarcação perante o recurso ao terrorismo armado, etc.), tudo isso continua a pesar na multiplicidade divergente, ou contraditória, com que o autor de O Avesso e o Direito continua a ser visto, lido, situado… e dificilmente recuperável (como até com os seus restos mortais o figurão de Sarkozy tentou instrumentalizá-lo ao pretender transferir o que deles (não dele!) restaria para o Panteão parisiense…


Por outro lado, muitas tem sido as edições, congressos, simpósios, colóquios e debates que a vida e obra de Albert Camus tem suscitado em vários países, academias e órgãos de comunicação social, inclusive em Portugal (Universidades do Porto e Évora, Centro Cultural de Belém, Academia das Ciências, em Lisboa, etc., sendo que nesta última proferiu uma Conferência evocativo de Camus pelo embaixador Marcello Duarte Mathias, referencial autor do consagrado e pioneiro ensaio A Felicidade em Albert Camus, original de 1975, entretanto reeditado e aumentado).

­– Para mim, que li Camus praticamente todo e desde muito novo (e que o debati tantas vezes, à margem das aulas liceais e depois universitárias de Filosofia…), como noutra ocasião já referi, reconheço ainda hoje a mesma e perfeita síntese, “viva e intacta”, timbrando sempre “a cintilação intelectual e humana que rodeia o seu nome”, como justamente escrevia Duarte Mathias:

“E bem é que assim seja, porquanto muitos dos problemas por ele abordados, das causas por ele defendidas como das forças ocultas cuja marcha ele não se cansou de denunciar, permanecem instalados no nosso tempo, quando não em nós mesmos. A isto se deve, em grande parte, aliás, a sua popularidade e a actualidade do seu pensamento”, pelo que identicamente “para muitos da minha geração, o autor de O Estrangeiro logrou ser, pelo que escreveu e pelo que foi, mais do que uma fonte de inspiração, uma presença amiga e estimulante”.


– De resto, sobre Albert Camus, entretanto, tem-se multiplicado, em Portugal e (ainda mais) no Brasil, estudos e teses académicas no âmbito da língua e da cultura portuguesas, confrontando a sua obra com a de outros escritores e pensadores de diversas áreas, correntes, estilos e visões do homem e do mundo (casos de Saramago e Vergílio Ferreira), enquanto muito ainda há a trabalhar e (re)descobrir no âmbito da sua obra literária, filosófica, política e ética, para com ele e nele, e citando-o, depois de termos falado “da nobreza do mister de escrever”, repormos verdadeiramente “o escritor no seu verdadeiro lugar, sem outros títulos que não sejam os que partilha com os seus companheiros de luta, vulnerável mas teimoso, injusto e apaixonado pela justiça, construindo a sua obra sem vergonha nem orgulho à vista de todos, sempre dividido entre a dor e a beleza, e dedicado, enfim, a tirar do seu duplo ser as criações que obstinadamente tenta edificar no movimento destruidor da história”…


E isto, para lhe darmos o direito à palavra e à esperança, como ele o mereceria no seu imaginativo e indomável carácter, reconhecendo-o ainda nos homens do nosso tempo e nesta actualidade às vezes tão absurda, tão injusta e tão desalmada nos seus pesados e dolorosos rochedos de Sísifo, “junto de todos esses homens silenciosos que não suportam no mundo a vida que lhes é dada senão pela recordação ou o regresso de breves e livres felicidades”!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 09.11.2013):



Azores Digital:



RTP-Açores:



Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 09.11.2013):