domingo, agosto 04, 2019



Uma Obra de referência Histórica e Bibliográfica:

DICIONÁRIO SOBRE O PENSAMENTO DA EUROPA
EDITADO PELA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
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ENTREVISTA



Inserido na prestigiada “Colecção Parlamento”, a Assembleia da República acaba de editar um volumoso Dicionário das Grandes Figuras Europeias, no qual colaborou com o texto sobre Edgar Morin. Qual o conteúdo e importância desta nova obra de referência em Portugal sobre o Pensamento Europeu e a Ideia de Europa?

EDUARDO FERRAZ DA ROSA (EFR)  Este livro, coordenado por Isabel Baltazar e Alice Cunha (professoras e investigadoras na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa), como ali mesmo vem referido, resulta de um trabalho conjunto e pretende dar visibilidade aos grandes vultos que contribuíram para uma Europa Unida nos séculos XIX e XX, sejam eles pensadores, estrategas, políticos, diplomatas e técnicos que pensaram esse ideal e apresentaram projectos para uma unidade europeia, não esquecendo o contributo de várias figuras portuguesas nesse âmbito, como foi salientado ao destacar-se que esta edição contou com académicos de diferentes universidades e áreas científicas (Ciência Política, Direito, Economia, Filosofia, História e Relações Internacionais).



A obra – que mereceu o Alto Patrocínio do Presidente da República – foi recentemente lançada em Lisboa, na Biblioteca Passos Manuel da Assembleia da República, e é prefaciada por Regina Bastos (presidente da Comissão de Assuntos Europeus do Parlamento) e por Ana Paula Zacarias (Secretária de Estado dos Assuntos Europeus), integrando também um Prólogo e um notável estudo de Introdução, da autoria das coordenadoras deste muito acalentado projecto.

Ultrapassar o atraso europeu
da Historiografia Portuguesa

Como escreveu Isabel Baltazar, em Portugal “tudo estava (quase) por fazer. Faltava, portanto, aprofundar a área da perspectiva histórica, cultural e filosófica da União Europeia, quer a nível do levantamento de fontes para a história da integração europeia, em geral, quer, também, a nível das fontes portuguesas sobre o tema da Ideia de Europa. Temos a convicção de que é necessário ultrapassar o atraso da historiografia portuguesa [neste domínio], e que esta obra vem suprir uma lacuna nessa área e nas outras áreas do saber”.

Quais as Entradas e os contributos ensaísticos que destacaria nesta obra de conjunto?
EFR – O Dicionário conta com a colaboração de cerca de noventa autores portugueses e estrangeiros, reunindo 85 Entradas ou Verbetes nominais – que são na verdade condensados ensaios temáticos, biográficos e bibliográficos – sobre outras tantas distintas figuras ou personalidades seleccionadas:

E são de facto, indubitavelmente, todas essas presenças, algumas das mais relevantes, significativas e marcantes figuras do pensamento, da sociedade, da política e da cultura da Europa e/ou sobre a Europa, desde os chamados “pais fundadores” (Monnet, Schuman, Adenauer, De Gasperi, Spaak, Delors, etc.), passando por estadistas e líderes carismáticos (Churchill, De Gaule, Genscher, Giscard d’Estaing, Karamanlis, Mitterand, Schmidt, Strauss, Thatcher, Tindemans, Veil, Kohl, González…), diplomatas e estrategas (Kissinger, Luns, Marshall…), e ainda por cépticos nacionalistas e utopistas (Proudhon…), e outrossim, naturalmente também, por pensadores críticos, teorizadores, precursores e filósofos (Aron, Benda, Briand, Derrida, Habermas, Hugo, Kant, Madariaga, Morin, Nietzsche, Ortega y Gasset, etc.), até aos portugueses e aos nossos confluentes ou dissonantes contributos, desejos, aspirações e (des)encontros nacionais e lusíadas, europeístas e euro-atlânticos, todos estes afinal provindos de uma Nação e de um Povo que teve e tem uma feição diaspórica, medianeira de uma Europa ainda poética ou mítica, mirante de Oriente a Ocidente (como em Pessoa), ou de uma Europa outra, peninsular e do Sul, só recentemente refluída de um (o último!) grande Império ultramarino da Expansão colonizadora e “evangelizadora” de um Ocidente falhado e perdido, conquanto multisecularmente cimentado em gestas e memórias e brumas, e mesmo hoje não de todo esquecido, nem sequer sublimado, espiritual, anímica e corporalmente superado ou transcendido em sucedâneos de valor, mito, imaginários, móbil de sociedade e civilização, cultura, língua e historicidades dialécticas…

Que Figuras portuguesas integram este Dicionário?
EFR – São cerca de dezena e meia as várias presenças portuguesas, desde Manuel Antunes a Irene de Vasconcelos, de Silva Lopes a Mário Soares, de Ernâni Lopes e Jacinto Nunes a Luís Sá e Lucas Pires, enfim, desde Magalhães Lima e Medeiros Ferreira a Lourdes Pintasilgo e Eduardo Lourenço…

– Isto no que se refere às figuras tratadas, porquanto dos autores, académicos, ensaístas e investigadores, autores das Entradas nominais, poderíamos elencar, embora apenas ao correr de um relance na listagem, entre os demais, Adriano Moreira, Carlos Gaspar, Guilherme d’Oliveira Martins, José Eduardo Franco, Acílio Rocha, Manuel Loff, Manuela Tavares Ribeiro, João Medina, Mendo Castro Henriques, Rui Tavares, Soromenho Marques, Freitas do Amaral, Eduardo Paz Ferreira, etc.

Identidades Culturais,
Leituras e Ideologias

É claro que as figuras portuguesas e estrangeiras seleccionadas pelas Coordenadoras deste Dicionário não esgotam a galeria (que nunca poderia, nem pretendeu ser, exaustiva) de nomes aduzíveis ou possivelmente agregáveis, no estrito âmbito do pensamento societário e social, e da reflexão pluridisciplinar sobre a identidade, a tradição e algumas prospectivas, mais ou menos futuríveis – a par de outras leituras, ideologicamente díspares, e da perspectivação de acrescidos rumos incertos, complexos e problemáticos – sobre a Europa, e dela e dos Europeus (e dos não-europeus!) sobre si próprios, sobre os outros, sobre os demais continentes e mundos outros, terceiros ou quartos, globais ou ensimesmados, párias, regredidos ou adiados num tempo do Espírito e da História só talvez contra-hegelianamente compreendidos, quando não em regressão fixista e obsessiva (da qual aliás fomos acusados em diversos contextos político-civilizacionais e jurídico-históricos…).
Por outro lado, voltando ao elenco europeu e ao caso português, é evidente que outras percepções histórico-críticas e ideográficas poderiam ter sido aqui trazidas a confronto, nomeadamente aquelas típicas das citadas correntes mais cépticas, ou descrentes, no que diz respeito às identidades nacionais (relembro a recorrente ideia de uma Europa Social e das Nações, dos Povos e das Pátrias, e mesmo… das Regiões!), e do destino autónomo, conquanto integrado, dos Países numa amiúde controvertida e controversa União Europeia!




– E bem assim outros nomes que me ocorrem sempre na discussão destes temas e problemas, num sentido e noutro, avisadamente à luz crepuscular, opressora e sangrenta de um Passado trágico e demencial, holocáustico e maligno: Jaspers, Husserl, Arendt, Freud, Marx, Adorno e Horkheimer, Lévinas, Walter Benjamin, Foucault, Camus, Le Goff, Mounier, Ricoeur e Ratzinger…

Da Europa Histórico-Política
à Europa das Regiões

Ora atente-se sempre nas vigentes derivas e significados de todos os brexits e nas lúcidas reacções aos mecanismos hegemónicos de Poder e do Capital, e às degeneradas oligarquias europeias, justamente fustigadas, no específico quadro da reflexão regional, regionalista e autonómica açoriana (amiúde inoperante ou subalternizada perante os desafios insulares…), como aquela que tornámos a ver, ainda há poucos dias, bem timbrada no último livro de Mota Amaral!
– No entanto, verdade seja dita, nada disto escapou directa ou indirectamente aos autores e colaboradores deste Dicionário das Grandes (e de Grandes) Figuras Europeias, tendo de resto também o estudo introdutório de Isabel Baltazar sinalizado os correlativos horizontes desta temática no que concerne aos diversos perfis do pensamento português e dos diferentes, por vezes antagónicos, projectos político-institucionais, histórico-hermenêuticos e jurídico-constitucionais. Relembro, por exemplo, o Integralismo, mas poderíamos recordar o que viria apenso a homens e movimentos como os da Renascença e da Seara Nova, que se foram sucedendo no nosso País, nomeadamente nos séculos XIX, XX e neste que agora vivemos.

Tempos, Modos
e Modelos alternativos

Refiro-me concretamente à Primeira República, ao Estado Novo de Salazar, ao Marcelismo e ao Regime Democrático do pós-25 de Abril, e que não só a Filosofia, a Economia, o Direito e a Sociologia Políticas debateram activa e/ou reactivamente, quanto também a Literatura e as Artes (veja-se o Saudosismo, a Presença, o Neo-realismo e o Surrealismo…) representaram, enfrentaram e narraram em tempos e modos e espaços alternativos…


– E, enfim, todos os outros que nem sequer hoje estão arredados dos discursos, práxis e contra-teses de tendências embrionárias ou subjacentes a retóricas e estratégias matizadas de certas formações político-partidárias e ideológicas mais fracturantes, radicais ou extremadas nos parlamentos, sedes e lobbies prebendados, alguns com chorudos Euros, dólares ou reais patacas, outros com patacos, intenções e programas falsificados, conforme as clientelas ou as hostes de choque…

O seu texto nesta obra é sobre Edgar Morin. Quais as principais linhas que sublinhou do seu pensamento?
EFR – Edgar Morin, pseudónimo de Edgar Nahoum, nasceu em Paris (08.07.1921), de famílias com ascendência judaica. Sociólogo, antropólogo, filósofo e politólogo, é considerado um dos mais importantes pensadores contemporâneos. Tendo estudado Filosofia, formou-se em Direito, História e Geografia, áreas que marcam os horizontes interdisciplinares da sua vasta obra, especialmente nos campos da Filosofia Social e Política, Ética das Ciências e Epistemologia (onde se distinguiu pelos seus contributos para a reflexão crítica sobre os fenómenos da Complexidade).
– Depois, tendo como fontes assumidas a Etnografia, a História das Religiões, a História das Civilizações, a História das Ideias, a Sociologia, a Biologia e a Ecologia, e após alargar uma primitiva concepção marxista da história, Morin procurou concatenar metodicamente todas aquelas disciplinas e heranças teóricas com decisivos contributos da Psicanálise.



A Europa como Comunidade
de Destino e Renascimento

Na sua obra Pensar a Europa (original de 1987), Morin debruçou-se mais especificamente sobre a chamada questão europeia, tematizando várias vertentes da génese e metamorfoses da Europa enquanto ideia-força e realidade histórico-civilizacional compósita, como caldo de cultura, consciência identitária e comunidade de destino.



– Aqui, após fazer um percurso pela turbilhonária história intelectual, cultural e política da Razão Ocidental, Morin analisa as sucessivas mudanças de identidade, metamorfoses e “purificação” dos projectos de construção europeia, paralelamente às mutações e evoluções da Ordem Mundial, à reconfiguração dos blocos, à superação dos messianismos nacionalistas e às tentações hegemónicas, geoestratégicas, científicas e financeiras, defendendo ao final que também assim na presente encruzilhada dos países, povos e regiões da Europa e do Mundo, dever-se-ia passar à assumpção plena e generosa de uma memorial, justa e solidária comunidade de destino prudencial, feita de unidade na multiplicidade e iluminada pela esperança no advento de uma nova idade de ternura e racionalidade, qual paradigmático segundo Renascimento, “aberto a todos os horizontes do mundo” e a todos os Povos da Terra, única morada ecológica da Vida, da Consciência e da nossa frágil Humanidade, na imensidão infinita do Cosmos.
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(*) Texto revisto da Entrevista concedida ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 03.08.2019).
Nota: A primeira versão, foi publicada páginas 2 e 3 do DI de 3 de Agosto 2019:





























Idem. Texto revisto e aumentado, integralmente publicado no jornal
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 7 de Agosto 2019):


























Idem, em "Atlântico Expresso" 

(Ponta Delgada, 12 de Agosto 2019):