Um Debate frutuoso:
Indigências políticas
destroem a Autonomia
[ Entrevista com Eduardo Ferraz da Rosa ]
[ Entrevista com Eduardo Ferraz da Rosa ]
Passadas duas semanas sobre a realização do Debate, promovido pelo
Grupo Parlamentar do CDS-PP nos Açores, sobre “Liberdade de Expressão e
Sociedade Democrática”, que balanço faz das abordagens e repercussões dessa
iniciativa?
Em primeiro lugar devo renovar
palavras de congratulação por esta iniciativa, conforme aliás foi unanimemente
salientado pelos membros da Mesa e por todos os participantes e intervenientes
no debate, tal como depois também se constatou pelas repercussões e testemunhos
expressos nos jornais e nas redes sociais.
Esta sessão teve não só uma
significativa adesão presencial quanto mais se revestiu de um carácter aberto,
pluripartidário e livre, desde logo reconhecível pelo timbre plural dos
principais intervenientes e seus depoimentos.
– O tema do debate, no presente
contexto da nossa vida cívica, sociopolítica, cultural e técnico-científica,
estava bem sinalizado à partida, na induzida relação universal entre intervenção e participação societária e
cívica; comunicação social e sistemas censórios; mecanismos de ocultação da
verdade ou de condicionamento de opinião; papel dos jornalistas e recrutamento,
estatuto e desempenhos dos assessores de Imprensa; prenúncios fragilizadores e
dificuldade da comunicação social privada, etc.
Ora todas estas perspectivas
foram abordadas a partir de leituras sectoriais e interdisciplinares, desde o
Direito Constitucional à Legislação vigente (v.g. Lei de Finanças das Regiões Autónomas) e ao Direito
Autonómico, da Filosofia e da Acção Social e Política à Ética e à Deontologia
da Comunicação, passando pela análise e documentação de casos concretos e
actuais, manifestações reais e diariamente constatadas de problemas
interligáveis...
Na abertura do Colóquio, salientou que um “pano de fundo” do actual
Debate seria o conhecido caso do Prof. Félix Rodrigues. Como vê a declarada
intenção da Câmara da Praia ao anunciar que iria instaurar-lhe um
processo-crime?
O Debate foi pontualmente também
catalisado pelo caso referido, que constituiu, como era previsível e
expectável, um horizonte imediato e próximo dos temas propostos,
na medida em que a dita e anunciada intenção camarária logo gerou relevo
justificado, não fosse o visado, coincidentemente, um universitário activista e
um militante político.
– Todavia, a questão fundamental, que ultrapassou qualquer delimitação
individual ou cingidamente político-partidária (embora não devendo
escamoteá-las!) prendia-se e prende-se essencialmente
com o exercício público da liberdade de opinião, criação, investigação,
denúncia, pronunciamento crítico e precaucional, e obviamente de manifestação
técnico-científica, para mais num domínio que entronca em áreas de
especialidade, estudo e habilitação que até o próprio Parlamento Regional havia
antes reconhecido!
Parece-lhe que esse hipotético processo judicial tem pernas para andar?
Não sabemos! Talvez que seja
mesmo e apenas um arremesso hipotético, fruto de delírios passageiros, como se
diz popularmente, sem tino ou “sem cabeça para andar”, ou então com pernas e
pés mas para mancar, em jeito de intimidação ou condicionamento, quiçá na continuidade de cominações anteriores...
Já a adesão ou o implícito suporte parlamentar (regional,
concelhio ou paroquial) do PS a tais pulsões
ziguezagueantes da banda da Praia é sintoma lamentável e preocupante, não
augurando nada de positivo!
Aliás, é manifesta a reserva e prudente distanciamento de
outros sectores do PS, face às reincidentes e extemporâneas investidas do novel
e imaturo elenco camarário “socialista” praiense...
– Porém, não fora a dura redacção
das moções do CDS-PP (que acabaram por ter a virtude de fazer cada um mostrar o
que era capaz de assumir!), possivelmente as suas propostas não teriam sido
totalmente inviabilizadas... Ao menos a da ALRAA talvez não tivesse sido
repudiada daquele modo, no que aliás se teria evitado a tristíssima
manifestação de submissão colectiva de consciência, indigência
político-jurídica e até cultural, das quais aquela orante bancada, balbuciante
e aplaudente do PS, deu sobejas provas, outra vez...
Ao fazer a Apresentação do tema e ao participar no Debate, teve
oportunidade de formular várias das suas próprias ideias sobre a problemática
em análise. Quais as principais perspectivas que expôs e que salientaria para
reflexão futura?
Comecei por salientar que a
Liberdade de Expressão é uma conquista histórico-civilizacional das modernas
sociedades democráticas, um direito
fundamental constitucionalmente
garantido e integrado no âmbito de todos os outros direitos, liberdades e
garantias, de tal modo que a democraticidade
de uma dada sociedade e de um Estado de Direito se pode aferir pelo grau de liberdade de expressão enquanto
correlativo exercício de Cidadania.
Tal direito, em Portugal, está explicitamente consagrado no artigo 37.º
da Constituição, devendo porém ser articulado
com outros direitos constitucionais paralelos, confluentes e
complementares, como sejam os consignados nos artigos 42.º (criação
técnico-científica) e 64.º (saúde), todos eles mutuamente apeláveis para cabal entendimento e discussão do grave e
pendente problema da contaminação dos nossos solos e aquíferos... Estas
perspectivas foram conjugadamente muito bem traduzidas por Zuraida Soares e
Arnaldo Ourique!
– No que à Comunicação Social diz
respeito, sinalizei ocorrências marcantes da recorrente dificuldade de
coabitação dos poderes políticos
hegemónicos com a Liberdade de Expressão e de Informação, antes e depois do
25 de Abril de 74, salientando que os OCS são campos mediadores do mundo social, das suas instituições e agentes
públicos e privados, recordando, com Bourdieu, que “o jornalismo é uma das
profissões onde encontramos mais pessoas inquietas, insatisfeitas, revoltadas
ou cinicamente resignadas”, o que ajudará a compreender fragilidades e
bloqueios como os que foram alvejados por Armando Mendes.
Finalmente, no que concerne a globais configurações críticas,
epistemológicas, éticas, políticas e científicas, tive ensejo de abordar em
síntese o que constitui um campo mais avançado e exigente do Conhecimento, da
tematização filosófica e da prática situada da produção de Ciência, nas suas conaturais dimensões sociopolíticas e
precaucionais, tal como tem sido reflectido e assumido por técnicos e
especialistas “tout court”, cientistas e pensadores sociais, decisores
político-institucionais e pelos diversos actores sociais e cívicos, em comunidades
locais e de pares, para partilha de informação, resistência e
emancipação...
De resto, a incontestável e comprovada contaminação dos solos e aquíferos da
Terceira – de novo confirmada nas prosaicas pautas do Orçamento de Estado 2019,
e para cujas quantificações e traduções executivas devemos estar
atentos! – representa e materializa um paradigmático
repto para estudos de caso, entendimento multidisciplinar e consequências práticas, no domínio da ciência pós-normal ou pós-moderna que corre a par e no encalço
de riscos sistémicos e de alargados desafios político-jurídicos
(mesmo em cenários de Direito Internacional e da Diplomacia entre Estados
soberanos...), com incidência nos patrimónios ambientais, ecológicos e de saúde
pública, através também de ensaios epidemiológicos sistemáticos e de outros
estudos independentes, sujeitos a contraditório, revisão constante e
falseabilidade...
Toda esta matéria é de urgente e
superior interesse regional e nacional, pelo que não poderá continuar a ser
enfrentada com indigência política, pequenez de horizontes, arrogância,
irresponsabilidade, comodismo, medo, ignorâncias ou conivências cúmplices...
– Nem, menos ainda, com
vergonhosa cedência a toscas tentações cuja viciosa supremacia ameaça destruir
pela base os próprios fundamentos constitucionais da Autonomia,
sobremaneira atingindo a dignidade
presente e futura do nosso Povo e das nossas Instituições, subalternizando a vida e a morte das vítimas da História
e todos os direitos fundamentais do Homem, a começar pelo direito àquela
Verdade que única e genuinamente garante alguma da tão esperada e sempre adiada
Justiça!
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 19.10.2018):
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 19.10.2018):
Azores Digital:
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 20.10.2018):