As Equidades e os Salteadores
1. Nem que por coincidência, nas últimas horas de 23 Maio, quando
se comemorava o 91.º aniversário de Eduardo Lourenço, relia eu textos que
integram A Europa Desencantada, tendo
ao lado um “Diário Insular”, uma revista de Imprensa estrangeira e uma primeira
página da colecção (esquecida?) de um quinzenário crítico que se publicava na
Praia da Vitória lá pelos anos 80 do século passado... Na altura, recordo,
estávamos à beira da suspensão da enfastiante campanha para as Europeias, que
alegadamente era para “reflexão” política nossa, isto é, dos cidadãos que aos hábitos e actos democráticos
do Voto nunca se deveriam esquivar, nem por absentistas artes de furtar deixar de em
consciência fazê-lo cair na ranhura da “urna” (palavra que continua a soar-me fatídica e
a retinir sentido de funérea caixa de Pandora)!
Ora tudo aquilo, que à primeira
vista não suscitava nenhuma ligação temática, teve de repente o condão de
completar uma espécie de arco reflexivo
– expressão que também me fez empeçar nas voltas
e reviravoltas do “arco da governação” e que logo me aproximou similarmente
das declarações de um politicão da direita gaulesa, das terra-a-terra-minha-gente
serventias de argumentação para
montagem de pretensos auto-motores
autonómicos (de um ex-secretário regional), por um lado, e (por outro) de
dois bravos e embravecidos editoriais
que, separados por 31 anos (“JP”: 25.03.1983 – “DI”: 21.05.2014), forte e feio batiam
na mesma tecla de um “cerco” à Terceira!
– E desse modo – por entre as filosóficas e heterodoxas reflexões
do autor de
O Fascismo Nunca Existiu,
as xenófobas e radicais congeminações do Sarkozy (com propostas de suspensão do Acordo de Schegen!),
e as tentações hegemónicas intestinas de uma insólita e presumida (não
historicamente inédita, porém falsa e falseada)
equidade (sic) na “repartição dos recursos postos à
disposição pelos financiamentos comunitários”... –, nenhuma
diferença (a não ser
de escala e despudor) detectei nos equivalentes propósitos das
respectivas (in)coerências desenvolvimentistas e de coesão euro-açoriana, até
porque
desalmadamente construir o que
quer que seja “por irresistível pressão das forças económicas (...), como
sonâmbulos, não é projecto que entusiasme ninguém”...
2. Quanto às eleições foi o que se viu nos resultados – e em quem
para elas se marimbou, como neste luso arquipélago autonómico (80% de abstenção – bonito sinal de cidadania, sem dúvida, a merecer
foguetório de “vitória”!) –, de tal maneira que o tema merece ser pensado, tanto mais quanto a citada caixa de pesadelos e maldições parece estar já a deixar sair vários
daqueles sintomáticos fantasmas – muitos
deles previsíveis... – que a velha,
cega e cínica Europa e as suas regiões de
periferia e ultraperiferia societária vem gerando em suicidário bojo...
E depois, aos pequeninos e
incautos redutos de certas mentes insulares, atendendo às suas bairristas afinidades e tentações – versão provinciana de nacionalismo
serôdio, frentista e populista (à gaulesa.!?), que temos vistos irem-se desencabrestando aos
poucos ao longo destas décadas de Autonomia (e sem que ninguém lhes segure a
rédea a tempo e tino) –, como não continuar a aplicar-lhes aqueles juízos que, embora noutro contexto, o nosso relembrado aniversariante
formulara em 1976:
– “Reunir-se para verificar que
se não está de acordo, é reflexo salutar e democrático. Mas fazê-lo para
mostrar que o
projecto socialista pouco
ou nada tem de comum na boca dos seus apoderados, mais ou menos gloriosos, é um
exercício de masoquismo político-ideológico que frisa o suicídio. (...) Podia,
contudo, esperar-se um mínimo – entenda-se, um ‘mínimo positivo’ –
de coerência ideológica e política (...) em termos que ultrapassassem o do
oportunismo e a demagogia da tradição burguesa mais lamentável, vazia e
sinistra”.
3. Finalmente, dito isto e redito (conquanto não estando em causa a
invocada e real necessidade de revisão de processos, ideários e práticas
dos partidos, cá e lá obviamente, mas
desde há muito e não de agora!), como não pasmar das neo-patéticas cenas de
perfeito desvario – despeito
fratricida, ambição pessoal ou mirífica atracção pelo abismo? – a que o País
inteiro assiste face à fria e calculista consumação de jogadas de ponta e mola nas duras hostes de Costa contra as maviosidades tácticas de
Seguro (às quais sucederão almejadas minagens aos trilhos para Belém...), e aonde
nem faltaram, em indigente coro ilhéu (41
em 20% de eleitores!), tremendas vociferações e demolhadas prosas de
casticismo inócuo carpindo sobre tão (mal)dita e pirrónica “vitória bisonha”...
– “uma alcatra sem Jamaica, um verdelho a 10 graus” (sic) –, ali à porta desta expiatória ultra-perifericidade, já hoje pseudo-democrática (e mais pseudo-autonómica ainda, cívica e
culturalmente ébria de ficções e mitos enganadores!), como se tudo se resumisse
(na Europa, no País, nos Açores e em
todos os quadrantes político-partidários) a uma pugna de garotos armados
com fisgas, ou a chusma de velhacos metralhando a frio, e desleais, aos tombos e empurrões extemporâneos, qual bando
de salteadores, cada um a correr para sua banda nas escadas, salas e varandas
do Paço, e todos à procura de um (talvez agora mais remoto!) buraco na despensa ou na sala do trono, cujos actuais e coligados
reis e xerifes, em confrangedor protectorado euro-luso, podem assim gerir a recuperação da sua derrota como
se esta fosse, ou tivesse sido, uma inesperada e dadivosa vitória à outrance...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 31.05.2014):