sexta-feira, outubro 04, 2013


Retórica e Responsabilidade Política

A semana que agora termina foi grandemente marcada pela realização das Eleições Autárquicas e por toda uma subsequente série de exames sobre os seus já mais ou menos previsíveis resultados – embora com relativas surpresas pontuais e globais… –, multiplicando-se assim e depois, em todos os OCS nacionais, regionais e locais, como é habitual, as mais díspares e retóricas conjugações de juízos, avaliações, balanços e (des)culpabilizações sobre os respectivos desenlaces – venturosos uns, desastrosos outros –, conforme as bitolas partidárias, os interesses pessoais e corporativos, e os mecanismos de (auto)imunidade e impunidade institucionais em jogo!


 Todavia – com apenas raras e honrosas excepções, e quaisquer que tenham sido as proveniências ou descendências sociopolíticas, partidárias e ideológicas dos ditos analistas, comentadores e observadores na citada função –, a maioria das opiniões mediaticamente emitidas a este propósito, bastante ao contrário do que antigamente se verificava, procurou nunca problematizar, ou seja nunca tematizar criticamente os motivos ou factores que terão levado a que muitos eleitores e eleitorados (diga-se assim no plural e na sua inerente quando não até antagónica diversidade…) tenham dirigido os seus votos tal qual o fizeram, sem avaliação de uma outrossim obrigatoriamente conjugação de múltiplos factores, dinâmicas (ou inércias!) da cidadania, da autonomia das vontades e de uma esclarecida consciência electiva…

– E foi por esta mesma lacuna fundamental que a maior parte das vezes aquilo a que assistimos, como se de reais observações compreensivas (mesmo que não tendencialmente sequer explicativas …) se tratasse, foi a um mero exercício, mais ou menos formal ou abstracto (meras suposições ou equações cenaristas, afinal…), de outras condicionantes, outros comportamentos, reflexos e atitudes, e outras determinantes sociais, psicológicas, culturais e informativas, estas então própria, concreta e situadamente da ordem (mais observante e objectiva!) da filosofia, da sociologia, da economia e da fenomenologia políticas!

Ora tudo isto naturalmente que haveria de ter feito relativizar, embora não anulasse totalmente, os méritos ou os deméritos de certos resultados alcançados, quando ou porque não apenas, nem principalmente, devidos a convencimentos ou exemplaridades do carácter ético-politicamente provado ou da imagem pessoal, imaginada ou artificialmente construída, de candidatos nascidos das forjas e alforges partidários (aliás ao contrário, nesta vertente, do que aconteceu com alguns dos meritórios movimentos e mobilizações de muitos agora ditos ou feitos independentes…).

– De resto, neste rescaldo das nossas Autárquicas, não faltaram também testemunhos e propostas que despudoradamente raiaram a mais surrealista leitura, ou um despudorado e patético desfasamento político-esquizóide da realidade – veja-se os afoitos (des)nivelamentos de alguns líderes institucionais, de soberania e partidarite aguda… –, a par de ilibações e outras desresponsabilizações de faixas crescentes de tanto eleitorado absorto, falho da percepção fundamentada de objectivos e valores sólidos, – ao contrário, por exemplo, das firmes posições de crescentes extractos da sociedade civil e de tantos eleitores (à esquerda, ao centro e à direita)…

Neste sentido – e tendo em atenção alguns dos fenómenos novos que as últimas eleições e as opções e resultados deles saídos atestaram, como justamente acaba de salientar o IDP (Instituto da Democracia Portuguesa) – é de facto imperioso ver neles e nelas uma forma “ordenada e consistente” de repúdio da “alternância partidocrática em que degenerou a democracia portuguesa”, tanto mais quanto ali fica sinalizado ainda que, não bastando contar com “grupos de cidadãos’ para a “reforma do sistema político”, é também necessário proceder já a “uma restauração dos partidos existentes, do seu modo de liderança e recrutamento, por forma a dar expressão a interesses de grandes grupos populacionais e não de cliques dirigentes”!

– Em todo o caso, agora que foram (mal ou bem, veremos depois…) eleitos novos (e velhos, ou apenas remoçados…) governantes autárquicos, mesmo quando as nossas comunidades possam ser consideradas menos democraticamente preparadas, ou em estado de menoridade de consciência e submissão de vontades (segundo parâmetros objectivos de livre e justa existência societária e personalista, obviamente), como escrevia Julien Freund – é sempre aos agentes e actores políticos que caberá, enquanto ocupantes transitórios de um poder democraticamente instituído mas parcialmente delegado, a principal assumpção das decorrentes responsabilidades, pelo que o mais que se pode dizer aqui, no que concerne a colectividade, enquanto comunidade de eleitores, é que, também ela há-de suportar essa responsabilidade na medida em que primeiramente, ela própria, é que sofrerá “a consequência das decisões inábeis ou más dos seus governantes” escolhidos…
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Em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 05.10.2013);
Azores Digital:
Outra versão: Escolhas e Responsabilidades,
em «Diário Insular» (Angra do Heroísmo, 05.10.2013).