ENTREVISTA
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EDUARDO FERRAZ
DA ROSA, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
Grupo “Voz da Saudade”:
Um projeto socio cultural e cívico
de cariz açoriano na
América do Norte
Integrado no Festival “Outono Vivo”,
foi recentemente lançado na ilha Terceira o livro Grupo Voz da
Saudade – A sua história e a sua mensagem, da autoria do Eng. António
Fernando Ázera da Silva, músico, emigrante e animador comunitário, natural da
Praia da Vitória, fundador e presidente daquela associação artístico-cultural
luso-canadiana e membro do Conselho das Comunidades Portuguesas (1997 e 2002).
Na sessão de Apresentação da obra – com
a presença do Autor, da nova Presidente da Câmara Municipal da Praia Vitória
(Dr.ª Vânia Figueiredo Ferreira), do Diretor Regional das Comunidades (Dr. José
Andrade), do Dr. José António Maciel (Jurista), de Luís Dores (Músico) e de
muitos amigos e colegas do autor –, o
Prof. Dr. Eduardo Ferraz da Rosa realçou o sentido cívico e a importância memorial
da obra. Este é o texto integral da Entrevista sobre o livro agora lançado.
NO SEU DISCURSO DE APRESENTAÇÃO, FEZ
PERCORREU MÚLTIPLAS INSCRIÇÕES DESTE TRABALHO. QUE CARACTERIZAÇÃO E LEITURAS RETEVE?
Com 328 páginas de texto e ilustrações, reproduções
documentais e vasta memorabilia biográfica e autobiográfica, relatórios
de actividade, balancetes orçamentais, arquivo de notícias, etc., esta obra,
edição do autor, regista os historiais do Grupo Voz da Saudade, fundado
em 1998 na cidade de Gatineau (província do Québec).
O grupo integrou membros, maioritariamente
oriundos dos Açores, da comunidade imigrante portuguesa e luso-descendente que,
ao longo dos anos, souberam granjear distinções no Canadá, nos EUA e nos Açores,
onde o Grupo se deslocou e actuou em 2000, 2004 e 2011.
– Há poucas semanas, aliás em bonito gesto
de homenagem regional, a viola de António Fernando, foi acolhida no Museu da
Emigração Açoriana, na Ribeira Grande, ficando simbolicamente exposta nesse renovado
espaço museológico, tal como, ainda naquela cidade micaelense, na Praça do
Emigrante, haviam sido anteriormente colocadas, pelo Centro Comunitário
Português “Amigos Unidos” (CCPAU) da cidade de Gatineau, três placas de
Homenagem aos membros daquele exemplar grupo.
Depois, este livro traz um apelativo
Prefácio de Onésimo Teotónio de Almeida, classificando-o como “registo algo
fora do comum” e “documento valioso” para a história deste agrupamento, fornecendo
igualmente “informações preciosas sobre a comunidade portuguesa de onde surgiu”,
e mais permitindo “um acesso privilegiado ao complexo labirinto do processo de
integração e assimilação de um grupo étnico português no Canadá”.
– Estamos realmente perante materiais para
“um case study, não apenas de sobrevivência e perseverança cultural num
país de acolhimento mas, mais do que isso, de afirmação e crescimento num
espaço que, apesar de toda a ideologia multicultural aí vigente, deixa escapar
as suas manifestações de xenofobia”…
De resto, várias das vertentes sinalizadas
por Ázera da Silva poderiam ser articuladas com ensaios, teses e depoimentos
como os de Mayone Dias, Victor Pereira da Rosa, Duarte Nuno Lopes, Carlos
Teixeira, Salvato Trigo, João António Alpalhão, Rita Marinho, Elmer Cornwell, etc.,
e de muitos outros entre nós, que ali invoquei – como Álvaro Monjardino, para
as dimensões sociojurídicas e político-constitucionais da emigração açoriana –
e cujos testemunhos estão referenciados, preservados e referenciais nas actas,
comunicações e debates dos nossos Congressos de Comunidades Açorianas (e não só…),
desde 1978, ou mesmo antes, para além dos tristes imbróglios e algumas ancestrais
lacunas diplomáticas e consulares, ou da ainda disputada querela do voto dos
não-residentes/emigrantes (que ali tive de lembrar também em fidelidade ao
depoimento do autor do livro), com serenidade teórico-prática mas sem nacionais
pruridos político-constitucionais, ou correspondentes complexos político-estatutários
autonómicos!
E ninguém esqueceu ainda a tentativa do hínico apoderamento por
parte de um ex-Secretário de Estado de Lisboa…
– De facto, os conteúdos narrativos e
críticos deste livro proporcionam e divulgam muita informação que ajudará a
continuar a estudar conjugadamente as vidas do autor, do Grupo e da intrincada
existência antropológico-cultural, psicossocial e política de uma das nossas
comunidades imigradas nas Américas e das causas da emigração insular açoriana.
QUAIS OS TEMAS E PROBLEMAS QUE
DISTINGUIU NA SUA APRECIAÇÃO DESTE LIVRO?
A documentação recolhida e muito ordenada
cronologicamente expõe ali, com pormenor
documental e documentado, factos históricos relativos à criação,
sociologicamente situada, desta associação, à medida que vai juntando trajectos
e relatando iniciativas numa série de explanações e apontamentos individuais e colectivos,
fazendo dos motivos constantes uma valiosa “base de dados para historiadores,
antropólogos e sociólogos” que queiram, possam e saibam continuar a estudar
multidisciplinarmente, com metódica objectividade, metodologia científica e
solidariedade de alma e coração, os fenómenos da Emigração e da Imigração
portuguesa em geral e açoriana em particular.
O livro traz logo esta significativa
Dedicatória: –“Aos que ousaram atravessar o mar incerto em busca de um sonho e
deram a conhecer ao mundo a valentia e a fé de um povo moldado no abandono e
isolamento das ilhas. Ao bravo povo emigrante dos Açores”… E seguem-se alguns
sucintos textos de carácter histórico-informativo, biográfico e até poético,
com uma resenha crítica sobre a Emigração açoriana para o Canadá nos séculos
XIX, XX e XXI, sendo referidos os diversos contextos e ambientes socioculturais,
laborais, religiosos e associativos onde o Grupo germinou, com solidários apoios
e dinâmicas, nomeadamente na proximidade interventiva do CCPAU (implantado em 1974,
após o primeiro contingente migratório português para o Québec, em 1953).
– Ora é precisamente a propósito dessa
implantação populacional e da sua decorrente constituição comunitária que o
autor faz uma elucidativa síntese antropológico-cultural e sociológica da
referida área geográfica e da respectiva e progressiva concentração residencial
de açorianos, sua estruturação habitacional, urbana, laboral, cívica e
religiosa, não raro minadas por engenhos materiais e retóricas xenófobas!
A SUA APRESENTAÇÃO ACENTUOU UMA
ESPÉCIE DE “ESPÍRITO DO LUGAR”, LIGANDO-O A MÚLTIPLAS E PARTILHADAS RAÍZES E
VIVÊNCIAS PRAIENSES. PORQUÊ?
Sim. Porque, para além de referências
literárias, humanas e ecológicas que guardo de visitas pessoais ao Canadá – e
de algumas que emblematicamente relembrei de Nemésio, Eça de Queirós e outros no
Québec francófono e luso-açoriano –, achei-as, a todas, inter-legíveis e
conaturais a alguns horizontes desta obra, ao seu saudoso Grupo e às gentes da
Praia da Vitória de ontem e de hoje (amiúde tão injustamente penalizadas e
sofridas…):
– Por isso as avoquei também através de
apelativos arquivos fotográficos e imagens de vivências e valores memoriais
comuns, percursos de infância, juventude, escola, vizinhança, parentesco, comunhão
paroquial, artística e festiva, etc., como aqueles que fazem sentido na vida do
autor deste livro, na nossa própria existência e na esperança mobilizadora para
uma minimamente restaurada dinâmica de dignidade urbana e cívica, que nos
liberte e faça superar a afrontosa decadência em que caímos como sociedade, ou
para a qual, irresponsável e levianamente, a quase incríveis graus, nos foram
atirando, até mais ver, com total impunidade!
Ilha Terceira, 11 de Novembro. 2022
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Texto da Entrevista publicada nos Jornais açorianos
"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 12.11. 2022)
e "Correio dos Açores" (Ponta Delgada, 12 de Novembro de 2022).