sábado, novembro 12, 2022

 

ENTREVISTA
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EDUARDO FERRAZ DA ROSA, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

Grupo “Voz da Saudade”:
Um projeto socio cultural e cívico
de cariz açoriano na América do Norte

 

Integrado no Festival “Outono Vivo”, foi recentemente lançado na ilha Terceira o livro Grupo Voz da Saudade – A sua história e a sua mensagem, da autoria do Eng. António Fernando Ázera da Silva, músico, emigrante e animador comunitário, natural da Praia da Vitória, fundador e presidente daquela associação artístico-cultural luso-canadiana e membro do Conselho das Comunidades Portuguesas (1997 e 2002).

Na sessão de Apresentação da obra – com a presença do Autor, da nova Presidente da Câmara Municipal da Praia Vitória (Dr.ª Vânia Figueiredo Ferreira), do Diretor Regional das Comunidades (Dr. José Andrade), do Dr. José António Maciel (Jurista), de Luís Dores (Músico) e de muitos amigos e colegas do autor –,  o Prof. Dr. Eduardo Ferraz da Rosa realçou o sentido cívico e a importância memorial da obra. Este é o texto integral da Entrevista sobre o livro agora lançado.



NO SEU DISCURSO DE APRESENTAÇÃO, FEZ PERCORREU MÚLTIPLAS INSCRIÇÕES DESTE TRABALHO. QUE CARACTERIZAÇÃO E LEITURAS RETEVE?

Com 328 páginas de texto e ilustrações, reproduções documentais e vasta memorabilia biográfica e autobiográfica, relatórios de actividade, balancetes orçamentais, arquivo de notícias, etc., esta obra, edição do autor, regista os historiais do Grupo Voz da Saudade, fundado em 1998 na cidade de Gatineau (província do Québec). 

O grupo integrou membros, maioritariamente oriundos dos Açores, da comunidade imigrante portuguesa e luso-descendente que, ao longo dos anos, souberam granjear distinções no Canadá, nos EUA e nos Açores, onde o Grupo se deslocou e actuou em 2000, 2004 e 2011.

 – Há poucas semanas, aliás em bonito gesto de homenagem regional, a viola de António Fernando, foi acolhida no Museu da Emigração Açoriana, na Ribeira Grande, ficando simbolicamente exposta nesse renovado espaço museológico, tal como, ainda naquela cidade micaelense, na Praça do Emigrante, haviam sido anteriormente colocadas, pelo Centro Comunitário Português “Amigos Unidos” (CCPAU) da cidade de Gatineau, três placas de Homenagem aos membros daquele exemplar grupo.


Depois, este livro traz um apelativo Prefácio de Onésimo Teotónio de Almeida, classificando-o como “registo algo fora do comum” e “documento valioso” para a história deste agrupamento, fornecendo igualmente “informações preciosas sobre a comunidade portuguesa de onde surgiu”, e mais permitindo “um acesso privilegiado ao complexo labirinto do processo de integração e assimilação de um grupo étnico português no Canadá”.

 – Estamos realmente perante materiais para “um case study, não apenas de sobrevivência e perseverança cultural num país de acolhimento mas, mais do que isso, de afirmação e crescimento num espaço que, apesar de toda a ideologia multicultural aí vigente, deixa escapar as suas manifestações de xenofobia”…

 De resto, várias das vertentes sinalizadas por Ázera da Silva poderiam ser articuladas com ensaios, teses e depoimentos como os de Mayone Dias, Victor Pereira da Rosa, Duarte Nuno Lopes, Carlos Teixeira, Salvato Trigo, João António Alpalhão, Rita Marinho, Elmer Cornwell, etc., e de muitos outros entre nós, que ali invoquei – como Álvaro Monjardino, para as dimensões sociojurídicas e político-constitucionais da emigração açoriana – e cujos testemunhos estão referenciados, preservados e referenciais nas actas, comunicações e debates dos nossos Congressos de Comunidades Açorianas (e não só…), desde 1978, ou mesmo antes, para além dos tristes imbróglios e algumas ancestrais lacunas diplomáticas e consulares, ou da ainda disputada querela do voto dos não-residentes/emigrantes (que ali tive de lembrar também em fidelidade ao depoimento do autor do livro), com serenidade teórico-prática mas sem nacionais pruridos político-constitucionais, ou correspondentes complexos político-estatutários autonómicos! 

E ninguém esqueceu ainda a tentativa do hínico apoderamento por parte de um ex-Secretário de Estado de Lisboa…


– De facto, os conteúdos narrativos e críticos deste livro proporcionam e divulgam muita informação que ajudará a continuar a estudar conjugadamente as vidas do autor, do Grupo e da intrincada existência antropológico-cultural, psicossocial e política de uma das nossas comunidades imigradas nas Américas e das causas da emigração insular açoriana.

 QUAIS OS TEMAS E PROBLEMAS QUE DISTINGUIU NA SUA APRECIAÇÃO DESTE LIVRO?

 A documentação recolhida e muito ordenada cronologicamente expõe ali, com  pormenor documental e documentado, factos históricos relativos à criação, sociologicamente situada, desta associação, à medida que vai juntando trajectos e relatando iniciativas numa série de explanações e apontamentos individuais e colectivos, fazendo dos motivos constantes uma valiosa “base de dados para historiadores, antropólogos e sociólogos” que queiram, possam e saibam continuar a estudar multidisciplinarmente, com metódica objectividade, metodologia científica e solidariedade de alma e coração, os fenómenos da Emigração e da Imigração portuguesa em geral e açoriana em particular.

 O livro traz logo esta significativa Dedicatória: –“Aos que ousaram atravessar o mar incerto em busca de um sonho e deram a conhecer ao mundo a valentia e a fé de um povo moldado no abandono e isolamento das ilhas. Ao bravo povo emigrante dos Açores”… E seguem-se alguns sucintos textos de carácter histórico-informativo, biográfico e até poético, com uma resenha crítica sobre a Emigração açoriana para o Canadá nos séculos XIX, XX e XXI, sendo referidos os diversos contextos e ambientes socioculturais, laborais, religiosos e associativos onde o Grupo germinou, com solidários apoios e dinâmicas, nomeadamente na proximidade interventiva do CCPAU (implantado em 1974, após o primeiro contingente migratório português para o Québec, em 1953).

 – Ora é precisamente a propósito dessa implantação populacional e da sua decorrente constituição comunitária que o autor faz uma elucidativa síntese antropológico-cultural e sociológica da referida área geográfica e da respectiva e progressiva concentração residencial de açorianos, sua estruturação habitacional, urbana, laboral, cívica e religiosa, não raro minadas por engenhos materiais e retóricas xenófobas!

 A SUA APRESENTAÇÃO ACENTUOU UMA ESPÉCIE DE “ESPÍRITO DO LUGAR”, LIGANDO-O A MÚLTIPLAS E PARTILHADAS RAÍZES E VIVÊNCIAS PRAIENSES. PORQUÊ?



 Sim. Porque, para além de referências literárias, humanas e ecológicas que guardo de visitas pessoais ao Canadá – e de algumas que emblematicamente relembrei de Nemésio, Eça de Queirós e outros no Québec francófono e luso-açoriano –, achei-as, a todas, inter-legíveis e conaturais a alguns horizontes desta obra, ao seu saudoso Grupo e às gentes da Praia da Vitória de ontem e de hoje (amiúde tão injustamente penalizadas e sofridas…):

 – Por isso as avoquei também através de apelativos arquivos fotográficos e imagens de vivências e valores memoriais comuns, percursos de infância, juventude, escola, vizinhança, parentesco, comunhão paroquial, artística e festiva, etc., como aqueles que fazem sentido na vida do autor deste livro, na nossa própria existência e na esperança mobilizadora para uma minimamente restaurada dinâmica de dignidade urbana e cívica, que nos liberte e faça superar a afrontosa decadência em que caímos como sociedade, ou para a qual, irresponsável e levianamente, a quase incríveis graus, nos foram atirando, até mais ver, com total impunidade!

Ilha Terceira, 11 de Novembro. 2022

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Texto da Entrevista publicada nos Jornais açorianos 
"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 12.11. 2022)


e "Correio dos Açores" (Ponta Delgada, 12 de Novembro de 2022).