quarta-feira, fevereiro 20, 2019


VITORINO NEMÉSIO:
Breve reflexão de Memória 
nos 41 Anos da sua Morte


Em 1999, intervindo numa Vídeo-Conferência nacional a partir da Praia da Vitória e justamente evocativa da passagem dos 21 anos da morte de Vitorino Nemésio, pude testemunhar uma vez mais do valor cultural, literário (poético, romanesco e contista), ensaístico, crítico, sociológico, antropológico, etnográfico e estético da sua vasta e diversificada Obra, naqueles vários géneros, estilos, conteúdos e horizontes de sentido que a integram e constituem como uma das mais ricas produções criativas e originais da Língua e da Cultura portuguesas.

– Hoje, 20 de Fevereiro, quadragésimo primeiro aniversário do seu falecimento, relembro novamente a sua vida e aquela obra, nesta ainda retomada memória de outros textos e reflexões anteriores:

Nascido em 1901, na Praia da Vitória – essa terra que na sua escrita será sempre tanto uma entidade real quanto uma entidade imaginada em afectos, temporalidade e pensamento, tal como, de resto, a sua própria auto-descoberta construída “peça a peça/ De saudade, vagar e reflexão”... –, este Açoriano passou ali a sua infância, antes de estudar nos Liceus de Angra do Heroísmo (1912) e da Horta (1918). 



Partindo depois para o Continente, primeiro para cumprir serviço militar (em 1919) e depois, sucessivamente, para completar os estudos secundários e frequentar as Universidades de Coimbra e de Lisboa, licenciou-se em Filologia Românica (1931) na Faculdade de Letras da capital. Leccionando já nesta última, viria a doutorar-se (1934) com uma inovadora Tese sobre Alexandre Herculano.



Prémio Ricardo Malheiro Dias da Academia das Ciências de Lisboa pelo romance Mau Tempo no Canal (1944); Grande Prémio Nacional de Literatura (1965); Prémio Internacional Montaigne da Fundação F.V.S. de Hamburgo (para Humanistas dos países românicos da Europa); Doutor Honoris Causa pelas Universidades de Montpellier e Ceará; Professor Universitário também na França, Bélgica, Inglaterra, Holanda, Luxemburgo, Alemanha, Suíça e Espanha, – Vitorino Nemésio desenvolveu, ao longo de toda a sua vida, um notável e sistemático diálogo crítico e um vasto trabalho de leitura, de meditação e de assimilação compreensiva, interior, académica e histórico-civilizacional com os mais importantes parâmetros da Portugalidade em todos os Continentes, com especial destaque para a Cultura Luso-Brasileira.



– Pelo verbo luminoso e iluminado da sua Poesia, nunca será demais reafirmá-lo – desde a sua última Sapateia Açoriana (1976) ao debutante Canto Matinal (1916); pela procura diligente e sincera das possíveis respostas às mais necessárias e eternas perguntas do Homem e da Humanidade – desde Era do Átomo/Crise do Homem (1976) até O Poeta Povo (1917); da Crónica e do Artigo de Jornal ao Ensaio Histórico; da Poesia à Crítica Literária e à Teoria da Ciência; da Antropologia Cultural à Novela, ao Conto e ao Romance; da Estética à Religião e à Teologia; enfim, do Memorialismo e da Literatura de Viagem à Filosofia e à Teoria da Cultura e da Sociedade, – de tudo isso se entreteceu o poderoso discurso nemesiano.



A grande riqueza literária e humana de todas as facetas de Nemésio advém bastante da grande ligação e da mútua pertença que nele se foi criando entre a Vida e a Obra, de tal modo que esta é mesmo a melhor revelação dos percursos daquela.

– A vida vivida, os problemas que sentiu, as questões que pensou, as dúvidas, as crises e os mistérios que se lhe depararam, a par das esperanças mais íntimas e profundas que o moveram, estão bem reflectidas em tudo o que disse, escreveu e impressivamente legou ao seu tempo e ainda ao nosso.



Neste mesmo dia 20 de Fevereiro de 2019, tal como naquela efeméride de há vinte anos, e com as mesmas palavras de então em plena vigência nos dias que correm, bom seria retermos ao menos um dos discursos de Nemésio e a sua metódica e sistemática atitude atencional – “Parar, reparar e admirar. Fazer isto às pessoas, como fazemos às coisas” – como norma de humanidade e testemunho do autêntico, como ele recomendou e o exerceu.



– Assim, a melhor homenagem que lhe podemos continuar a prestar será a da releitura potenciadora de sentido e o estudo crítico das suas obras e do seu pensamento nelas plasmado, no aprofundamento e no aproveitamento pleno das suas insuspeitadas dimensões, em múltiplos, convergentes e complementares ramos disciplinares, e nas suas conectáveis integrações de saber, aí incluída uma espécie de arte de viver e assumir uma renovada e mobilizadora Açorianidade alternativa, social, cultural e cívica, cuja falência prática em modelos de auto-governação diariamente falida é o contemporâneo contra-testemunho diário de muito do que havíamos todos esperado em anteriores épocas e graus autónomos de consciência histórica da vida nacional e regional...

Angra do Heroísmo, 20.02.2019
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Publicado em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3376,
e em "Correio dos Açores" (Ponta Delgada, 20.02.2019):