sábado, abril 12, 2014


As Figurações do Instante

no Olhar de António Araújo

1. O retentivo olhar de António Araújo e a figuração artística das suas correlativas imagens fotográficas – representado aquele e servido estas por um amadurecido, apropriado e muito seguro manuseamento e domínio técnico de específicos equipamentos e especializados recursos –, têm vindo a afirmar e projectar este notável Fotógrafo e a sua Arte como um dos mais qualificados nomes da Nova Fotografia (chamemos-lhe assim...) feita nos Açores, porém em revelação crescente e confirmado reconhecimento em todo o País...


2. Nascido em Matosinhos (1971), António Araújo concluiu o Curso Técnico-Profissional de Artes Gráficas e Comunicação na Escola Soares dos Reis (Porto, 1991) licenciando-se depois (2000) em Design de Comunicação na Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos (onde leccionaria Fotografia e Fundamentos do Design Bidimensional).

Casado com uma terceirense, este Fotógrafo (por assim dizer já açoriano por adopção afectiva e espaço de mundo...) vive e trabalha em Angra do Heroísmo há mais de vinte anos, aqui tendo exercido docência até 2001 como Professor de Educação Visual, Expressão Plástica e Oficinas de Arte. Formador em Artes Gráficas e Fotografia na Escola Profissional da Santa Casa da Misericórdia de Angra (2001-2014) e Designer free lancer, sua actividade principal desde 1989, António Araújo colabora com o jornal “Diário Insular”, sendo responsável pela concepção gráfica e fotográfica do DI Revista.

 3. Tendo recentemente participado (com José António Rodrigues, Rui Soares e Rui Vieira) na belíssima Exposição Colectiva “4 Visões, 4 Pintores” organizada pela Câmara Municipal da Lagoa, António Araújo desde cedo viu a Fotografia surgir nos seus horizontes de interesse artístico e dedicação profissional, conforme é salientado na nota biográfica incluída no prospecto da referida mostra que dá ainda conta de vários dos seus anteriores trabalhos e bem assim da respectiva co-autoria fotográfica nas seguintes edições em livro: Graciosa, Ilha Serena (Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa), As cores do Dragão – Ilha de São Jorge (Câmaras Municipais das Velas e Calheta), Dragoeiros do Museu do Vinho (Direcção Regional da Cultura), e Angra, Cidade Transatlântica (Câmara Municipal de Angra do Heroísmo).


 4. Numa obra já clássica (Photographie et Societé), publicada em Portugal com tradução e prefácio de Pedro Frade, a autora, Gisèle Freund – famosa fotógrafa documental, ensaísta e retratista (Malraux, Joyce, Borges, Neruda, Mitterand...), discípula de Norbert Elias e Karl Manheim e socióloga próxima das abordagens críticas da Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer...) –, salientou que a Fotografia, sendo “originária da cooperação da ciência e de novas necessidades de expressões artísticas, tornou-se logo à nascença objecto de violentos litígios. Saber se a máquina fotográfica era apenas um instrumento técnico, capaz de reproduzir de modo puramente mecânico as aparências, ou se era preciso considerá-la como um verdadeiro meio de exprimir uma sensação artística individual, inflamava os espíritos dos artistas, críticos e fotógrafos”, – quando não, digo, como sempre acontece (tal o seu poder sobre a realidade e o seu fascínio sobre-real...), com políticos, propagandistas, ideólogos, estrategas e manipuladores das consciências, das vontades e das mais nobres ou dissimuladamente abjectas causas...

E é assim, da verosimilitude ao índice (perspectiva tratada por Dubois), que cada vez mais, desde a loucura fotográfica do turista (mais ou menos “voyeur” dos sítios, monumentos e exotismos de toda a ordem...), à sua mesma proliferação nas redes sociais, no fotojornalismo sério e/ou sensacionalista, ou desde a geral acessibilidade massificada e banalizada que os novos artefactos em série e facilitado formato de registo e arquivo viabilizam, até à última (agora dita patológica) moda dos selfies, que toda a Fotografia (seja pela qualidade documental, sentido artístico e espírito inventivo, ou falta deles...) faz parte natural do nosso sistema moderno e pós-moderno de leitura e inserção na realidade (e na irrealidade e na hiper-realidade, por igual e conjuntamente pela fixação, representação, codificação, função memorial, nostalgia, projecção onírica, utópica ou ucrónica da existência real ou imaginária...).


 – E todavia cabe não esquecer que no cerne e essência mesma da fotografia e do acto fotográfico está implícito todo um complexo jogo de linguagens e signos, percepções, sentimentos, pensamentos, mensagens e raciocínios, onde oscila a verdade e a falsidade do Mundo e do Homem, da Sociedade (como acentuou Barthes), da Natureza e da História, nelas, conforme precisou Sontag, coabitando sempre uma gramática do real e uma ética da visão...

5. Ora é de tudo isto que nos falam, e a tudo isto nos reconduzem esplendidamente as imagens deste Fotógrafo:


 – Figuração e captação de instantes, momentos e espaços únicos que o seu olhar prendeu na fugaz ou fugidia procissão dos seres, rostos, corpos, coisas, cores, sombras, luzes e penumbras (talvez na busca daquele instante suspenso, poeticamente cantado por Emanuel Félix...), as suas objectivas figurações, como imagens que a Objectiva trouxe e revelou – ainda recorrentemente aqui numa paradigmática fixação insular ora cativante do pormenor e do fragmento, ora suspensa sobre os abismos do mar –, fazem da arte de António Araújo a expectante visualização de uma via crucis outra, talvez afinal idêntica à da própria Vida que passa em direcção ao Mistério que o Fotógrafo, com a Humanidade inteira à janela, procura ansiosamente decifrar...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 12. 04. 2014):






















e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 13. 04. 2014):









As formas da Tortura

Com lançamento anunciado para o próximo dia 16, a 2.ª edição do livro de José Sócrates A Confiança no Mundo inclui um posfácio novo de Eduardo Lourenço, texto este que o “Público” divulgou no passado dia 6 sob o título de “O desejo amoroso do mal”.


– A obra, como é sabido, aborda o problema teórico e a consumação prática da Tortura em regimes democráticos, defendendo o autor que esse fenómeno constitui, claro, não só um atentado à intrínseca e inerente dignidade dos seres humanos, quanto é um índice da profunda degenerescência e falsificação a que todos os regimes políticos – mesmo os liberais ou jurídico-formalmente estruturados como Estados de Direito – podem estar sujeitos, no que assim se instituem em aparelhos destituídos de legitimidade ético-política e de autoridade moral!

A tese – cuja perspectiva crítica de abordagem, embora não sendo propriamente inédita, traz alguns sugestivos contributos sintéticos para uma mais articulada questionação do fenómeno da Tortura no pensamento tradicional e na história política, securitária, colonial e militar-imperial recente das democracias europeias e norte-americana (aqui, nomeadamente após aos atentados terroristas do 11 de Setembro, com as contra-posições tácticas e estratégicas assumidas pelos EUA a nível jurisdicional, penitenciário e torcionário...).

– Este livro de Sócrates, sendo agora mais filosoficamente lido (e legível...) de modo generoso, como o faz Eduardo Lourenço, poderia porém não só trazer à reflexão uma mais ampla e referencial evocação ética e quase metafísica do problema (e do Mistério?) do Mal – tanto no que ele absolutamente opõe, ou tenta derivadamente sub-trair, ao Bem...–, quanto deveria ainda estender a sua mesma visão criteriosa a tudo o que, por entre a barbárie radical da violência universal sádica e niilista da Tortura e seus (suposta ou alegadamente) banais (e menores?) actos maléficos quotidianos (a mentira, a injustiça, a opressão e a simulação ocultante da verdade...) ainda permanece, quase inocentemente, fruto da tal invocada (desculpabilizante?) inumanidade de que (todos?) somos, ou parecemos ser, parte integrante...
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 12.04.2014):






















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